O filósofo grego Heráclito de Éfeso (c. 535 AC – c. 475 AC), ao referir-se à essência de todas as coisas, dizia que “nada é permanente, exceto a mudança”. A frase do ilustre pré-socrático aplica-se perfeitamente à carreira típica de um diplomata: para nós a mudança constante é, talvez, a única certeza!
Quando se pensa na vida diplomática, uma das primeiras coisas que vêm à cabeça seguramente é o fato de que grande parte da carreira se desenvolve fora do país. De modo geral, um diplomata brasileiro passa cerca de metade de sua vida profissional atuando no exterior, em países dos mais diversos. Trata-se de uma experiência riquíssima e de um dos ingredientes que tornam a nossa carreira especial, mas o leitor pode estar certo de que essa característica da carreira também é bastante demandante em termos pessoais e profissionais, pela necessidade de que o diplomata e seus familiares se adaptem, forçosamente, a ambientes e culturas totalmente diferentes a cada três ou quatro anos, em média.
A necessidade de adaptação às mudanças físicas frequentes é, portanto, uma certeza – e, ademais, um dado quase óbvio – da vida diplomática. Menos óbvia, porém igualmente demandante e, a meu ver, atraente, é a necessidade de adaptação constante a atividades diferentes. Quando se pensa nas tarefas tradicionais da diplomacia, quais sejam, as de informar, negociar e representar, à primeira vista fica pouco evidente a infinidade de diferentes funções que o cumprimento dessas tarefas exige sejam desempenhadas em uma Chancelaria.
A grande variedade de funções envolvidas no trabalho diplomático torna muito difícil, se não impossível, prever qual será o percurso profissional que percorrerá um Terceiro-Secretário recém-ingressado no Itamaraty. Muito se fala na dicotomia ou tensão entre generalismo e especialização em diplomacia, sem que se haja chegado a conclusões definitivas. Há Chancelarias que priorizam a formação de especialistas, nas quais um diplomata que se tenha tornado “expert” em África, por exemplo, dificilmente será removido para país fora daquele continente ou trabalhará em área que dele não trate. Algumas delas procuram estabelecer caminhos ou “tracks” diferentes nos quais os seus diplomatas podem ingressar e nos quais deverão, em princípio, permanecer: em áreas como Diplomacia Econômica, Administração, Diplomacia Pública, Política ou Consular.
E o Brasil? Em nossa Chancelaria, não existe exigência legal ou prática administrativa no sentido de priorizar a formação de especialistas. Isto não quer dizer, evidentemente, que não os haja: o Itamaraty possui brilhantes diplomatas que fizeram todas ou quase todas as suas carreiras em áreas específicas. Temos grandes especialistas em comércio, excelentes administradores, competentíssimos negociadores e profissionais que entendem profundamente de dadas áreas geográficas ou países, por exemplo. Ao ingressar na Carreira, porém, é muito difícil de se prever aonde se vai chegar e por que “mares” profissionais se vai “navegar” ao longo das várias décadas que ela costuma durar.
Isto significa que aquele plano de trabalhar na Delegação do Brasil junto à FAO pode acabar virando uma remoção para Tóquio, dependendo das oportunidades que se apresentem e do interesse da Administração, e que quem acalenta o sonho de trabalhar com Diplomacia Cultural por vezes pode descobrir-se negociando acordos de comércio. Mais do que isso: quem descobriu que gosta mesmo é de Administração pode trabalhar na área por alguns anos, mas, na primeira remoção para o exterior, ser aproveitado na área de Promoção Comercial (e depois voltar à Administração, por que não?). Outros profissionais que sequer cogitaram, no início de suas carreiras, tornarem-se especialistas nesta ou naquela atividade acabaram destacando-se e vendo-se alçados à condição de referências em áreas específicas do Ministério das relações Exteriores. A verdade é que temos que estar preparados para assumir qualquer função dentre as muitas existentes dentro do Itamaraty, seja na Secretaria de Estado ou nos Postos no exterior: a mudança, como queria Heráclito, é provavelmente a única certeza em nossa carreira.
A dinâmica da carreira diplomática envolve mudanças periódicas recorrentes e, em muitos casos, imprevisíveis com muita antecedência. Ao terminar o Curso de Formação de Diplomatas do Instituto Rio Branco, este escriba estava dando batente no Grupo de Trabalho que organizava a UNCTAD 2004 em São Paulo, quando foi informado de que havia sido selecionado para estágio de um ano em Buenos Aires, a fim de participar de programa de intercâmbio do IRBr com o ISEN, a Academia Diplomática argentina. Foi uma transformação e tanto no meu dia-a-dia, que exigiu total readaptação a um lugar e atividade diferentes, mudando-me pela primeira vez a outro país e levando nos braços uma filha recém-nascida. E foi uma experiência maravilhosa!
O desempenho de múltiplas e diferentes funções é mais regra do que exceção em nossa carreira, e a minha própria experiência, creio, o ilustra bem: depois do estágio na Argentina trabalhei, ao longo de 14 anos de carreira e em três diferentes países, nas áreas de Promoção Comercial, de Formação de Diplomatas, de Política Multilateral e na Área Consular, além de ter-me desempenhado como Assessor do Secretário-Geral e do Ministro de Estado das Relações Exteriores para temas tão diversos como Política Africana ou Assuntos Parlamentares. Cada uma dessas atividades exigiu de mim esforços no sentido de “reinventar-me” profissionalmente, estudando assuntos novos, construindo redes de contatos, desenvolvendo habilidades diferentes. Desfrutei imensamente de cada uma dessas experiências. Esse gosto pelo novo, por reinventar-se, por estar sempre em movimento, é para mim um dos grandes charmes e um dos maiores atrativos da carreira.
Leonardo Enge – Leonardo de Almeida Carneiro Enge nasceu em São Paulo-SP, em 31 de julho de 1972. Em 1997, formouse em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo. Em 2000, formouse Especialista em Economia do Setor Financeiro pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas daUniversidade de São Paulo. Em 2004, concluiu o Mestrado em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco. Em 2005, concluiu o Curso de Formação de Diplomatas, pelo Instituto del Servicio Exterior de la Nación ISEN, em Buenos Aires, Argentina. Foi promovido a Primeiro-Secretário em 26 de junho de 2009. Atualmente chefia a Divisão de Programas de Promoção Comercial – DPG.
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