Na legislação brasileira, é notório que o antecessor das medidas provisórias fora o decreto-lei, que se tratava de um instrumento legislativo utilizado exaustivamente pelo Presidente da República, pois este que poderia editá-lo. Porém, a inspiração para a criação das medidas provisórias veio da legislação italiana. No sistema parlamentarista italiano, o primeiro-ministro edita medidas provisórias sob a sua responsabilidade política, de tal forma que sua rejeição pelo Parlamento implica na queda do Gabinete, fato que por si só inibe a utilização generalizada e abusiva daquele instrumento.
O ordenamento jurídico italiano (após a sua Constituição de 1947) também prevê, para a medida provisória, a regulamentação das relações jurídicas dela decorrentes, sendo que, na ordem italiana, esta regulamentação é uma faculdade do Parlamento e, no ordenamento brasileiro, a regulamentação é obrigação do Congresso Nacional, conforme assevera o art. 62, da Constituição Federal de 1988.
No nosso sistema não está prevista a responsabilidade política do Presidente da República para os casos em que suas medidas provisórias são rejeitadas pelo Congresso Nacional. Diante disso, conclui-se que o uso das medidas provisórias é abusivo no Brasil.
Apesar dos comprovados abusos feitos pelos decretos-lei, o legislador da Constituição Federal de 1988 (CF) enxergou a importância de um ato normativo excepcional e célere, que seria utilizado em situações de extrema relevância e urgência (como coloca o artigo 62 da CF), criando, assim, as medidas provisórias inspiradas no modelo italiano.
A Emenda Constitucional nº 32, de acordo com Alexandre de Moraes, “prevendo as regras de processo legislativo, teve como finalidade diminuir a excessiva discricionariedade na edição de medidas provisórias, prevendo uma série de limitações materiais, bem como a impossibilidade de reedições sucessivas”.
Medida Provisória
Em 1998, com a promulgação da vigente Constituição Federal Brasileira, cai o decreto-lei, mas em seu lugar surgiu a Medida Provisória. Foi um instrumento criado com a finalidade de facultar ao Presidente da República uma dinâmica político-administrativa típica dos modernos Estados Democráticos de Direito, de tal forma que não se caracterizasse como uma intromissão nas atividades do Poder Legislativo, garantindo o bom desempenho da atividade estatal para a consecução dos seus objetivos.
Prevê a nossa Constituição que, em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, tendo força de lei, devendo ser submetidas imediatamente ao Congresso Nacional (artigo 62, caput, da Constituição Federal); este terá prazo de cinco dias para se reunir, após convocação extraordinária, caso esteja em recesso. Após editada, entrará em vigor e permanecerá assim por 60 dias, sendo também submetida à apreciação do Poder Legislativo, de acordo com os incisos do artigo 62, da CF. Caso dentro do prazo mencionado não for convertida em lei, perderá sua eficácia e, assim, caberá ao Congresso disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes (§ 3º do já citado artigo).
Além das alternativas colocadas no parágrafo acima, dentro do prazo de 60 dias de vigor da medida provisória poderão ocorrer outras 03 situações: aprovação com alterações, rejeição expressa e rejeição tácita.
Aprovação com alterações: o Parlamento possui a opção de apresentar emenda, ampliando ou restringindo o conteúdo da medida provisória. Tais emendas poderão ser supressivas ou aditivas, devem ser apresentadas no prazo de 05 dias após a publicação da medida provisória e não poderão tratar de matéria diferente da colocada no texto da medida provisória. Os Parlamentares que apresentarem as emendas à medida provisória deverão também apresentar as relações jurídicas decorrentes de possível alteração da medida emendada. Caso o Congresso aprove a medida provisória emendada, ela se transformará em projeto de lei de conversão, que será remetido ao Presidente da República para que este vete-o ou aprove-o.
Rejeição expressa: caso rejeitada pelo Legislativo, a medida provisória perderá seus efeitos de forma retroativa, devendo então o Congresso Nacional, em 60 dias, regular as relações jurídicas originárias da emenda rejeitada. Nesse caso, não será admitida a reedição da medida provisória rejeitada e, caso ocorra, poderá ser considerado crime de responsabilidade, já que estaria impedindo o livre exercício do Poder Legislativo, pois poderia considerar que o Presidente da República utilizaria o Congresso apenas “como mero aprovador de sua própria vontade”, de acordo com Tércio Sampaio Ferraz Jr.
Rejeição tácita: Caso o Congresso Nacional não se manifeste no prazo de 60 dias, a medida provisória perderá sua eficácia, por isso é chamada rejeição tácita, pois o Congresso não se manifesta explicitamente sobre o ato normativo, apenas não o aprecia no tempo correto. Essa situação permite que o prazo seja prorrogado apenas uma vez, acrescentando mais 60 dias ao prazo. Porém, se caso o Congresso não se manifestar novamente, a rejeição se tornará definitiva e assim estará impedida sua reedição.
Limites Materiais à Edição de Medidas Provisórias
Originalmente, não era prevista pela CF vedação material à medida provisória. Contudo, após a criação do artigo 246, da CF, foi vedada a adoção de medida provisória para regulamentar artigo da CF, desde que seu conteúdo tenha sido alterado por emenda promulgada após 1995. Entretanto, tal situação fora modificada com a Emenda Constitucional 32/01 que, após modificar o conteúdo do artigo 246, determinou que o prazo final para a vedação à adoção de medidas provisórias seja datada de sua própria promulgação. Ou seja, após o mencionado acima, o Presidente da República poderá, de acordo com Alexandre de Moraes, “retornar à utilização de medidas provisórias, nas hipóteses de relevância e urgência, para regulamentar artigo da CF alterado por emenda promulgada após 11 de setembro de 2001”.
Também foram estabelecidos à medida provisória limites materiais existentes com relação a leis delegadas, que é a proibição de serem editadas pelo Presidente da República quando versarem sobre matéria de: nacionalidade, cidadania, direitos políticos e eleitorais, organização do Poder Judiciário e do Ministério Público (a carreira e a garantia de seus membros), planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamentos e créditos adicionais e suplementares. Portanto, levando-se em consideração que, sobre as matérias acima, o Poder Legislativo não as delegou ao Poder Executivo, obviamente não seria cabível o Presidente da República possuir poder sobre as mesmas.
A Emenda 32/2001 regulou a possibilidade de edição de medidas provisórias penais, tributárias e nos casos que o legislador reservou à edição de lei complementar. Nesse sentido, existem variadas posições, como por exemplo Celso Melo Filho e Alberto Silva Franco que se posicionam contra a possibilidade de edição de medida provisória sobre matéria penal. Os autores mencionados estão de acordo com a CF, em seu artigo 5º, XXXIX, que prevê que deve existir lei formal para a previsão de existência de crimes e penas. Portanto, a emenda 32/2001 coloca como totalmente vedadas as edições de medidas provisórias que versam sobre direito penal e processo penal, proibindo até mesmo a edição benéfica.
O mesmo ocorre na área tributária, que exige a anterioridade da lei e, como já se sabe, medida provisória não é lei. Porém, o Supremo Tribunal Federal já admitiu que tributos possam ser instituídos através de medidas provisórias pois, de acordo com o Ministro-relator Octávio Gallotti, “tendo força de lei, é meio hábil, a medida provisória, para instituir tributos, e contribuições sociais, a exemplo do que já sucedia com os decretos-lei do regime ultrapassado como sempre esta Corte entendeu”. Assim, de acordo com o STF, após a emenda 32/2001 passou a ser cabível a edição de medidas provisórias para se instituírem ou aumentarem os impostos, sempre respeitando o princípio da anterioridade.
Também é proibida a edição de medidas provisórias se estas abordarem matérias já tratadas em projetos de Lei aprovados pelo Congresso e pendentes de sanção ou veto presidencial, pois tal situação caracterizaria desrespeito à separação dos poderes.
Bibliografia: DE MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. Décima nona edição, ed. Atlas 2006.