Os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro no plano internacional são concretizados a partir da celebração de Atos Internacionais (ou emendas a acordos existentes), os quais, para terem validade em nosso direito interno, necessitam seguir diversas formalidades. Os trâmites necessários referem-se ao envio à Casa Civil, submissão ao Congresso Nacional, ratificação e publicação do respectivo Decreto de Promulgação. Façamos, primeiramente, uma análise separada dos ritos que precisam ser seguidos para os Atos Bilaterais e os Multilaterais.
A primeira fase de um Ato bilateral é a da negociação. Durante essa fase, a área do Itamaraty em Brasília (Secretaria de Estado das Relações Exteriores – SERE) responsável pelo acompanhamento da matéria objeto do Ato coordenará as conversações com a contraparte. Deverá, para tanto, coordenar-se com as demais áreas da SERE interessadas (tanto temáticas quanto geográficas), com o Posto competente, bem como com os demais Ministérios e órgãos do Governo brasileiro responsáveis pelo tema. Deverá, igualmente, solicitar, antes da assinatura do instrumento, a análise do texto em negociação, tanto pela Divisão de Atos Internacionais do MRE, que examinará seus aspectos formais, quanto pela Consultoria Jurídica do Ministério, que examinará seus aspectos jurídicos.
Os Atos Internacionais bilaterais podem adotar diversas denominações (Acordos, Memorandos de Entendimento, Ajustes, Protocolos etc). Podem, igualmente, ser celebrados em dois formatos básicos: a) assinatura do texto do Ato Internacional, por ambas as partes; ou b) troca de Notas Assinadas.
Independentemente da denominação ou formato que assumam, os trâmites necessários à sua ratificação e internalização – notadamente no que tange à necessidade de apresentação de plenos poderes pelo signatário e de remessa do Ato à apreciação parlamentar – serão determinados pela natureza de seu objeto, vale dizer, pela matéria de que tratam, bem como pela obrigatoriedade jurídica de suas disposições.
Sempre que possível, é preferível a adoção do formato convencional, com assinatura do texto por ambas as partes, para a celebração de Atos Internacionais bilaterais. Por seu elevado nível de detalhe e complexidade, o formato de troca de Notas Assinadas deve ser reservado para casos específicos, em que seu uso é consagrado pela prática brasileira ou internacional, ou quando situações excepcionais assim o exijam.
Uma vez concluídas as negociações, havendo ambas as partes alcançado acordo sobre o texto do Ato Internacional a ser celebrado, as partes definirão, de comum acordo, local e data para que se proceda à assinatura do Ato. Somente poderão firmar o Ato, assumindo compromissos em nome do Estado que representam, as autoridades detentoras de plenos poderes para tanto, nos termos do Artigo 7º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.
Após sua assinatura, o Ato Internacional deverá, conforme o caso, ser submetido à apreciação parlamentar. O envio do Ato ao Congresso Nacional é feito pela Presidência da República, mediante a expedição de Mensagem aos Membros do Congresso Nacional, cuja minuta, preparada pelo MRE, é submetida à consideração da Presidência da República por meio de Exposição de Motivos (emitida apenas pelo MRE) ou Exposição de Motivos Interministerial (emitida pelo MRE em conjunto com os demais Ministérios envolvidos com o tema).
Encaminhado o Ato Internacional pela Presidência da República, segue para o Congresso Nacional pela Câmara dos Deputados. Com base no teor do Ato, a Presidência da Câmara determina quantas e quais Comissões da Câmara precisarão analisá-lo antes da apreciação pelo Plenário. A rigor, todo Ato Internacional é submetido, na Câmara, à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN), à Comissão de Finanças e Tributação (CFT) – para verificar se há previsão orçamentária –, à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e à respectiva Comissão ou Comissões temática(s), com base na matéria objeto do Ato (educação, esporte, seguridade social etc).
Os Atos referentes ao Mercosul têm tramitação inicial diferenciada. Antes de serem analisados pelas Comissões da Câmara, devem ser apreciados pela Comissão Mista do Mercosul, composta pelos Deputados Federais e Senadores que integram a Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul. Uma vez aprovados na Comissão Mista, seguem para a Câmara dos Deputados, para início da tramitação regular, de resto idêntica à dos demais Atos Internacionais.
Em cada Comissão em que o Ato é apreciado, o Presidente da Comissão designa um membro como relator do Ato naquela Comissão, o qual, na qualidade de relator, examinará a matéria, pelo tempo que julgar necessário, e emitirá relatório, que pode ser pela aprovação ou pela rejeição do Ato. Uma vez elaborado o relatório, cabe ao Presidente da Comissão colocá-lo em pauta em uma das reuniões da Comissão, para apreciação pelo colegiado. Se for aprovado pelos membros da Comissão, o relatório se torna o parecer oficial da própria Comissão.
Uma vez apreciado por todas as Comissões cabíveis, o Ato Internacional, acompanhado dos pareceres de todas as Comissões que o analisaram, é encaminhado ao Plenário da Câmara, onde cabe ao Presidente da Câmara dos Deputados decidir quando (e se) o coloca em pauta para votação. No caso de Atos Internacionais, a aprovação não requer votação nominal. Podem, portanto, ser aprovados em “votação simbólica”, desde que nenhum partido se oponha à sua aprovação automática. Se rejeitado pelo Plenário da Câmara, encerra-se a apreciação parlamentar do Ato Internacional. Se aprovado, segue para apreciação pelo Senado Federal.
No Senado, a tramitação de Atos Internacionais costuma restringir-se à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), que aprecia o Ato antes de seu encaminhamento ao Plenário. Como na Câmara, cabe ao Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado designar um relator e, eventualmente, colocar em pauta a apreciação do Acordo pela Comissão.
Uma vez aprovado o Ato no Senado Federal, o Presidente do Senado envia Ofício à Casa Civil comunicando a aprovação legislativa, por meio da qual o Poder Legislativo formalmente concede ao Poder Executivo autorização para, se desejar, ratificar o referido Ato Internacional.
Assim que o Ato for aprovado pelo Congresso Nacional, e após a publicação, no Diário Oficial da União, do respectivo Decreto Legislativo, o Poder Executivo estará apto a, se julgar oportuno, proceder à ratificação do Ato junto à contraparte. A ratificação consiste na notificação, à outra parte, de que foram cumpridos os requisitos legais internos para a entrada em vigor (início da vigência) do Ato, não devendo ser confundida com a aprovação parlamentar.
A ratificação é prerrogativa do Executivo, que poderá deixar de ratificar o Ato caso assim estime conveniente. A SERE instruirá o Posto competente a ratificar o Ato Internacional junto à outra parte, mediante a emissão de Nota Verbal pela qual comunicará à Chancelaria local o cumprimento, pelo Brasil, dos requisitos legais internos necessários à entrada em vigor do Ato. A Nota Verbal de ratificação ressalvará que, em razão do sistema dualista adotado pelo Brasil, o Ato deverá ser, após o início de sua vigência no plano internacional, objeto de Decreto Presidencial de Promulgação, para que seja incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, habilitando o Brasil a efetivamente implementar suas disposições.
Ratificado por ambas as partes o Ato, sua vigência no plano internacional terá início no prazo previsto pelo próprio documento. Em razão do sistema dualista adotado pelo Brasil, a efetiva implementação do Ato Internacional, no plano interno, estará ainda sujeita à publicação, no Diário Oficial da União, do respectivo Decreto Presidencial de Promulgação, que incorpora o Ato Internacional ao ordenamento jurídico nacional, internalizando-o e fornecendo a base legal necessária ao cumprimento de seus dispositivos no plano interno. Recorda-se, a respeito, que compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar leis, bem como expedir decretos para sua fiel execução (artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal).
A promulgação somente poderá ocorrer após a entrada em vigor do Ato no plano internacional, mediante a ratificação por ambas as Partes.
De modo geral, aplicam-se aos Atos Multilaterais (Convenções, Tratados, Atas, Cartas, etc.) as mesmas disposições relativas aos Atos Bilaterais, no que tange à sua negociação, assinatura e apreciação parlamentar (itens I – “A”, “C”, “D” e “E” acima).
A assinatura poderá, eventualmente, ser precedida de adoção do texto, por ocasião da conclusão das negociações do instrumento. É recomendável que, por ocasião da assinatura, sejam já anunciadas as reservas que se pretende opor ao instrumento, as quais serão reiteradas por ocasião do depósito do instrumento de ratificação. No que tange à apreciação parlamentar, os tratados enviados ao Congresso Nacional segundo o rito do parágrafo terceiro do artigo quinto da Constituição Federal terão trâmite semelhante ao das Propostas de Emenda à Constituição (PECs).
No que respeita à notificação de cumprimento dos requisitos legais internos, os Atos Multilaterais podem prever diversas modalidades de ratificação, sendo as mais comuns o depósito, junto ao depositário, de Carta de Ratificação (no caso de o Brasil haver assinado o Ato no momento de sua celebração) ou de Carta de Adesão ou Acessão (na hipótese de o Brasil vir a aderir ao Ato em momento posterior à sua celebração). O instrumento de ratificação deverá conter, quando for o caso, eventuais reservas ao instrumento que está sendo ratificado.
Os Atos Internacionais multilaterais somente poderão ser objeto de Decreto Presidencial de Promulgação após sua entrada em vigor no plano internacional, a qual ocorre apenas quando satisfeitas as condições previstas no texto do próprio Ato (comumente, número mínimo de partes que tenham ratificado). É fortemente recomendável que o hiato temporal entre a entrada em vigor do instrumento no plano internacional e sua promulgação seja o menor possível.
Prof.Jean Marcel Fernandes – Coordenador Científico
Nomeado Terceiro-Secretário na Carreira de Diplomata em 14/06/2000. Serviu na Embaixada do Brasil em Paris, entre 2001 e 2002. Concluiu o Curso de Formação do Instituto Rio Branco em julho de 2002. Lotado no Instituto Rio Branco, como Chefe da Secretaria, em julho de 2002. Serviu na Embaixada do Brasil em Buenos Aires – Setor Político, entre 2004 e 2007. Promovido a Segundo-Secretário em dezembro de 2004. Concluiu Mestrado em Diplomacia, pelo Instituto Rio Branco, em julho de 2005. Publicou o livro “A promoção da paz pelo Direito Internacional Humanitário”, Fabris Editor, Porto Alegre, em maio de 2006.
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