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Não tenho dúvidas em afirmar que este artigo entra em um terreno pantanoso…
Está no § 4º do artigo 37 da Constituição a previsão segundo a qual o agente que praticar atos de improbidade administrativa sofrerá a suspensão de direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e a imposição de ressarcimento do erário.
É sempre bom lembrar que a ação de improbidade administrativa não tem caráter penal. As punições possuem natureza administrativa. Porém, nada impede a responsabilização também na esfera criminal, caso os fatos se amoldem a alguma conduta penalmente típica.
Regulamentando o preceito constitucional, foi editada a Lei nº 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa (LIA), de grande incidência nas provas.
Ela distingue os atos de improbidade administrativa em quatro espécies: a) atos que importam enriquecimento ilícito (artigo 9º); b) atos que causam prejuízo ao erário (artigo 10); c) atos decorrentes da concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário (artigo 10-A); e d) atos que atentam contra os princípios da Administração Pública (artigo 11).
Cabe ressaltar que a terceira hipótese apresentada foi acrescentada pela Lei Complementar nº 157, do ano de 2016.
Avançando, no artigo 12 da LIA há a previsão de punições, em uma evidente gradação das condutas. Exemplificando, a suspensão dos direitos políticos pode variar entre três patamares: 3 a 5 anos; 5 a 8 anos; e 8 a 10 anos.
Tem um ponto que tira o sossego de muitos concursandos e também daqueles que prestam o Exame de Ordem: estou falando do julgamento de agentes políticos por atos previstos na LIA.
Nesse ponto, há dois questionamentos fundamentais: 1 a incidência – ou não – da LIA para as autoridades sujeitas aos Crimes de Responsabilidade; 2 em caso resposta positiva no primeiro caso, a quem caberia o julgamento.
Há alguns anos, no STF houve um julgamento que pontuava a não-incidência da LIA às autoridades submetidas à Lei nº 1.079/50. Usava-se, inclusive, uma ‘frase de sucesso’: “quem vai por responsabilidade não vai por improbidade” (STF, RCL 2.138).
Hoje não é mais assim!
Ao contrário! O STF e o STJ entendem que os agentes políticos estão submetidos a dupla sujeição: eles respondem tanto ao regime de responsabilização política, mediante impeachment (Lei 1.079/50), quanto por ato de improbidade administrativa, previsto na LIA (STF, PET 3.240).
Eu falei em duplo regime sancionatório – crimes de responsabilidade e ação de improbidade –, mas se considerado o possível cometimento também de crime comum, poderíamos falar em tripla responsabilização.
Então, exemplificando, um Governador de Estado ou do DF poderia responder por crime comum (no STJ), por crime de responsabilidade (perante um Tribunal Especial, previsto na Lei nº 1.079/50); e também por ação de improbidade administrativa, perante Juiz de 1ª instância.
Já no caso dos Prefeitos, haveria a submissão à LIA, além da responsabilização política e criminal estabelecida no Decreto-Lei nº 201/67 (STJ, RESP 1.470.579).
Quanto aos Parlamentares, incidiria a responsabilização por quebra de decoro, a ser julgada na respectiva Casa, além da LIA. Aliás, foi essa a razão de se ter mantido decisão do TJDF que suspendeu os direitos políticos da então Deputada Federal Jaqueline Roriz (STF, Reclamação 18.183).
Daí você me pergunta: então, todos os agentes políticos podem responder por responsabilidade e por improbidade?
Não, pois o Presidente da República não se sujeita à LIA.
Uai, mas qual a razão disso?
Simples! É que o artigo 85, V, diz que “são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra a probidade na administração”.
Logo, por força da vontade do constituinte originário, a prática de atos de improbidade, pelo Presidente da República (somente por ele, frise-se!), já se insere no conceito de crime de responsabilidade.
Avançando, diante da possibilidade de incidência da LIA aos agentes políticos, surge a necessidade de responder ao questionamento seguinte, acerca de qual o foro competente para o julgamento dessas ações.
Vamos lá: após anos de espera, no dia 10.5.2018 findou-se o julgamento da Petição nº 3.240. Assim, em decisão majoritária, o Plenário do STF firmou a tese segundo a qual não existe foro privilegiado por prerrogativa de função para o processamento e julgamento da ação civil pública de improbidade administrativa. Essa mesma lógica tem predominado no STJ (STJ, AIA 32).
Duas ressalvas são necessárias:
A primeira, no sentido de que o julgamento de ação civil pública por improbidade administrativa envolvendo Ministro do STF cabe ao próprio Tribunal, não porque existiria foro especial, mas, sim, por questão de coerência do sistema (STF, PET 3.211).
A esse respeito, basta lembrar que uma das punições possíveis seria a perda da função pública. Caso ela fosse julgada na primeira instância, um juiz retiraria o cargo de um Ministro da mais Alta Corte, o que é incoerente.
Então, relembre essas duas teses:
– à exceção do Presidente da República, todos os agentes políticos estão sujeitos à incidência da Lei de Improbidade Administrativa, também podendo responder por crime de responsabilidade ou por quebra de decoro parlamentar;
– não há foro especial para o julgamento de ações de improbidade administrativa, restringindo-se a prerrogativa de foro aos processos de natureza penal.
É isso aí, meu amigo! Tentei ser o mais objetivo possível, conduzindo-o em segurança nesse terreno pantanoso!
Aragonê Fernandes – Juiz de Direito do TJDF; ex-Promotor de Justiça do MPDF; ex-Assessor de Ministros do STJ; ex-Analista do STF; aprovado em vários concursos públicos. Professor de Direito Constitucional em variados cursos preparatórios para concursos.
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