Olá amigos do Gran!
Hoje trago pra vocês uma revisão sobre um tema que é polêmico no Direito Previdenciário, relativo ao recolhimento post mortem de contribuições previdenciárias com o intuito de gerar pensão por morte, no que toca aos contribuintes individuais.
Imagine a seguinte situação: José Silva faleceu em 05/12/2020 e antes do óbito somente havia recolhido entre os anos de 2010 a 2015, como segurado empregado. Mas no último ano, antes do seu falecimento, José da Silva trabalhou por conta própria, como pedreiro, prestando serviços em âmbito urbano. Assim, nos termos do art. 11, inciso V, alínea “h”, da Lei 8.213/91, José da Silva se enquadrava na condição de segurado contribuinte individual. Ocorre que, apesar de ter trabalhado nessas circunstâncias no último ano antes de seu falecimento, José Silva não recolheu como contribuinte individual aos cofres do INSS. Tempos depois, seus dependentes requereram junto ao INSS a concessão de pensão por morte. A autarquia analisou o CNIS do falecido e detectou a existência de recolhimentos como contribuinte individual efetuados em relação às competências 04/2020, 05/2020, 06/2020, 07/2020 e 08/2020. O recolhimento de todas essas competências, portanto, foi efetuado pelos próprios dependentes de José Silva, ou seja, foram recolhidas após o seu óbito.
Nessa situação, seria possível considerar a retroação desses recolhimentos e afirmar que José da Silva possuía qualidade de segurado na data do óbito?
Pois bem, vejamos.
De início, é importante revisarmos o conceito de filiação no âmbito do RGPS. Podemos definir a FILIAÇÃO como a relação jurídica que se estabelece entre uma pessoa física e o INSS. Vejamos, nesse sentido, o que diz o art. 20, do Decreto n. 3.048/99:
Art. 20. Filiação é o vínculo que se estabelece entre pessoas que contribuem para a previdência social e esta, do qual decorrem direitos e obrigações.
Deve-se notar, contudo, que a consideração da relação jurídico-tributária é também mencionada pela própria norma acima, ao tratar do conceito de filiação. No mesmo sentido, expressa-se o art. 3º, da IN INSS n. 77/15:
Art. 3º Filiação é o vínculo que se estabelece entre pessoas que contribuem para a Previdência Social e esta, do qual decorrem direitos e obrigações.
Isso é reverberado nos §§1º e 2º, do art. 3º, da IN INSS n. 77/15:
Art. 3º. (…)
- 1º A filiação à Previdência Social decorre automaticamente do exercício de atividade remunerada para os segurados obrigatórios e da inscrição formalizada com o pagamento da primeira contribuição sem atraso para o segurado facultativo.
- 2º Filiado é aquele que se relaciona com a Previdência Social na qualidade de segurado obrigatório ou facultativo, mediante contribuição.
Como se vê, a norma prevista no §2º, do art. 3º, da IN 77/15 também menciona, vale frisar, que no conceito de “filiado” entra também a verificação da “contribuição”. Ou seja, a norma não trata de modo absoluto a simples atividade remunerada sem considerar a contribuição para os cofres da Previdência Social.
Trata-se de interpretação que decorre não apenas da literalidade do dispositivo acima, mas, sobretudo, dos princípios da contributividade, da solidariedade e, em especial, do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema de repartição ínsito ao nosso regime geral de previdência social. De outro lado, é comum dizer-se que para os segurados obrigatórios basta a atividade remunerada para que disso resulte automaticamente a relação de filiação com a Previdência Social. Mas, é de todo evidente que a contribuição jamais poderia ser dispensada da filiação dos segurados obrigatórios. Ela também é indispensável ao delineamento da filiação. O que se tem de ressalva quanto a isso – e que certamente é o que promove a falsa conclusão de que os segurados obrigatórios precisam apenas ter atividade remunerada para serem filiados ao INSS (ou seja, de que não precisariam considerar nesse conceito a contribuição paga) – é o fato de que o ônus do recolhimento para a maioria dos segurados obrigatórios recai sobre o empregador ou o tomador de serviços. Não se trata de afastar ou retirar a verificação da contribuição do conceito de filiação, mas sim de não atribuir o ônus do recolhimento daquela contribuição aos cofres do INSS.
Esse é o entendimento correto.
Contrariamente, reconheço que há doutrina minoritária que, de um modo geral, aponta no sentido de que bastaria a atividade remunerada e que não “se deve confundir a filiação com o pagamento das contribuições, no caso dos segurados obrigatórios. É dizer, existe direito à proteção previdenciária caso o segurado, já filiado (pelo exercício de atividade laboral remunerada que o enquadre como segurado obrigatório), deixe de verter recolhimentos no prazo oportuno” (Castro, Carlos Alberto Pereira de; Lazzari, João Batista. Manual de Direito Previdenciário, Locais do Kindle 4347-4350. Forense. Edição do Kindle).
Mas, repito: o posicionamento acima não é indene de questionamentos.
Não há dúvidas de que a quase todas as espécies de segurados obrigatórios não se exige o recolhimento direto das contribuições previdenciárias devidas ao INSS, imputando-se essa obrigação tributária ao empregador ou tomador do serviço. Nesses casos, em termos práticos e dentro da visão relativa ao cotidiano das coisas, poderíamos falar que aos segurados empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso, bastaria a atividade remunerada, já que não cabe aqueles trabalhadores em si promoverem o recolhimento direto da contribuição devida. Essa obrigação cabe ao responsável tributário, no caso o empregador, empregador doméstico ou órgão gestor da mão de obra.
Todavia, afora os segurados obrigatórios indicados acima, ainda há se que perquirir as peculiaridades das outras duas espécies remanescentes: segurado especial e contribuinte individual.
O segurado especial pode e deve recolher diretamente, mas somente se houver resultado da comercialização de sua produção. Se não houver comercialização de sua produção, limitando-se essa ao seu sustento, não há que se falar em exigência de recolhimentos previdenciários, de maneira que basta a atividade campesina para que se configure a relação jurídico-previdenciária para o segurado especial. Nada obstante, como, regra geral, o segurado especial não recolhe, o art. 18, §5º, da Lei 8.213/91 autoriza que, presentes “os pressupostos da filiação, admite-se a inscrição post mortem do segurado especial”.
Agora vejamos o contribuinte individual.
Trata-se de espécie de segurado obrigatório que foi criada por meio da Lei 9.876/99, sendo decorrente da reunião das categorias até então existentes relacionadas ao empresário, ao autônomo e, por fim, ao equiparado a autônomo. O segurado contribuinte individual possui uma peculiaridade em relação aos demais segurados obrigatórios. Para ele, a exigência de recolhimentos é direta, ou seja, é ele mesmo quem deve recolher suas contribuições previdenciárias, tal como, aliás, o segurado facultativo, até o dia 15 do mês subsequente ao da competência. Essa é a dicção clara do art. 30, II, da Lei n. 8.212/91:
Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: (Redação dada pela Lei n° 8.620, de 5.1.93)
(…)
II – os segurados contribuinte individual e facultativo estão obrigados a recolher sua contribuição por iniciativa própria, até o dia quinze do mês seguinte ao da competência;
(Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999).
Há uma única exceção quanto a essa obrigação de recolhimento direto pelo contribuinte individual. Ela está prevista no art. 4º, da Lei n. 10.666/03, que retrata a hipótese na qual o contribuinte individual é contratado para prestar serviços a uma determinada empresa ou pessoa equiparada a empresa. Em tal hipóteses, o contribuinte individual não possui o ônus de promover o recolhimento de suas contribuições previdenciárias, eis que é a empresa ou equiparada a empresa que arca com essa obrigação legal. Vejamos:
Art. 4o Fica a empresa obrigada a arrecadar a contribuição do segurado contribuinte individual a seu serviço, descontando-a da respectiva remuneração, e a recolher o valor arrecadado juntamente com a contribuição a seu cargo até o dia 20 (vinte) do mês seguinte ao da competência, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia. (Redação dada pela Lei nº 11.933, de 2009). (Produção de efeitos).
Assim, a regra geral é que o contribuinte individual deve recolher diretamente suas contribuições previdenciárias ao INSS e, mais do que isso, que assim proceda até o dia “até o dia quinze do mês seguinte ao da competência”.
Portanto, se não houver o recolhimento em dia das contribuições previdenciárias, o contribuinte individual não estará devidamente filiado ao RGPS. A qualidade de segurado, bem como a carência, do contribuinte individual se completa por meio do primeiro recolhimento em dia da contribuição previdenciária devida. Aliás, nos termos do art. 27, II, da Lei 8.213/91, para o cômputo do período de carência, somente serão “consideradas as contribuições realizadas a contar da data de efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso, não sendo consideradas para este fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores, no caso dos segurados contribuinte individual, especial e facultativo, referidos, respectivamente, nos incisos V e VII do art. 11 e no art. 13”.
Quanto à qualidade de segurado, aliás, se o contribuinte individual efetuar apenas uma contribuição sem atraso e entre esse recolhimento e a data do óbito não houver perda da qualidade de segurado, estará caracterizada a manutenção dessa qualidade para fins de concessão de pensão por morte. Mas é importante que esse recolhimento seja feito SEM ATRASO, pois em sendo feita de modo extemporânea, não surtirá efeitos para a manutenção da qualidade de segurado.
Isso está claro no art. 378, da IN 77/15, senão vejamos:
Art. 378. Caberá a concessão nas solicitações de pensão por morte em que haja débito decorrente do exercício de atividade do segurado contribuinte individual, desde que comprovada a manutenção da qualidade de segurado perante o RGPS na data do óbito.
- 1º A manutenção da qualidade de segurado de que trata o caput far-se-á mediante, pelo menos, uma contribuição vertida em vida até a data do óbito, desde que entre uma contribuição e outra ou entre a última contribuição recolhida pelo segurado em vida e o óbito deste, não tenha transcorrido o lapso temporal a que se refere o art.137, observadas as demais condições exigidas para o benefício.
- 2º Não será considerada a inscrição realizada após a morte do segurado pelos dependentes, bem como não serão consideradas as contribuições vertidas após a extemporânea inscrição para efeito de manutenção da qualidade de segurado.
- 3º O recolhimento das contribuições obedecerá às regras constantes nos arts. 25 e 28.
Portanto, a norma infralegal, em consonância com a Lei 8.213/91 – que exige a contribuição no conceito de filiação – e em atendimento aos princípios constitucionais da contributividade e do equilíbrio financeiro e atuarial, exige que a contribuição do contribuinte individual seja promovida de modo contemporâneo com a atividade desempenhada e veda que as contribuições vertidas após a extemporânea inscrição tenham efeito para a manutenção da qualidade de segurado. Pelo mesmo motivo, veda que haja recolhimento de contribuições após o óbito, se ao tempo de seu falecimento, o instituidor da pensão já havia perdido a qualidade de segurado.
A jurisprudência da TNU é justamente nesse mesmo sentido, de que, se na época do óbito não havia condição de segurado e nem direito adquirido a qualquer aposentadoria, a realização de contribuição post mortem não dá direito à concessão de pensão por morte. (PEDILEF n. 2005.72.1995.013310-7/SC, Rel. Juiz Fed. Marcos Roberto Araújo dos Santos, DJ 21/05/2007; PEDILEF n. 2006.70.95.006969-7/PR, Rel. Juiz Fed. Daniele Maranhão Costa, DJ 24.01.2008; PEDILEF n. 2003.83.00.526892-3/PE, Rel. Juiz Fed. Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 11.12.2008; PEDILEF n. 2005.50.50.000428-0/ES, Rel. Juiz Fed. Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 26.112008).
Também é pacífico na TNU que “a condição de segurado do autônomo não decorre pura e simplesmente do exercício de atividade de autônomo, posto que nos termos do art. 201 da CR88 a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Desse modo, firmou-se a tese de que o caráter contributivo é requisito para que o contribuinte individual seja considerado como segurado obrigatório. Situação distinta é a do segurado autônomo que presta serviços a empresas, posto que com o advento da Lei 10.666/2003 a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias dos contribuintes individuais a serviço das empresas foi transferia para o âmbito destas, hipótese inocorrente nos autos, já que o falecido era taxista e proprietário de um bar”. (PEDILEF n. 2006.33.00.714476-2, Rel. Juiz Fed. Vladimir Santos Vitovsky, DJ 18.05.2012).
Agora, muita atenção!
Quanto ao CONTRIBUINTE INDIVIDUAL QUE PRESTA SERVIÇOS À EMPRESA a partir da competência abril/2003, a TNU orienta até mesmo no sentido de recolhimentos previdenciários em atraso post mortem:
Cabe lembrar que os entendimentos acima restaram indenes de dúvidas, uma vez que desde a chamada “minirreforma previdenciária”, implementada pela MP 871/19, convertida na Lei 13.846/19, incluiu-se o art. 17, §7º, da Lei 8.213/91, mediante o qual se passou a afirmar peremptoriamente que não será admitida a inscrição post mortem de segurado contribuinte individual e de segurado facultativo, senão vejamos:
Art. 17. O Regulamento disciplinará a forma de inscrição do segurado e dos dependentes.
(…)
- 7º Não será admitida a inscrição post mortem de segurado contribuinte individual e de segurado facultativo. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
Por fim, devo assegurar que a vedação ao recolhimento de contribuições em atraso, tal como demonstrada acima, nada tem a ver com a permissão normativa de se promover a chamada “retroação da DIC”, senão vejamos o art. 22, da IN 77/15:
Do reconhecimento do tempo de filiação e da retroação da data do início das contribuições – DIC
Art. 22. Reconhecimento de filiação é o direito do segurado de ter reconhecido, em qualquer época, o tempo de exercício de atividade anteriormente abrangida pela Previdência Social.
Art. 23. Considera-se Retroação de Data do Início da Contribuição- DIC o reconhecimento de filiação em período anterior a inscrição mediante comprovação de atividade e recolhimento das contribuições.
Parágrafo único. A partir da competência abril de 2003, o contribuinte individual informado em GFIP poderá ter deferido o pedido de reconhecimento da filiação mediante comprovação do exercício da atividade remunerada, independente do efetivo recolhimento das contribuições.
A retroação da DIC – DATA DE INÍCIO DAS CONTRIBUIÇÕES é permitida na forma do art. 22, da IN 77/15, mas somente gera efeitos jurídicos para efeito de aposentadoria, isto é, somente gera tempo de contribuição, não gerando efeitos quanto à qualidade de segurado e, bem assim, carência. Isso, aliás, está expresso nos artigos 154 e 163, da IN 77/15:
Art.154. Não será computado como período de carência:
(…)
III – o período de retroação da DIC e o referente à indenização de período, observado o disposto no art. 155;
……………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………
Art. 163. Poderá ser objeto de contagem do tempo de contribuição para o RGPS:
(…)
II – o período em que o exercício de atividade exigia filiação obrigatória à Previdência Social como segurado contribuinte individual, mediante recolhimento, devendo a retroação da DIC ser previamente autorizada pelo INSS, observado o art. 26;
Portanto, respondendo nossa indagação inicial, José Silva não estava com qualidade de segurado na data de seu óbito, ainda que se considerássemos os prazos máximos do art. 15, da Lei 8.213/91. De outro lado, conforme visto acima, não é possível considerar os recolhimentos em atraso do contribuinte individual para efeito de manutenção da qualidade de segurado. E, por fim, muito menos se permite computar recolhimentos post mortem do contribuinte individual, nos termos da jurisprudência pacífica da TNU, do STJ e, por fim, conforme expressa vedação legal dada pelo art. 17, §7º, da Lei 8.213/91, incluído pela Lei 13.846/19.
É isso, caríssimos alunos e alunas do Gran! Espero ter ajudado no entendimento de um tema relativamente complexo. Continue acompanhando nosso blog! Estou à disposição para quaisquer dúvidas. Vamos seguindo em frente!
Um grande abraço,
Frederico Martins.
Juiz Federal do TRF-1
Professor do Gran Cursos