Comentários sobre a peça de Direito Constitucional – XXII Exame de Ordem

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Enunciado
Servidores públicos do Estado Beta, que trabalham no período da noite, procuram o Sindicato ao qual são filiados, inconformados por não receberem adicional noturno do Estado, que se recusa a pagar o referido benefício em razão da inexistência de lei estadual que regulamente as normas constitucionais que asseguram o seu pagamento. O Sindicato resolve, então, contratar escritório de advocacia para ingressar com o adequado remédio judicial, a fim de viabilizar o exercício em concreto, por seus filiados, da supramencionada prerrogativa constitucional, sabendo que há a previsão do valor de vinte por cento, a título de adicional noturno, no Art. 73 da Consolidação das Leis do Trabalho. Considerando os dados acima, na condição de advogado(a) contratado(a) pelo Sindicato, utilizando o instrumento constitucional adequado, elabore a medida judicial cabível. (Valor: 5,00) Obs.: a peça deve abranger todos os fundamentos de Direito que possam ser utilizados para dar respaldo à pretensão. A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação.

A peça pede para que o candidato seja o “advogado” contratado pelo Sindicato para defender os servidores públicos do Estado Beta em relação ao não recebimento de adicional noturno sob alegação do Ente Pública de falta de norma regulamentadora. Claramente o caso é de Petição Inicial em Mandado de Injunção na modalidade coletiva.
Vejamos acerca do direito pleiteado:
Inicialmente vê-se que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, no art. 7º da Carta Magna, entre outros, o direito à remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, conforme:

Porém, o candidato deveria se atentar que os servidores não se enquadram no conceito de “trabalhador” pois se assim o fosse a previsão legal (Art. 73 da CLT) seria suficiente para a obtenção do benefício pleiteado. Seria, então, necessário fazer referência ao dispositivo constitucional que estende aos servidores certos direitos trabalhistas, vejamos:


Portanto, quanto ao direito pretendido, está claro que os servidores públicos são legitimados para o exercício do direito pleiteado.
Após a verificação de que os servidores públicos estaduais também gozam do direito ao “adicional noturno”, com base no dispositivo constitucional transcrito e com base na informação fornecida no comando da questão de que “falta a norma regulamentadora” o candidato deveria então fundamentar a peça de Mandado de Injunção na modalidade coletiva. Há um problema a ser enfrentando, diferentemente do Mandado de Segurança que foi previsto na CF na modalidade individual e também na modalidade coletiva, a disposição acerca do Mandado de Injunção silencia-se quanto às hipóteses individual, vejamos a disposição constitucional:

Acontece que há tempos o STF entende ser possível a impetração do Mandado de Injunção na modalidade coletiva, utilizando como analogia as normas acerca do Mandado de Segurança Coletivo, vejamos a disposição constitucional sobre o MS coletivo:

Caso o candidato conhecesse a jurisprudência do STF sobre o tema e pudesse fazer a citação de algum precedente, com certeza a fundamentação seria mais rica, a título de contribuição, segue precedente do STF sobre o tema:


Porém, o tema hoje pode ser também fundamentado com base na legislação infraconstitucional, no ano passado foi editada a Lei 13.300, de 23 de junho de 2016 que em sua ementa estabelece:

No art. 12 a lei (Lei 13.300/2016) expressamente confere legitimidade às organizações sindicais para a impetração na modalidade coletiva:

Portanto, quanto ao impetrante, não há que se questionar a legitimidade do sindicato para a impetração do remédio em defesa de seus integrantes. Pode-se ainda mencionar que para tal impetração não se faz necessária a autorização específica, ou seja, o sindicato já é substituto processual da categoria em razão de norma constitucional que lhe confere tal prerrogativa, veja:

Quanto ao impetrado também temos algumas questões relevantes a enfrentar, aparentemente a impetração seria dirigida contra o “Poder, o órgão, ou a autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora” como reza o art. 3º da citada lei, vejamos:


Porém, a questão não é tão simples, qual seria o órgão impetrado? A impetração é contra a Assembleia Legislativa do Estado Beta? Pode ser que sim, mas não necessariamente. Importante ressaltar que quando se trata de elaboração de norma, nem sempre a mora é da Casa Legislativa competente, em certos casos, é possível que a iniciativa para a deflagração do processo legislativo seja de titularidade privativa de certa autoridade.
Portanto, sugerimos que o candidato atribua legitimidade passiva à Assembleia Legislativa e também ao titular da iniciativa.
Em se tratando de normas sobre servidores públicos a Constituição é clara ao estabelecer a competência privativa do chefe do Executivo para a deflagração do processo, ou seja, a autoridade nesse caso pode ser o Governador. Como o comando da questão não nos deu informação sobre a existência ou não de projeto de lei em trâmite no âmbito da Casa Parlamentar, é de bom grado a fundamentação das duas possibilidades, primeiramente demonstrando que a iniciativa, no plano federal, é do Presidente da República e, portanto, aplicando-se o princípio da simetria, tal iniciativa, no plano estadual, será do Governador do Estado Beta, conforme:

A jurisprudência do STF nesse ponto é remansosa, vejamos:

A título de complementação, a Lei do Mandado de Injunção (Lei 13.300/2016) estabelece a necessidade de também indicar a pessoa jurídica, ou seja, o Estado Beta, veja:

Cabe questionar ainda a competência para o julgamento do remédio. Sendo a autoridade impetrada (Governador e/ou Assembleia Legislativa do Estado Beta), não há norma constitucional expressa que determine a competência para julgamento da causa. A norma mais próxima nesse caso é o Art. 125 §1º que trata sobre a competência genérica da Constituição Estadual estabelecer competências originárias ao Tribunal de Justiça, vejamos:

O candidato poderia argumentar que a competência é do TJ utilizando uma simetria constitucional, se o julgamento do Mandado de Injunção, quando a falta de norma regulamentadora é atribuída ao Presidente da República ou ao Congresso Nacional é competência do STF:

Por lógico, somente o TJ seria um órgão com dignidade simétrica para julgar o Mandado de Injunção no plano estadual tendo como impetrado um Governador ou uma Assembleia Legislativa.
Quanto aos pedidos que o candidato deveria fazer em sua peça, entendemos que seriam:

  1. Declaração da mora do Governador em enviar o Projeto de Lei sobre o tema ou da Assembleia Legislativa por não ter concluído o processo legislativo se acaso já tiver recebido o projeto de lei do Governador;
  2. Fixação de prazo razoável para se suprimir a mora, sendo que tal providência pode ser dispensada se já configurada a mora em outra ação de mandado de injunção anterior. Tal providência evita argumentos contrários em termos de separação dos poderes ou de ativismo judicial indevido (conforme a Lei 13.300/2016);


3.Extensão do direito à percepção do adicional nos moldes já estabelecidos para os trabalhadores da iniciativa privada, ou seja, aplicação por analogia do Art. 73 da CLT aos servidores públicos do Estado Beta enquanto não suprida a omissão legislativa, sem pena de que a legislação vindoura, se mais benéfica se aplique de imediato à categoria. Conforme a Lei 13.300/2016:


André Alencar – Bacharel em direito, especialista em direito público, professor de Direito Constitucional em preparatórios para concursos desde 2000, ex-servidor do STF, advogado atuante pela OAB-DF, Analista Legislativo da Câmara dos Deputados (assessor de plenário), autor de livros e artigos jurídicos.


 

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