Num mundo ideal, o candidato a ingressar no Instituto Rio Branco teria à disposição quantidades ilimitadas do recurso mais precioso de que pode dispor: tempo. Na vida real, nunca será esse o caso, e os que terminarem aprovados só muito depois travarão contato com obras que os teriam ajudado a passar pelo concurso com muito mais facilidade.
Paciência: as coisas são como são. Eu mesmo me recordo de como, já lá se vão dezessete anos, na minha prova oral sobre Questões Internacionais Contemporâneas, fiz uma apresentação factualmente sólida sobre as guerras iugoslavas, para depois embaralhar-me todo com uma pergunta singela do examinador (ele próprio um dos melhores quadros da carreira): que interesse têm os Estados Unidos em intervir no Kossovo?
Saí-me dessa, acho que mais bem do que mal, com referência às pressões domésticas de uma opinião pública ainda sob o impacto das atrocidades cometidas na Bósnia, alguns anos antes. Mas teria feito bem — e o examinador não deixou de assinalá-lo — em fazer alguma observação sobre a expansão da área de influência ocidental às expensas da Rússia, num momento em que já três antigos satélites soviéticos tinham ingressado na OTAN, e outros sete o fariam em breve.
Talvez eu tivesse chegado a essa resposta espontaneamente se tivesse lido, antes do concurso, o já clássico Diplomacy de Henry Kissinger, de 1994 (há uma versão em português, da Saraiva, mas quem puder deveria ler o livro no original, e com isso desfrutar da clareza do texto de Kissinger). Para além de tudo o que é óbvio e recorrente nas bibliografias recomendadas — da excelente História da Política Exterior do Brasil, de Amado Cervo e Clodoaldo Bueno, ao clássico Direito Internacional Público, de José Francisco Rezek —, esse é o primeiro livro que eu colocaria no topo da pilha. Ajudaria o candidato a familiarizar-se muito com conceitos que aí se expressam com muito mais graça e erudição do que no acervo bibliográfico de Teoria das Relações Internacionais, que costuma ter a aridez de três desertos.
Diplomacy é o óbvio, e o candidato que o digerir sem dificuldade talvez ache tempo e interesse em ler os livros mais recentes do ex-Secretário de Estado americano (World Order, de 2015, ou o mais pontual On China, de 2012). E, se o realismo gélido do autor ofender a sua sensibilidade, o leitor poderá contrabalançar com duas obras de referência de uma diplomacia mais ancorada em valores (e, no caso da segunda, mais voltada à promoção de valores). À esquerda, se é que a descrição se aplica, A Problem from Hell: America in the Age of Genocide, de Samantha Power, um dos expoentes do internacionalismo liberal no governo de Barack Obama. À direita, Toward a Neo-Reaganite Foreign Policy, dos neoconservadores William Kristol e Robert Kagan (por sua vez, muito associados ao governo de George W. Bush).
Com isso, estarão cobertas as três principais escolas de pensamento em matéria de formulação de política exterior, e o candidato que ler com atenção entenderá os fundamentos filosóficos de conceitos correntes, como o das já referidas “esferas de influência”, ou outros mais obscuros, como o de “hegemonia benevolente”.
Fora desses textos mais clássicos, o candidato que, como era o meu caso, tenha menos familiaridade com os temas econômicos faria bem em debruçar-se sobre qualquer dos manuais que por aí andam, como os de Paul Krugman ou de Paul Samuelson (ao menos eram as obras de referência quando eu fiz o concurso). Mas, se lhe sobrar tempo e disposição para ler algo muito mais denso, aprenderá muita coisa sobre os usos políticos da economia internacional se encarar o também clássico The Political Economy in International Relations, de Robert Gilpin (ou, talvez, Global Political Economy, do mesmo autor, publicado quinze anos depois, em 2001). (Full disclaimer: não li nenhum dos dois e só folheei o primeiro. Mas teria apreciado a dica que acabo de dar, quando me preparava para o concurso.)
Outra dica que me permito dar é que olhe com carinho o acervo da Fundação Alexandre de Gusmão, quase todo ele disponível gratuitamente, em formato eletrônico, no site da FUNAG. Ali, o candidato encontrará obras clássicas e — coisa que eu muito teria apreciado, há dezessete anos — teses e obras de divulgação de diplomatas brasileiros sobre os mais variados assuntos da pauta internacional. Entre as primeiras, destaques para Paz e Guerra entre as Nações (Raymond Aron), Vinte Anos de Crise (E.H. Carr), A Política entre as Nações (Hans Morgenthau) e As Consequências Econômicas da Paz (John Maynard Keynes).
Entre as outras, as obras de colegas diplomatas, o problema é um de embarras du choix. Dentre elas, são particularmente recomendáveis as obras da coleção Em Poucas Palavras. São livrinhos curtinhos, todos eles escritos em linguagem didática, a maior parte por diplomatas que são especialistas reconhecidos nos assuntos de que tratam. Destaques para A Organização Mundial do Comércio, de Paulo Estivallet de Mesquita; Instituições de Bretton Woods, de Carlos Márcio Cozendey; O Brasil e as Nações Unidas, de Ronaldo Sardenberg; e Conferências de Desenvolvimento Sustentável, de André Corrêa do Lago.
Há, por fim, as teses do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, que a FUNAG houve por bem publicar em livro (às vezes, expurgando passagens que tornavam a tese original de circulação restrita). Ali haverá algo para cada gosto, mas o candidato não perderá, absolutamente, o seu tempo se ao menos folhear A América do Sul no Discurso Diplomático Brasileiro, de Luís Cláudio Villafañe; Ordem, Hegemonia e Transgressão, de Georges Lamazière; A Ascensão da China como Potência, de Mauricio Carvalho Lyrio; A Ordem Injusta, de Alexandre Parola; e O Conselho de Segurança e a Inserção do Brasil no Mecanismo de Segurança Coletiva das Nações Unidas, de Eduardo Uziel.
Tudo isso, eu sei, é muito mais do que jamais se poderá ler na preparação para qualquer concurso. Mas fazer recomendações não custa, e o candidato poderá segui-las na medida justa do seu tempo e interesse neste ou naquele tema.
Pablo Duarte Cardoso – ingressou na carreira diplomática em 2000 e desde 2013 exerce a função de Conselheiro na Embaixada do Brasil em Ottawa. É formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. No Itamaraty, trabalhou na Divisão da América Meridional I, ocupando-se das relações com a Argentina, o Chile e o Uruguai (2002-2005), e chefiou as Divisões da Europa II (2011-2012) e da Europa I (2012-2014). No exterior, serviu nas Embaixadas em Buenos Aires (2005-2008), Washington (2008-2011) e Ottawa (2014-). Além do Instituto Rio Branco, cursou um semestre no Instituto del Servicio Exterior de la Nación (Argentina), em 2001.
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