A Língua – viva e apaixonada – no CACD

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Observações sobre a abordagem do conteúdo de português

Tereza Cavalcanti

No princípio, era o Verbo. O início do livro do Gênesis empodera a palavra. É por meio dela que o mundo é construído. Nesta narrativa, olhada sob perspectiva religiosa ou alegórica, a palavra tem o poder de fazer surgir do nada o tudo.

Do ponto de vista antropológico, o surgimento da língua representa um salto evolutivo na história da humanidade.  Aprendendo a verbalizar sentimentos e acontecimentos, o homem ganha outra dimensão, pois consegue transcender o momento e o lugar, eternizar os seus saberes, diferenciando-se dos outros animais, para os quais a linguagem é um ato meramente biológico; para o homem, a linguagem é um fenômeno histórico-social.

O psicólogo Lev Vygotsky elaborou o conceito de pensamento verbal, a capacidade humana de unir a linguagem ao pensamento para organizar a realidade. Para ele, a linguagem tem papel determinante na forma como o indivíduo, em especial a criança, aprende a pensar. E defende que a estrutura da língua que uma pessoa fala influencia a maneira com que esta pessoa percebe o universo.

Para Lacan, médico e psicanalista francês, era preciso decifrar a linguagem para poder alcançar o inconsciente. Seria, então, a psicanálise uma “cura pela fala”, como afirmou Anna O., uma das pacientes de Freud.

A linguagem tem, pois, poderes: criador (e destruidor), diferenciador, curativo. Por e com ela, estabelecemos nossa conexão com o mundo, com o outro e com o eu, adquirimos saberes, compartilhamos descobertas, negociamos, estabelecemos parcerias. A sua manifestação mais forte, culturalmente, é a língua, o Verbo, a palavra.

Não é de se estranhar que o concurso de seleção para a carreira diplomática (CACD) valorize tanto e tão densamente a linguagem ao longo de todas as etapas. Em se tratando da língua portuguesa, área do meu domínio – embora me sinta por ela totalmente dominada -, as questões da primeira fase e os textos da segunda são, via de regra, uma homenagem à “última flor do Lácio”. São questões que reverenciam a língua, bonitas mesmo de ver! Claro que esta é a visão de uma professora, estudiosa da língua e por ela apaixonada. Claro que para o candidato provavelmente não há beleza alguma nessas questões, obstáculos difíceis de cruéis, que o separam do sonho da carreira. O meu conselho – mais do que isso, convite – para o candidato ao CACD é: Deixe de ver a língua e essas questões como inimigas, procure extrair delas toda a beleza contida na língua.  Ela é sua amiga, sua arma, a vara que o ajuda a dar o salto, não o obstáculo.

O respeito que a Banca do CACD tem pela língua começa no edital, na definição do conteúdo programático para a prova de língua portuguesa. Além da modalidade culta, que é bela e necessária sem dúvida, sobretudo para o mundo da Diplomacia, o edital prevê a linguagem “usada contemporaneamente”, entendendo que, como organismo vivo, a linguagem pulsa e se adapta. Ainda se trata lá de “conhecimentos de linguística, literatura e estilística”, desautomatizando a língua da obrigatoriedade normativa da gramática, e estimulando o candidato a ver naquela muito além do que as regras desta. Como se não bastasse toda essa reverência, o edital apresenta o tópico “vícios de linguagem e estilo: ruptura de registro linguístico, coloquialismo, barbarismo, anacronismo, rebuscamento, redundância e linguagem estereotipada”, assumindo que a linguagem também é feita de vícios, que precisam ser combatidos em nome do bom texto, da boa comunicação. Inserir o rebuscamento como vício de linguagem é – ouso dizer – uma ousadia num meio em que se consagrou a falácia de que falar difícil é falar bem. Falar bem é se fazer entender, de modo claro, objetivo e (quem sou eu para negar?!) correto. Esse conteúdo é uma declaração de amor à língua.

Mas esse afeto da Banca não para aí. Continua na seleção dos textos, feita com todo o cuidado, tanto no critério de autoria (Ariano Suassuna, Alceu Amoroso Lima, Josué Montello, Manoel de Barros – só para citar alguns das últimas avaliações) quanto no de conteúdo, com textos sobre estudos linguísticos, colonização literária, modernidade cultural e cultura de massa no Brasil e tantos outros temas ligados à cultura brasileira, ao ser e ao estar deste e neste país. É tão bom poder falar ser e estar – generosidade da nossa língua!

As questões elaboradas sobre os textos respeitam os autores, os conteúdos e o candidato. Não subestimam ninguém nem nada. Priorizam o entendimento, anterior e ulterior às regras, a percepção do texto em seus meandros de intenções e sutilezas implícitas, as relações e referências estéticas, ideológicas e históricas, ou seja, todas as possibilidades  que os textos estabelecem. As questões gramaticais não são esquecidas, e nem poderiam, afinal que tipo de diplomata fala/escreve errado? Já viu algum? Eu, nunca! Mas são questões de viés pragmático, não conceitual: cobra-se do candidato o uso da pontuação e suas possibilidades, as relações de concordância, as flexões verbais. A língua normativa e usual ao mesmo tempo, juntas e apaziguadas, em uma bela parceria.

No concurso de 2016, um dos exercícios da segunda fase solicitava ao candidato que discorresse sobre a importância da retórica na diplomacia. Não é uma declaração de amor à língua e à carreira? Representa o ponto máximo de cuidado com esse instrumento chamado linguagem, o reconhecimento da arte da palavra como uma ferramenta do mundo diplomático.

Você consegue enxergar toda essa beleza e respeito? Se não consegue, por favor, se esforce um pouco, procure relaxar, divirta-se!  Tente ver na montagem da prova de língua portuguesa (primeira e segunda fases) uma beleza peculiar que certamente você avistará depois da aprovação. Antecipe o deleite. A arte fica muito mais bonita quando nós a entendemos.

Além disso, é fato que a prova de português é decisiva na sua aprovação. É indiscutível. Não é melhor você se unir àquele que pode derrotá-lo? E torná-lo seu amigo e cúmplice? Acho que é questão de tática, para dizer o mínimo!

Sim, sim, eu sei que houve uma redução do número de questões de língua portuguesa para este concurso de 2017. Perdemos para a Economia. Mas reconheçamos: esta área anda mesmo precisando de olhares mais generosos. Essa redução certamente não afetará o olhar apaixonado e reverente que a banca tem por nossa língua, afinal desde quando o afeto é medido em itens. Não há medida para isso.

Saiba TUDO sobre o edital do CACD 2017 assistindo ao vídeo abaixo:


Tereza Cavalcanti – Professora de língua portuguesa desde 1984. Formada pela Universidade de Brasília em 1986 (Letras – Português), com especialização em Literatura Brasileira pela mesma instituição e em Docência para Ensino Superior pelo IESB. Trabalhou em educação regular (ensino médio e superior) e em cursos preparatórios para vestibular durante vinte e cinco anos. Há vinte anos, dedica-se à preparação para concurso público, ministrando aulas de gramática, interpretação de texto, redação oficial e redação discursiva. Aprovada em diversos concursos (Secretaria de Educação, Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Colégio Militar, Correios, IF-DF, Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal Militar), encontrou nas aulas para concurso sua verdadeira vocação e tem-se dedicado exclusivamente a essa área há dez anos.

Com o objetivo de preparar os candidatos para o concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, um dos mais difíceis do país, o Gran Cursos Online lançou um novo curso de preparação extensiva para o CACD 2017, composto por teoria e exercícios. Nosso objetivo é ajudá-lo na consolidação de seu conhecimento e, consequentemente, na realização de uma excelente preparação para o próximo concurso. Além das orientações de uma equipe altamente qualificada (diplomatas e especialistas), que irá destacar e desvelar os principais tópicos de cada disciplina, você contará, ainda, com as preciosas dicas sobre as particularidades da banca CESPE, um ano de acesso ao conteúdo, visualizações ilimitadas e outros diferenciais. Com esse curso você se prepara de forma antecipada e eficaz!

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