Olá pessoal! Tudo bem? Sou a professora Débora Juliani, farmacêutica, especialista em Análises Clínicas e faço parte da equipe do Gran Concursos.
Hoje vamos falar de um assunto polêmico na área de Análises Clínicas: afinal, para a realização do Lipidograma, é ou não é necessário que o paciente faça o jejum de 12 horas?
Este assunto já vem sendo discutido há algum tempo. Para ser mais exata, ainda no final de 2016, importantes sociedades médicas brasileiras, tais como a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a Sociedade Brasileira de Analises Clinicas e a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial publicaram um Consenso intitulado “Normatização da Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico”, objetivando dispensar a necessidade de jejum de 12 horas para avaliação laboratorial do perfil lipídico.
Entretanto, os conceitos, motivos e operacionalização dessa prática, que tiveram início em 2017, ainda não foram adequadamente compreendidos pelos pacientes, pelos profissionais solicitantes e pelos laboratórios de Análises Clínicas. Por essa razão, como dito anteriormente, o tema segue causando polêmicas, especialmente na relação paciente-Laboratório. Vamos entender melhor porquê e quando flexibilizar (ou não) o jejum?
Começamos com uma curiosidade: historicamente, para a realização do Lipidograma Completo, exigia-se, sem exceção, que o paciente permanecesse por 12 horas em jejum. A razão de tal exigência estava relacionada à dosagem dos triglicerídeos, que pode sofrer variações, a depender do tempo de jejum e do conteúdo de gordura da última refeição e consequentemente interferir na estimativa da fração LDL pela Equação de Friedewald. Ou seja, se a dosagem fosse exclusivamente do colesterol total e da fração HDL, o jejum sempre foi dispensado (você sabia?).
Uma vez que o conteúdo de gordura da última refeição interfere na dosagem dos triglicerídeos e na estimativa do LDL, este último um importante preditor de riscos cardiovasculares, acreditava-se que o jejum era necessário para que a dosagem de lipídeos fosse “confiável” para fazer esta avaliação do risco cardiovascular. Porém, estudos recentes mostraram que a diferença entre os valores dosados em jejum ou no estado pós-prandial é muito baixa (2% para o LDL-C e 15% para os triglicerídeos, o que representa em média 8 mg/dl para o colesterol total e 15 mg/dl para os triglicerídeos).
Assim, as vantagens da dosagem dos lipídeos no estado alimentado, elencadas a seguir, tornam a conduta mais aconselhável na grande maioria dos casos. São elas:
– Praticidade: coleta em qualquer horário do dia;
– Segurança: evita, por exemplo, quadros de hipoglicemias em diabéticos;
– Conveniência: possibilidade de coletar sangue logo após a consulta médica;
– Logística laboratorial: reduz o congestionamento de pacientes atendidos nos Laboratórios, nas primeiras horas da manhã.
Na prática, a orientação da indicação ou não do jejum, ficará a critério do médico, que deverá explicitar na solicitação do exame as seguintes opções: “Perfil lipídico sem jejum”, ou“Perfil lipídico após jejum de 12 horas”se o paciente apresentou, no último exame, um perfil lipídico sem jejum com hipertrigliceridemia (triglicérides > 440 mg/dL, ponto de corte definido para os triglicérides no estado alimentado no Consenso Europeu/2016) que necessita de confirmação.
Claro que se fazem necessários ajustes no laudo, em especial nos valores de referência. Primeiramente os laboratórios realizarão a coleta de sangue para determinação do perfil lipídico independentemente do tempo em que o paciente se alimentou pela última vez colocando, no laudo, o tempo de jejum (número de horas) referido pelo paciente e os valores de referência dos lipídeos tanto em jejum como no estado alimentado, conforme o quadro a seguir:
Percebeu que para Colesterol Total e HDL-C realmente os valores de referência não mudam? Já para os Triglicérides temos uma pequena diferença, com valores superiores para o estado “sem jejum” se comparados ao estado “com jejum”.
Mas atenção: outra importante adaptação é necessária por parte dos Laboratórios! Normalmente dosagens laboratoriais, são realizadas para avaliar apenas três exames: colesterol total, HDL-C e triglicerídeos. O VLDL-C e o LDL-C, não são dosados e sim estimados a partir de fórmulas como a Equação de Friedewald, sendo:
LDL-C = Colesterol Total – HDL-C – VLDL-C e VLDL-C = Triglicerídeos/5
Porém, para uso desta fórmula, o jejum é necessário, devido à influência dos Triglicerídeos no resultado, e o LDL-C não pode ser estimado (requerendo sua dosagem direta) se os triglicerídeos forem > 400 mg/dL.
Para a realização do perfil lipídico sem jejum, os Laboratórios não devem utilizar a tradicional Equação de Friedewald e sim a Fórmula de Martin para estimar o valor do LDL-C, aplicável inclusive quando os valores dos triglicerídeos forem > 400 mg/dL.
Como já mencionamos, na Fórmula de Martin, o jejum não é exigido e, para obter o divisor dos triglicerídeos aplicado para cálculo do VLDL-C, que na Equação de Friedewald é fixo (“5”), fazemos um cruzamento entre a coluna da esquerda (com o valor dosado de triglicerídeos) e a coluna superior, com o valor do colesterol não-HDL (lembrando que seu cálculo é bem fácil, basta subtrair do Colesterol Total, o valor do HDL-C). Assim, temos o divisor dos triglicerídeos e aplica-se a mesma fórmula de Friedewald, porém alterando o divisor de “5” para o valor obtido no quadro abaixo:
Para facilitar, vamos a um exemplo: paciente com colesterol total (CT) de 200 mg/dL; HDL-C de 40 mg/dL e triglicerídeos (TG) de 400 mg/dL.
Calculamos o colesterol não-HDL = (CT – HDL), ou seja (200-40) = 160 mg/dL e buscamos a intersecção entre a coluna de Triglicerídeos de 400 mg/dL e Não-HDL-C de 160 mg/dL, encontrando então o “divisor”8,1. Aplica-se a fórmula de Friedewald, mudando o divisor de “5” para “8,1”, onde o LDL-C estimado será de 110,6 mg/dL, ok?
VLDL-C = Triglicerídeos/8,1 VLDL-C = 400/8,1 = 49,4 mg/dL
LDL-C = Colesterol Total – HDL-C – VLDL-C = 200 – 40 – 49,4 = 110,6 mg/dL
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