Maus antecedentes e período depurador – pacificação da discussão ante a conclusão do julgamento do RE 593818 – Repercussão Geral em 17 agosto de 2020 – tema certo nas próximas provas!

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Guerreiras e guerreiros!

Vamos conversar hoje sobre um tema quente e recente cuja exigência em provas de direito penal é certeza absoluta, tendo em conta o recente encerramento de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal em 17 de agosto de 2020 sob a sistemática da repercussão geral.

Quando estudamos reincidência, precisamos sempre situar o instituto. Trata-se de uma circunstância agravante com pertinência na segunda fase da dosimetria da pena, sendo, assim, imprescindível a análise do PERÍODO DEPURADOR o qual afasta os efeitos da reincidência.

Vale relembrar o teor da regra do art. 64, I, do Código Penal:

Art. 64 – Para efeito de reincidência: 

I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;

Com efeito, diante da literalidade da sobredita regra, não há impasse sobre a incidência do SISTEMA DA TEMPORARIEDADE em relação à reincidência, ou seja, serão afastados os efeitos da reincidência em relação ao crime 1 (condenação transitada em julgado antes da prática do crime 2) caso tenha transcorrido prazo superior a 5 anos entre a data do cumprimento ou da extinção da pena relativa ao crime 1 e a data da infração posterior (data do cometimento do crime 2).

Entretanto, tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial há impasse em relação à incidência ou não da sistemática do período depurador em relação à circunstância judicial dos maus antecedentes.

Nesse ponto, cumpre relembrar que o art. 59 do CP menciona ANTECEDENTES como circunstância judicial. Contudo, a doutrina e a jurisprudência, ao divisarem que somente tem propriedade a análise dos antecedentes sob o viés do envolvimento com a prática de crimes, abordam tal circunstância judicial como MAUS ANTECEDENTES.

Com efeito, os maus antecedentes compõem circunstância judicial, ou seja, um parâmetro que, desde que sob a devida e concreta fundamentação judicial, autoriza a exasperação da pena na primeira fase da dosimetria (art. 59 do Código Penal). Diante disso, emerge a necessidade de atenção, para não errarmos em prova. A reincidência é circunstância que caracteriza uma AGRAVANTE GENÉRICA com pertinência na SEGUNDA FASE da dosimetria, enquanto que os maus antecedentes, por sua vez, compõem CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL, logo, com aplicação na primeira fase da dosimetria da pena.

Outro ponto de atenção: qual a definição e o conteúdo jurídico dos maus antecedentes enquanto circunstância judicial?

Os “maus antecedentes” encontram-se presentes diante de condenações anteriores transitadas em julgado NÃO ENQUADRADAS OU UTILIZADAS PARA CARACTERIZAÇÃO DE REINCIDÊNCIA.

Vamos por partes.

Primeiramente, somente caracterizam maus antecedentes condenações anteriores transitadas em julgado. Isso porque inquéritos policiais e processos criminais sem trânsito em julgado não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena. Para tanto, vale sempre o registro do enunciado 444 da Súmula da Jurisprudência do STJ (é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base), bem como da tese sufragada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Repercussão Geral no RE 591054 (ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais).

O enunciado 636 da Súmula da Jurisprudência do STJ também não pode escapar, a saber, “a folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência”.

Falta então esclarecer o que seria condenação anterior transitada em julgado NÃO ENQUADRADA ou UTILIZADA COMO REINCIDÊNCIA.

Se o agente possui mais de uma condenação transitada em julgada anterior ao fato cuja pena está sendo fixada, uma das condenações será utilizada como agravante genérica da reincidência, enquanto que a outra poderá ser utilizada, na primeira fase da dosimetria, enquanto maus antecedentes. Isto é, se o agente possui condenações transitadas em jugado pelo crime 1 e 2, sendo ambos os trânsitos em julgado anteriores ao cometimento do crime 3, o juiz está autorizado a utilizar a condenação 1 como reincidência (segunda fase) e a condenação 2 como maus antecedentes (primeira fase). Eis uma situação de maus antecedentes a partir de uma condenação NÃO UTILIZADA COMO REINCIDÊNCIA.

Vamos adiante. De acordo com o art. 63 do CP, “verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. E, como vimos, caso tenha transcorrido prazo superior a 5 anos entre a data do cumprimento ou da extinção da pena relativa ao crime 1 e a data da infração posterior (data do cometimento do crime 2), ficam afastados os efeitos da reincidência.

Ou seja, se em relação à condenação do crime 1 houve o transcurso do período depurador, essa condenação não se enquadra como reincidência, podendo, a princípio, ser utilizada como maus antecedentes na primeira fase da dosimetria.

Para se chegar a essa conclusão, todavia, cumpre analisar o que falamos no início do nosso artigo: incide a sistemática do período depurador em relação à circunstância judicial dos maus antecedentes?

De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível a consideração de condenações transitadas em julgado cujas penas tenham sido extintas há mais de cinco anos como maus antecedentes. Em suma, não incide a sistemática do período depurador, de modo que o fato de a punibilidade ter sido extinta há mais de 5 anos não impede o reconhecimento da circunstância judicial de maus antecedentes. O STJ adota, portanto, o sistema da perpetuidade em relação à caracterização dos maus antecedentes. Posição a ser observada em provas objetivas!

Atenção, ainda que a posição acima seja a dominante no STJ, existem julgados em sentido diverso, por exemplo, o REsp 1160440 e HC 256.210 nos quais  não foram reconhecidos maus antecedentes, sob os fundamentos respectivamente do direito ao esquecimento (REsp 1.334.097) e do lapso de 14 anos entre os fatos. Em uma prova subjetiva ou oral, após dar nota de forma clara acerca da posição dominante, certamente enriquecerá a sua resposta o registro da existência desses julgados.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, a partir de julgados da 1ª Turma (informativo 735 – HC 119200) e da 2ª Turma (informativo 799 – HC 126315), foi abraçado o entendimento de que condenação cuja pena fora extinta há mais de 5 anos não poderia ser considerada como maus antecedentes sob fundamento entre outros de que a Constituição Federal veda sanções que tenham caráter perpétuo.

Entretanto, a posição acima não se sustenta diante do entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal que, sob a sistemática da Repercussão Geral, em 17-8-2020, concluindo o julgamento por maioria do RE 593818, sedimentou a tese de que “não se aplica ao reconhecimento dos maus antecedentes o prazo previsto no art. 64, I, do Código Penal”.

Ou seja, de acordo com o entendimento do Plenário do STF em sede de Repercussão Geral (agosto de 2020), é possível a consideração de condenações transitadas em julgado cujas penas tenham sido extintas há mais de cinco anos como maus antecedentes para efeito de fixação da pena-base.

Em suma, a posição a ser adotada nas provas tanto com apoio no entendimento do STJ quando na tese fixada pelo STF em Repercussão Geral é a de que se adota o sistema da perpetuidade para a caracterização dos maus antecedentes, sendo, novamente, possível a consideração de condenações transitadas em julgado cujas penas tenham sido extintas há mais de cinco anos como maus antecedentes para efeito de fixação da pena-base.

Na oportunidade, o Supremo Tribunal Federal consignou ainda ser da competência discricionária do juiz considerar os maus antecedentes no momento da fixação da pena-base, por não se admitir com estio nos primados de índole constitucional da isonomia e da individualização da pena subtrair do juiz a possibilidade de analisar aspectos afetos à vida pregressa do agente.

É isso, pessoal! Nos encontramos por aqui em uma próxima ou no nosso curso de penal! E, claro, se lembrem: desistir jamais!

Forte abraço,

Túlio Mendes

Defensor Público e professor de Direito Penal

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