Primeiramente, cumpre esclarecer que a tese de arquivamento implícito de inquérito policial foi introduzida no processo penal brasileiro pelo mestre Hélio Tornaghi, em sua célebre “Instituições de processo Penal”, e fora reproduzida com a peculiar maestria pelo prof. Afrânio Silva Jardim.
Explica Duclerc[1] que, como a ação penal pública é obrigatória, e o arquivamento existe exatamente para controlar e garantir que o seja, sempre que o promotor, ao reconhecer um inquérito policial apontando dois autores para o mesmo delito, oferecer denúncia contra um e omitir-se totalmente em relação ao outro (não denunciar nem pedir expressamente o arquivamento), e o juiz simplesmente receber a denúncia sem lançar mão da faculdade que lhe concede o art. 28 do CPP, terá ocorrido arquivamento na sua forma implícita. Para os defensores desta espécie de arquivamento ocorrerão todos os efeitos normalmente atribuídos ao arquivamento direto ou expresso, ou seja, a denúncia oferecida só poderá ser aditada para incluir um indiciado esquecido se houver novas provas além daquelas já contidas.
Dica do professor: quando a omissão for relativa às pessoas (autores do delito), dá-se o chamado arquivamento implícito subjetivo.
Vislumbre-se, da mesma forma, haverá o arquivamento implícito, nos mesmos termos explicados acima, se houver uma omissão em relação a outros fatos atribuídos ao mesmo indiciado, além daqueles constantes da peça acusatória.
Dica: este é o chamado arquivamento implícito objetivo, uma vez que é pertinente a fatos.
A doutrina também explica que haverá o arquivamento implícito se o promotor ao invés de denunciar pedir o arquivamento em relação a um dos indiciados (subjetivo), ou um dos fatos (objetivo) atribuídos ao mesmo indiciado, e se omitisse em relação a outros indiciados e/ou fatos. Assim, segundo a mesma linha de raciocínio, a denúncia só poderia ser ulteriormente oferecida com fulcro em novas provas com base na Súmula 524 do STF.
Em síntese, entende-se por arquivamento implícito, o fenômeno verificado quando o titular da ação penal pública deixa de incluir na denúncia algum dos indiciados ou algum fato investigado, sem uma justificação deste procedimento, sendo que esse arquivamento irá ocorrer quando o juiz não se pronunciar em relação aos fatos omitidos na peça acusatória.
A questão não é tão simples, pois não há previsão legal da teoria no Brasil, sendo questionada à sua aplicabilidade pela maioria da doutrina.
Ademais, colocar-se-iam em cheque as atribuições do Ministério Público, pois este não poderia ser desidioso na persecutio criminis, pelo contrário, deveria requerer expressamente o arquivamento dos autos do inquérito, indicando, inclusive, os motivos que o convenceram a requerê-lo.
A celeuma, sem sombra de dúvidas, adentra no campo do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, uma vez que deverão ser denunciados todos os autores envolvidos na empreitada criminosa e também por todos os fatos criminosos que deram causa.
Nas palavras de Rangel[2], o arquivamento implícito está diretamente relacionado com o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública:
Se o juiz cochilar da mesma forma que o promotor terá ocorrido o arquivamento implícito do inquérito policial. Assim, o arquivamento implícito ocorre sempre que há a inércia do promotor de justiça e do juiz, que não exerceu a fiscalização sobre o princípio da obrigatoriedade da ação penal.
Sobre o tema, objeto deste artigo, não aceitam a tese do arquivamento implícito: Ada P. Grinover, Mirabete, Antonio Paganella Boschi e Marcellus Polastri Lima.
Os que rechaçam a tese alegam que só poderá haver o arquivamento do inquérito policial a requerimento do Ministério Público, ademais, o titular da ação deve, inclusive, dizer as razões do arquivamento conforme deixa claro o disposto no art. 28 do CPP.
Ainda fundamentam que somente por despacho do magistrado poderá ocorrer o arquivamento do inquérito conforme estampado na Súmula 524 do STF. Nesta linha, outra fundamentação seria o art. 93, IX da CF que trata da motivação das decisões judiciais.
Segundo os mestres supra, caberá o aditamento da peça acusatória, uma vez que as omissões da denúncia poderão ser supridas até a sentença à luz do art. 569 do CPP.
Em suma, para os que criticam a teoria do arquivamento implícito, aceitar tal tese significa burlar o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, pois não poderá haver arquivamento sem requerimento ministerial e decisão expressa da autoridade judiciária competente.
De outra banda, aceitam o arquivamento implícito: Hélio Tornaghi , Afrânio Silva Jardim, Tourinho Filho e Paulo Rangel.
A fundamentação pela aceitação da teoria seria a seguinte: o promotor e o juiz devem zelar pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, porém, senão o fizerem, com o recebimento da denúncia instaurar-se-á uma situação jurídica a favor do omitido, equiparando-se aos efeitos do arquivamento direto (expresso).
Nas palavras do professor Afrânio Silva Jardim[3]:
Entende-se por arquivamento implícito o fenômeno de ordem processual decorrente de o titular da ação penal deixar de incluir na denúncia algum fato investigado ou algum dos indiciados, sem expressa manifestação ou justificação deste procedimento. Este arquivamento se consuma quando o juiz não se pronuncia na forma do artigo 28 do CPP com relação ao que foi omitido na peça acusatória.
Nesse viés, não caberá aditamento e nem ação penal privada subsidiária da pública por parte do ofendido.
Apesar da brilhante construção doutrinária, no âmbito da jurisprudência predominante, a tese é rechaçada, vejamos:
O STF ao avaliar o tema no RHC[4] 95141/RJ – rel. Min. Ricardo Lewandowski, 6.10.2009 deixou assentado que o sistema processual penal brasileiro não agasalhou a figura do arquivamento implícito de inquérito policial.
Assim, com fulcro nesse entendimento, a Turma que julgou o referido recurso desproveu recurso ordinário em habeas corpus interposto contra acórdão do STJ que denegara writ lá impetrado ao fundamento de que eventual inobservância do princípio da indivisibilidade da ação penal não gera nulidade quando se trata de ação penal pública incondicionada. No caso, o paciente fora preso em flagrante pela prática do delito de roubo, sendo que — na mesma delegacia em que autuado — já tramitava um inquérito anterior, referente ao mesmo tipo penal, contra a mesma vítima, ocorrido dias antes, em idênticas condições, sendo-lhe imputado, também, tal fato. Ocorre que o parquet – em que pese tenha determinado o apensamento dos dois inquéritos, por entendê-los conexos — oferecera a denúncia apenas quanto ao delito em que houvera o flagrante, quedando-se inerte quanto à outra infração penal. O Tribunal local, todavia, ao desprover recurso de apelação, determinara que, depois de cumprido o acórdão, fosse aberta vista dos autos ao Ministério Público para oferecimento de denúncia pelo outro roubo. Destarte, fora oferecida nova exordial acusatória, sendo o paciente novamente condenado.
No caso, sustentava o recorrente, em síntese, a ilegalidade da segunda condenação, na medida em que teria havido arquivamento implícito, bem como inexistiria prova nova a autorizar o desarquivamento do inquérito.
Na mesma linha o STJ, 6ª Turma, no HC[5] 46.409- DF, Rel. Paulo Galloti, J. 29-06-2006 quando rechaçou a teoria do arquivamento implícito quando decidiu ser improcedente a alegação de arquivamento implícito do inquérito em relação ao paciente, visto que o artigo 569 do Código de Processo Penal admite o aditamento da denúncia para suprir, antes da sentença, suas omissões, de modo, por certo, a tornar efetivos os princípios da obrigatoriedade da ação penal pública e da busca da verdade real.
Pelo exposto, com fulcro na jurisprudência dos tribunais superiores, o arquivamento deve ser requerido ao juiz, para que haja o controle de utilização do princípio da obrigatoriedade, destarte, sem o requerimento expresso e fundamentado do promotor não há que se falar arquivamento do inquérito policial.
Por fim, à luz da corrente majoritária, ocorrendo uma omissão na denúncia ministerial, o magistrado deverá abrir prazo ao parquet para que se manifeste a respeito: oferecendo a peça acusatória ou requerendo expressamente o arquivamento fundamentado do inquérito policial.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
DUCLERC, Elmir. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Pena. 24 ed. Rev. Atual. São Paulo: Atlas, 2016.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Relator: Paulo Galloti. HC 46409-DF. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9041598/habeas-corpus-hc-46409-df-2005-0126341-2/inteiro-teor-14216237 Acesso em: 16 jun. 2016.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Informativo 562. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo562.htm. Acesso em: 17 jun. 2016
[1] DUCLERC, Elmir. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 161.
[2] RANGEL, Paulo. Direito Processual Pena. 24 ed. Rev. Atual. São Paulo: Atlas, 2016. p. 223.
[3] JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 170.
[4] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Informativo 562. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo562.htm. Acesso em: 17 jun. 2016
[5] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Relator: Paulo Galloti. HC 46409-DF. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9041598/habeas-corpus-hc-46409-df-2005-0126341-2/inteiro-teor-14216237 Acesso em: 16 jun. 2016.
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