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Por Pedro Canário
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu nesta quarta-feira (19/4) que o Judiciário brasileiro deve apreciar, em pedido de homologação de sentença estrangeira, se houve violação do princípio de ordem pública no Brasil. Até aqui, o STJ adotava uma “postura cartorial, com mero chancelamento da sentença estrangeira”, afirmou o advogado Leandro Augusto Ramozzi Chiarottino, do Chiarotino e Nicoletti Advogados, que representou a parte vencedora na contenda.
A causa envolvia a multinacional Abengoa e a usina brasileira Adriano Ometto Agrícola. Ao mesmo tempo em que ocorria a arbitragem, em Nova York, o escritório do advogado que presidiu a disputa recebeu cerca de US$ 6 milhões da Abengoa. Nos Estados Unidos, a Justiça entendeu que não ficou demonstrada a ligação direta entre o dinheiro recebido pelo escritório e a decisão arbitral. Para os ministros do STJ, não é preciso provar o nexo. O recebimento do dinheiro por si só caracteriza vício que viola o princípio da ordem pública.
Ao contrário do que parece, diz o advogado, a decisão “robustece e prestigia o sistema arbitral, ao dar importância à revelação de conflito por parte dos árbitros”
Por sete votos a um, o colegiado entendeu que a arbitragem que concordou com a transferência de responsabilidades da espanhola de bioenergia Abengoa à usina brasileira Adriano Ometto Agrícola não poderia ser reconhecida pelo Estado brasileiro. Seguindo o voto do ministro João Otávio de Noronha, o STJ entendeu que a fase de reconhecimento de sentença estrangeira no Brasil não é meramente cartorial, como propunha o relator, ministro Felix Fischer. A corte decidiu que, como há provas de que o escritório do presidente do trio arbitral recebeu US$ 6 milhões de empresas do mesmo grupo da espanhola, a arbitragem não poderia ser considerada idônea.
O processo foi concluído nesta quarta-feira (19/4), depois que o tribunal decidiu encerrar o julgamento, mesmo com vista regimental pendente de devolução por parte do relator. Fischer, conforme contaram alguns ministros, deixou vencer os prazos para devolução de votos-vista. Como todos já haviam votado e Fischer era o relator, a Corte Especial decidiu declarar o resultado, seguindo a regra regimental.Noronha foi o primeiro a divergir do relator, já na sessão em que o caso foi levado a julgamento, em abril de 2016. Os ministro Herman Benjamin e Nancy Andrighi pediram vista. Eles leram seus votos em outubro daquele ano, quando Fischer pediu vista.
A definição põe fim a um longo processo judicial e impõe mais uma derrota à espanhola. A subsidiária norte-americana da Abengoa, um grupo empresarial espanhol hoje em recuperação judicial, comprou o controle acionário da Ometto em 2007, por R$ 600 milhões. Novata no ramo sucroalcooleiro, a empresa se enrolou com seus fornecedores e, acumulando dívidas, tornou-se réu em mais de mil ações trabalhistas do Brasil.
Nos EUA, a empresa instaurou arbitragem para dizer que os problemas com os trabalhadores e com fornecedores foram herdados da Ometto. E conseguiu transferir o problema e ainda transformar o caso num pedido de indenização de US$ 100 milhões.A Abengoa era um dos maiores produtores de biocombustíveis dos Estados Unidos e da Europa. Hoje, é das campeãs de processos no Brasil, conforme levantamento feito em 2014. Naquela época, eram 824 ações e recursos, 625 deles no TJ de São Paulo, 43 no STJ e seis no Supremo Tribunal Federal. Na Justiça Federal, eram 64 recursos.
Em 2013, a companhia registrou prejuízo líquido de R$ 152 milhões no Brasil e a matriz começou a enfrentar problemas financeiros. A Abengoa parou de pagar as dívidas, e o resultado foram milhares de protestos em cartório, execuções fiscais e até uma ação de despejo.
A empresa também é alvo de investigação relacionada à operação “lava jato”. Em 2015, o ex-diretor da Eletronorte Winter Andrade Coelho foi preso sob a acusação de ter recebido R$ 4 milhões para ajudar a Abengoa em suas relações com a estatal. As empresas têm um contrato de R$ 92 milhões.
Em novembro de 2015, a Abengoa ajuizou pedido de recuperação judicial na Espanha. Segundo os credores informaram à Justiça espanhola, a dívida era de 27,4 bilhões de euros, 80% disso com bancos estrangeiros. Outros 5 bilhões de euros correspondiam a dívidas com fornecedores.
Um mês depois, o Tribunal de Justiça de São Paulo proibiu a subsidiária brasileira da Abengoa de alienar bens, enviar dinheiro ao exterior e mudar seu controle acionário enquanto não quitar os R$ 200 milhões devidos a produtores de cana-de-açúcar do interior paulista. A medida foi tomada diante de indícios de “possível encerramento das atividades em detrimento do pagamento dos credores”, justamente por causa do pedido de recuperação judicial.
Em janeiro de 2016, a Justiça da Espanha tomou decisão parecida.
SEC 9.412
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