Olá, querido leitor.
Nos últimos dias, um dos temas mais discutidos foi, sem dúvida, a chamada PEC dos gastos públicos. (PEC 241/2016, quando em tramitação na Câmara dos Deputados e PEC 55/2016, no Senado Federal).
No dia 15 de dezembro de 2016, as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgaram a Emenda Constitucional 95/2016 (EC 95/2016), por meio da qual foi instituído o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que vigorará por vinte exercícios financeiros.
A nova emenda acrescenta 9 (nove) artigos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT): artigos 106 a 114.
O que era apenas uma proposição agora é norma constitucional. Dessa forma, é fundamental que entendamos a abrangência e os impactos diretos desse novo regime fiscal. É disso que vamos falar neste texto.
Antes de iniciarmos, é importante ressaltar que nossa análise será estritamente jurídica e contextual-normativa, vale dizer, abordaremos diretamente o texto que está aprovado e, a partir de agora, vigente com a nova emenda. Não enfrentaremos neste texto discussões político-partidárias, as quais, embora importantes, fogem da abordagem ora proposta.
Vamos lá?!
1º – Qual a novidade trazida pela EC 95/2016?
Conforme destacamos, foi instituído o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que vigorará por vinte exercícios financeiros (20 anos), nos termos dos arts. 106 a 114 do ADCT.
Em decorrência desse novo regime, foram estabelecidos, para cada exercício financeiro, limites individualizados para as despesas primárias, que são os gastos com a máquina pública e os serviços públicos ofertados à sociedade, deduzidas as despesas financeiras.
Esses limites se aplicam para as despesas primárias:
I – do Poder Executivo;
II – do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça, da Justiça do Trabalho, da Justiça Federal, da Justiça Militar da União, da Justiça Eleitoral e da Justiça do Distrito Federal e Territórios, no âmbito do Poder Judiciário;
III – do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Tribunal de Contas da União, no âmbito do Poder Legislativo;
IV – do Ministério Público da União e do Conselho Nacional do Ministério Público; e
V – da Defensoria Pública da União.
Note que a instituição desse novo regime fiscal abrange os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União. A EC 95/2016 não impõe, ao menos diretamente, limites aos Estados, ao DF e aos Municípios.
2º – Como será aplicado esse novo regime fiscal?
O limite de gastos aplicável a cada poder/órgão antes citado equivalerá:
a) para o exercício de 2017, à despesa primária paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos e demais operações que afetam o resultado primário, corrigida em 7,2% (sete inteiros e dois décimos por cento). Destaca-se que o resultado primário é definido pela diferença entre receitas e despesas do governo, excluindo-se da conta as receitas e despesas com juros. Caso essa diferença seja positiva, tem-se um “superávit primário”; caso seja negativa, tem-se um “déficit primário.
Em 2017, o limite de gastos aplicável a cada poder/órgão antes citado será o valor executado para pagamento das despesas primária no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos e demais operações que afetam o resultado primário, corrigido em 7,2% (sete inteiros e dois décimos por cento).
Para os exercícios posteriores, o limite de gastos aplicável a cada poder/órgão será o do exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária.
Nesse último caso, será adotada a variação do IPCA de julho de um ano a junho do ano seguinte. Por exemplo: para o limite de 2018, será adotada a variação de julho de 2016 a junho de 2017. E assim sucessivamente para os demais exercícios.
Segundo o art. 111, a partir do exercício financeiro de 2018, até o último exercício de vigência do Novo Regime Fiscal, a aprovação e a execução previstas nos §§ 9º e 11 do art. 166 da Constituição Federal (“orçamento impositivo” para as emendas individuais) corresponderão ao montante de execução obrigatória para o exercício de 2017, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA.
Vale destacar que a mensagem que encaminhar o projeto de lei orçamentária demonstrará os valores máximos de programação compatíveis com os limites individualizados para cada poder/órgão. Ademais, fica vedada a abertura de crédito suplementar ou especial que amplie o montante total autorizado de despesa primária sujeita aos limites impostos pelo novo regime.
Nesse ponto, o art. 113 do ADCT prevê que a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.
Já o artigo 114 do ADCT estabelece que a tramitação de proposição elencada no caput do art. 59 da Constituição Federal, ressalvada a referida no seu inciso V (medida provisória), quando acarretar aumento de despesa ou renúncia de receita, será suspensa por até vinte dias, a requerimento de um quinto dos membros da Casa, nos termos regimentais, para análise de sua compatibilidade com o Novo Regime Fiscal.
Por fim, nos termos do artigo 112 do ADCT as disposições introduzidas pelo Novo Regime Fiscal:
I – não constituirão obrigação de pagamento futuro pela União ou direitos de outrem sobre o erário; e
II – não revogam, dispensam ou suspendem o cumprimento de dispositivos constitucionais e legais que disponham sobre metas fiscais ou limites máximos de despesas.
3º – Quais despesas não foram inseridas nos limites do novo regime fiscal?
Segundo o § 6º do artigo 107 do ADCT, não se incluem na base de cálculo e nos limites estabelecidos pelo novo regime:
a) as transferências constitucionais estabelecidas:
a.1 – no § 1º do art. 20 (participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração)
a.2 – no inciso III do parágrafo único do art. 146 (distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados relativas ao SIMPLES NACIONAL)
a.3 – no § 5º do art. 153 (transferências de receitas do IOF, relativa à operação com “ouro”)
a.4 – no art. 157 (repartição de receitas aos estados e ao DF relativas ao imposto de renda retido na fonte, bem como aos impostos residuais)
a.5 – nos incisos I e II do art. 158 (repartição de receitas municípios relativas ao imposto de renda retido na fonte, bem como ao imposto territorial rural)
a.6 – no art. 159 (repartição de receitas relativas aos Fundos de participação dos Estados, DF e Municípios, bem como ao financiamento do setor produtivo das regiões norte, nordeste e centro-oeste)
a.7 – no § 6º do art. 212 (relativas as cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-educação)
a.8 – as despesas (da União) referentes ao inciso XIV do caput do art. 21 (relativas à manutenção da polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como da assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio)
a.9 – as complementações de que tratam os incisos V e VII do caput do art. 60, do ADCT (relativas ao FUNDEB)
b) – os créditos extraordinários a que se refere o § 3º do art. 167 da Constituição Federal (despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública)
c) – despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização de eleições; e
d) – despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes.(as que NÃO recebam do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral)
Nos três primeiros exercícios financeiros da vigência do Novo Regime Fiscal, o Poder Executivo poderá compensar com redução equivalente na sua despesa primária, consoante os valores estabelecidos no projeto de lei orçamentária encaminhado pelo Poder Executivo no respectivo exercício, o excesso de despesas primárias em relação aos limites de que tratam as alíneas “b”. “c” e “d” antes transcritas. Essa compensação não excederá a 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento) do limite do Poder Executivo.
4º – Qual o prazo de vigência do novo regime?
O novo regime fiscal vigorará por vinte exercícios financeiros, ou seja, por 20 anos, pois o exercício financeiro coincide com o ano civil, na forma do artigo 34 da Lei nº 4.320/64.
É importante ressaltar, entretanto, que o Presidente da República poderá propor, a partir do décimo exercício da vigência do Novo Regime Fiscal, projeto de lei complementar para alteração do método de correção dos limites, vale dizer, nos 10 primeiros anos de vigência, a correção dos limites dar-se-á pela variação do IPCA. Após esse decênio, por meio de lei complementar, será possível a alteração do método de correção (apenas uma por mandato presidencial).
5º – Quais as consequências do descumprimento dos limites de despesa impostos?
Nos termos do artigo 109 do ADCT, no caso de descumprimento de limite individualizado, aplicam-se, até o final do exercício de retorno das despesas aos respectivos limites, aos poderes ou órgãos elencados nos incisos I a V do caput do art. 107 do ADCT que o descumpriu, sem prejuízo de outras medidas, as seguintes vedações:
I – concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal decorrente de atos anteriores à entrada em vigor desta Emenda Constitucional;
II – criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
III – alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
IV – admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios;
V – realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;
VI – criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares;
VII – criação de despesa obrigatória; e
VIII – adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição Federal. (salário mínimo)
Segundo o § 1º do artigo 109 do ADCT, as vedações previstas nos incisos I, III e VI do caput do art. 109, quando descumprido qualquer dos limites individualizados dos órgãos elencados nos incisos II, III e IV do caput do art. 107 do ADCT (Judiciário, Legislativo, TCU, MPU e CNMP), aplicam-se ao conjunto dos órgãos referidos em cada um desses incisos. Por exemplo: se o MPU descumprir o limite individualizado, tanto o MPU quanto o CNMP estarão sujeitos às vedações previstas nos incisos I, III e VI do caput do art. 109.
Adicionalmente, no caso de descumprimento do limite aplicável ao Poder Executivo, ficam vedadas:
I – a criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como a remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções; e
II – a concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária.
Além dessas vedações gerais, no caso de descumprimento de qualquer dos limites individualizados, fica vedada a concessão da revisão geral prevista no inciso X do caput do art. 37 da Constituição Federal.
6º – Qual a relação do novo regime com os gastos para saúde e educação?
Nos termos do art. 110 do ADCO, na vigência do Novo Regime Fiscal, as aplicações mínimas em ações e serviços públicos de saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino equivalerão:
I – no exercício de 2017, às aplicações mínimas calculadas nos termos do inciso I do § 2º do art. 198 e do caput do art. 212, da Constituição Federal; e
II – nos exercícios posteriores, aos valores calculados para as aplicações mínimas do exercício imediatamente anterior, corrigidos na forma estabelecida pelo inciso II do § 1º do art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Note que não houve a revogação ou a alteração quanto à determinação constitucional de se observar limites mínimos em ações e serviços públicos de saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino. Esses limites mínimos foram mantidos e serão corrigidos, a partir de 2018, pela variação do IPCA.
Na forma do inciso I do § 2º do artigo 198, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: I – no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento).
Já o artigo 212, estabelece que a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
7º – Qual a relação do novo regime com a realização de concursos públicos?
Inicialmente, é importante frisar que a EC 95/2016 não proíbe a realização de concursos públicos como alguns, maldosamente, têm propagado.
No texto da emenda ora examinada, há apenas 1 (uma) citação direta acerca de concursos públicos, qual seja:
em havendo o descumprimento de limite individualizado para despesas primárias, será vedada a realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias decorrentes de cargos efetivos ou vitalícios (Art. 109, IV e V).
O inciso IV do artigo 109 mencionado prevê a vedação de admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios.
Perceba que há vedação à contratação de pessoal, entretanto ressalvam-se da vedação as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios.
Está expressamente autorizada a realização de concursos públicos para a reposição de vacâncias. Nesse ponto, merece destacar que há muitos cargos vagos na administração pública federal (mais de 200.000 mil cargos vagos, segundo dados do Ministério do Planejamento).
Não estou dizendo que o governo vai suprir toda essa demanda. Não vai.
Mas parte dela será suprida. Como temos visto, os editais geralmente não contemplam todas as vagas abertas nos órgãos. Eles trazem um quantitativo menor, e, no geral,nomeiam número maior durante a validade do concurso.
Dentre desse contexto, embora respeite a opinião dos que pensam contrariamente, entendo que os impactos dessa nova emenda em relação aos concursos públicos serão diminutos. E digo isso porque:
1º – não houve a proibição da realização de concursos. Se essa fosse a ideia, isso teria sido previsto no texto.
2º – desde 2014, temos visto uma desaceleração (e postergação) no lançamento de diversos concursos importantes (Senado, Câmara, ABIN, Ministérios, CGU, RECEITA, PF, PRF). Acredito que esse contexto não se altere com a nova emenda.
3º – desde 2014, não temos visto editais com número expressivo de vagas imediatas. Temos observado que os editais trazem número reduzido de vagas imediatas, preveem cadastro reserva, e vão nomeando, de forma bem parcelada, os aprovados durante todo o prazo de validade do concurso (normalmente, de 2 anos prorrogáveis por mais 2). Para mim, esse contexto será mantido, pois a máquina pública não pode parar.
Alguns amigos concursandos têm me questionado se ainda vale à pena continuar estudando para concursos. Embora eu pareça suspeito para dizer, eu entendo que sim. O setor público é, sem dúvida, um ótimo investimento profissional para aqueles que não pretendem sujeitar-se às instabilidades presentes na iniciativa privada.
Esse contexto de redução do número de concursos, bem como de vagas imediatas, exige dos concursandos maior dedicação no projeto visando à aprovação dentro do número de vagas imediatas, para que não tenham que esperar um tempo maior pela nomeação.
O ideal seria:
– não existir esse novo regime fiscal;
– muitos editais com muitas vagas imediatas;
– poucos concorrentes;
– muito tempo para estudar…
Entretanto, a realidade não é essa. Gostemos ou não, o novo regime está aí. Cada um precisa decidir como se portará de agora em diante: se desiste do projeto de estudos, ou se continua com mais dedicação ainda. Trata-se de decisão pessoal. Em um ou em outro sentido, as consequências dessas decisões virão.
Se tiver alguma consideração (não político-partidária) a fazer, deixe seu comentário. Estou à disposição.
Sucesso na jornada!
Wellington Antunes