Entende-se por competência o conjunto de regras que delimita as atribuições conferidas a determinado órgão do Poder Judiciário para, a partir de certos critérios considerados relevantes pelo legislador, o capacitar e o legitimar ao exercício do poder jurisdicional.[1]
Regra geral, a competência territorial para ajuizamento da ação trabalhista é o local da prestação de serviços, nos termos do art. 651, caput, da CLT: “A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro”.
Observe-se que, regra geral, a CLT não faculta ao empregado a propositura da ação no foro de seu domicílio. A lei estipula, como se vê do dispositivo transcrito, que a competência ratione loci é fixada pelo local da prestação de serviços.
Ainda, importa consignar que a regra geral pelo local da prestação de serviços também é a adotada nas causas oriundas da relação de trabalho, nos termos do art. 1º da Instrução Normativa nº 27/2005 do TST.
Esse dispositivo trata então da competência em razão do lugar e é, segundo Ísis de Almeida, a que define a abrangência do poder jurisdicional, relativamente à área física em que se encontram as partes e/ou onde elas praticam os atos dos quais decorre o litígio. Lembra ainda que nenhum contrato de trabalho pode estipular, previamente, o foro em que serão dirimidas as dúvidas dele resultantes.[2]
Mas, existem exceções à regra geral da competência pelo local da prestação dos serviços. O mesmo dispositivo (art. 651, da CLT) excepciona a regra geral para prever as seguintes exceções: a) agente ou viajante comercial; b) conflitos ocorridos no estrangeiro; e, por fim, c) empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, conforme disposição legal abaixo transcrita, verbis:
Art. 651. […] § 1º Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima.
2º A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário.
3º Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços.
Debate-se se as exceções previstas nos parágrafos do art. 651, § 3º, admitem interpretação extensiva, para abranger outras hipóteses não previstas legalmente. Três linhas de pensamento despontam a respeito do tema.
Para uma primeira vertente interpretativa, as normas de competência territorial previstas no art. 651, CLT, despontam caráter público, razão pela qual não se admite sua ampliação interpretativa. Desse modo, não caberia ao Julgador estabelecer exceções diversas daquelas já expressamente previstas no texto legal, sob pena de se frustrar a segurança jurídica e, ainda, de se incorrer em usurpação de competência do Poder Legislativo. Nessa linha de pensamento, não se poderia fixar a competência do Juízo de acordo com o domicílio do empregado quando ele não foi contratado ou prestou serviços neste local, por não haver, no artigo 651, previsão expressa nesse sentido.
Para outra parcela da jurisprudência, a norma legal deve ser lida a partir do “espírito da lei” (mens legis). Indubitavelmente, a vontade do legislador foi de facilitar o acesso à justiça pelo trabalhador. Destarte, qualquer interpretação favorável ao empregado é tida como legítima, de forma que o ajuizamento da demanda no foro de domicílio do trabalhador é insuscetível de questionamento por exceção de incompetência. Busca-se, por meio desse entendimento, consolidar o amplo acesso à justiça por meio da parte hipossuficiente, já que, por vezes, o empregado não dispõe de meios para locomover-se ao local da prestação de serviços.
Assim, também é possível ao empregado propor a ação trabalhista no município da sua residência, apesar de a prestação dos serviços e a própria contratação ter ocorrido em outra cidade, bem distante daquele local. Isso porque, mesmo inexistindo previsão expressa nesse sentido no art. 651 da CLT, essa seria a solução que mais se amoldaria à hipossuficiência do trabalhador e ao princípio constitucional do amplo acesso à justiça.
Explica-se: as despesas que o trabalhador teria que suportar para se deslocar até o local da audiência (realizada em foro distante do seu domicílio) poderiam acabar inviabilizando o seu acesso ao Judiciário e o efetivo exercício do direito de ação, em razão da sua presumida hipossuficiência financeira. Essa segunda corrente é mais principiológica.
No entanto, é de se relembrar que essa segunda acepção pode dificultar excessivamente ou inviabilizar o acesso à justiça pela reclamada, a qual nem sempre goza de recursos financeiros para efetuar esse deslocamento. Tal fato implicaria, portanto, em possível ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório, também previstos constitucionalmente.
Por fim, em razão da crítica feita à segunda corrente é que se destaca a existência de uma corrente intermediária, que busca conciliar, de um lado, o acesso à justiça pelo reclamante e, de outro, garantir a ampla defesa e o contraditório à reclamada. Consoante esse entendimento, para além das hipóteses legais, admite-se o ingresso de demanda no foro de domicílio do reclamante quando neste a reclamada possuir filial ou realizar a prestação de serviços ou quando a reclamada for empresa de grande porte e prestar serviços em âmbito nacional. É essa a corrente que tem prevalecido na SBDI-1. Esse também é o entendimento atualmente consolidado no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, como se infere das recentes decisões, dentre várias outras:
Exceção de incompetência em razão do lugar. Ajuizamento de reclamação trabalhista no foro do domicílio do empregado. Aplicação ampliativa do § 3º do art. 651 da CLT. Impossibilidade. Não demonstração de que a empresa demandada presta serviços em diferentes localidades do país. Em observância ao princípio constitucional do amplo acesso à jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF), é possível o ajuizamento de demanda trabalhista no foro do domicílio do empregado, desde que seja mais favorável que a regra do art. 651 da CLT e que fique demonstrado que a empresa reclamada regularmente presta serviços em diversas localidades do território nacional. No caso, o reclamante foi contratado e prestou serviços na cidade de Brusque/SC, local diverso do seu atual domicílio, Pelotas/RS, onde ajuizou a reclamatória. Contudo, não há notícia nos autos de que a empresa demandada preste serviços em diferentes localidades do país, razão pela qual não há cogitar em aplicação ampliativa do § 3º do art. 651 da CLT, prevalecendo, portanto, a regra geral que estabelece a competência da vara do trabalho do local da prestação dos serviços. Com esse entendimento, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu dos embargos interpostos pelo reclamante, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negou-lhes provimento. Vencidos os Ministros José Roberto Freire Pimenta, Lelio Bentes Corrêa, Hugo Carlos Scheuermann e Cláudio Mascarenhas Brandão. TST-E-RR-420-37.2012.5.04.0102, SBDI-I, rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 19.2.2015. (Informativo TST nº 100).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. TRABALHADOR MIGRANTE. RECRUTAMENTO. PRESUNÇÃO. PONDERAÇÃO DOS INTERESSES EM CONFLITO. AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO DOMICÍLIO DO RECLAMANTE. 1. Verifica-se que, em se tratando o empregador de empresa de grande porte e âmbito nacional, que realiza contratação e presta serviços em localidades distintas do país, é plenamente possível uma exegese do § 3º do art. 651 da CLT em consonância com o princípio constitucional do art. 5º, XXXV, de modo a permitir ao reclamante o ajuizamento da reclamação trabalhista no local do seu domicílio, onde presumidamente se deu seu recrutamento, sob pena de vedar-se economicamente o acesso à jurisdição. 2. Não se pode olvidar a necessidade de preservação do direito ao contraditório e à ampla defesa, possibilitando, nessas circunstâncias, a acessibilidade também ao reclamado, assegurando-lhe os meios inerentes à defesa de seu direito, que não se compromete economicamente em razão da preservação da competência jurisdicional do foro do recrutamento do empregado. É preciso, pois, ponderar os interesses em conflito para harmonizar a solução dada ao caso concreto. 3. Assim sendo, verificadas a capacidade econômica e a possibilidade de formulação da defesa de seus interesses, em seu sentido material e formal, preserva-se a acessibilidade àquele economicamente débil, pois, do contrário, a acessibilidade à jurisdição e a uma jurisdição especial para uma relação jurídica assimétrica estaria restrita à mera retórica do texto constitucional. 4. Não se trata, portanto, de ampliar irrestritamente a regra legal, mas, observando-a, adequá-la às normas constitucionais que inspiram o processo como instrumento de realização do direito material. Conflito de competência acolhido para declarar competente a Vara do Trabalho de Ipiaú/BA. (TST-CC-54-74.2016.5.14.0006, Redator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 27/09/2016, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 11/11/2016) (Informativo TST nº 146)
A terceira corrente se mostra razoável, pois harmoniza o direito de acesso à Justiça do reclamante com o direito de defesa da reclamada. No entanto, entendo que nos casos em que se verificar o aliciamento ou arregimentação de mão de obra de uma localidade para outra, em manifesto prejuízo ao trabalhador hipossuficiente, deverá ser aplicada a segunda corrente, independentemente de a empresa possuir ou não agência, filial ou estabelecimento no local de ajuizamento da demanda. Isso porque, se ela possuía prepostos para arregimentar referidos trabalhadores, também deverá possuir condições de enviar representantes adequados para o comparecimento em juízo.
Em recente caso concreto enfrentado pelo TST[3], a autora foi contratada e prestou serviços em Altamira/PA, mas ajuizou a ação na cidade de Uberlândia/MG, local para onde se mudou após a dispensa. Em princípio, segundo o art. 651 da CLT, a ação deveria ter sido proposta em Altamira/PA, pois era o local da prestação dos serviços.
Mas, tendo em vista que a filial da empresa, na cidade de Altamira/PA, encerrou suas atividades, mantendo-as apenas na cidade do Rio de Janeiro/RJ, entendeu o TST que o ajuizamento da ação na cidade de Uberlândia/MG garantir-lhe-ia o acesso à justiça, sem causar prejuízo ao direito de defesa da ré, pois o deslocamento do Rio de Janeiro até Uberlândia é mais viável que até Altamira, principalmente porque suas atividades nesta cidade foram encerradas, pressuposto que legitimava a competência deste local.
Referências
[1] MIZIARA, Raphael. Reflexões sobre a distribuição da competência territorial no processo do trabalho e seus incidentes: breves diálogos com o novo código de processo civil e a legislação extravagante. Apud NAHAS, Thereza Christina. Processo do trabalho atual: aplicação dos enunciados do fórum nacional e da instrução normativa do TST. São Paulo: RT, 2016. p. 187.
[2] ALMEIDA, Ísis de. Manual de direito processual do trabalho: introdução ao processo judiciário do trabalho. 1º volume. 9. ed. São Paulo: LTr, 1998. p. 241.
[3] E-RR-11727-90.2015.5.03.0043, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 18/10/2018, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 07/12/2018.