A recuperação de empresas e a sentença arbitral estrangeira

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CORTE ESPECIAL

PROCESSO SEC 14.408-EX, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 21/6/2017, DJe 31/8/2017.
RAMO DO DIREITO DIREITO INTERNACIONAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA Homologação de sentença estrangeira. Natureza constitutiva. Recuperação judicial. Inexistência de incompatibilidade. Não incidência do art. 6º da Lei n. 11.101/2005.

 

 
DESTAQUE
 
O fato de a empresa se encontrar em recuperação judicial não obsta a homologação de sentença arbitral estrangeira.
 
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
 
Cinge-se a controvérsia a saber se o art. 6º da Lei n. 11.101/2005, que prevê a suspensão de todas as ações e execuções em face do devedor com o deferimento do processamento da recuperação judicial, constitui óbice à homologação de sentença arbitral estrangeira que imputa à recuperanda obrigação de pagar. Inicialmente, cumpre salientar que, em consonância com a Lei n. 11.101/2005, a recuperação judicial tem o escopo precípuo de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, com vistas a permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Essa é a razão de ser do art. 6º do referido diploma legal. Em paralelo, é de sabença que o processo de homologação de sentença estrangeira tem natureza constitutiva, destinando-se a viabilizar a eficácia jurídica de um provimento jurisdicional alienígena no território nacional, de modo que tal decisão possa vir a ser aqui executada. A homologação é, portanto, um pressuposto lógico da execução da decisão estrangeira, não se confundindo, por óbvio, com o próprio feito executivo, o qual será instalado posteriormente – se for o caso –, e em conformidade com a legislação pátria. Nessa linha de intelecção, não há falar na incidência do art. 6º, § 4º, da Lei de Quebras como óbice à homologação de sentença arbitral internacional, uma vez que se está em fase antecedente, apenas emprestando eficácia jurídica a esse provimento, a partir do que caberá ao Juízo da execução decidir o procedimento a ser adotado. Ressoa evidente, portanto, que o processo de homologação de sentença estrangeira em face de recuperanda não exerce nenhum efeito coibitivo ao princípio da preservação da empresa. Ainda que assim não fosse, é certo que a suspensão da exigibilidade do direito creditório, prevista no mencionado dispositivo legal, é temporária, não implicando a extinção do feito executivo, haja vista que a recuperação judicial de sociedade devedora não atinge o direito material do credor.

 
Vamos analisar as regras de competência envolvendo a recuperação de empresas.
Primeiramente as questões envolvendo a Lei n. 11.101/2005 (Lei de falência e recuperação de empresas) têm como juiz competente o do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil (art. 3º).
Por outro lado, na recuperação judicial comum de empresas, o juízo será incompetente nos seguintes casos:

  • processamento da ação que demandar quantia ilíquida.
  • questões envolvendo execução fiscal, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.
  • questões que envolvam os credores excluídos, como no caso das ações envolvendo: credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio. Seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4odo art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
  • questões envolvendo a importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do  75, §§ 3oe 4o, da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente.

Se a recuperação de empresas for a especial, que tem como sujeito as empresas optantes pelo simples nacional (MEI, ME, EPP), estará incluindo no rol acima os credores decorrentes de repasse de recursos oficiais.
A doutrina questiona se as questões envolvendo arbitragem estariam suspensas pelo deferimento do pedido de recuperação de empresas.
O Enunciado n. 75 da II Jornada de Direito Comercial disciplina que “havendo convenção de arbitragem, caso uma das partes tenha a falência decretada: (I) eventual procedimento arbitral já em curso não se suspende e novo procedimento arbitral pode ser iniciado, aplicando-se, em ambos os casos, a regra do art. 6º, § 1º, da Lei n. 11.101/2005; e (II) o administrador judicial não pode recusar a eficácia da cláusula compromissória, dada a autonomia desta em relação ao contrato”.
A justificativa de tal enunciado é no sentido de que
Nos termos do art. 6º, § 1º, da Lei n. 11.101/2005, as ações que demandam quantia ilíquida não se suspendem em razão da decretação da falência nem são atraídas para o juízo universal falimentar, continuando a tramitar normalmente no juízo competente até a eventual definição de crédito líquido, o qual será incluído no quadro geral de credores, na classe correspondente. Da mesma forma, ações que demandam quantia ilíquida podem ser ajuizadas normalmente após a decretação da quebra, aplicando-se a mesma regra. O art. 117 da Lei n. 11.101/2005 permite que o administrador judicial decida se cumpre ou não os contratos bilaterais do falido que ainda estiverem em curso, observado o princípio da maximização do ativo do devedor e ouvido o comitê de credores. Ocorre que a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato no qual está prevista, sendo um ato jurídico perfeito e acabado, de modo que a regra em questão não se aplica a ela. Assim, o administrador judicial não pode recusar cumprimento a ela nem precisa de autorização do comitê (ou do juiz) para dar início a procedimento arbitral dela decorrente.
Dessa forma, pelo fato de as questões envolvendo arbitragem compreenderem situações de direito disponíveis, elas são perfeitamente conciliáveis com as regras da recuperação de empresas. Mas qual a natureza jurídica da decisão arbitral?
Toda sentença tem uma força executiva que a acompanha até o extremo da linha que delimita a área territorial do Estado onde foi proferida. Assim, se a sentença transpor as fronteiras dessa área territorial, é necessário que a força que deixou de existir seja substituída por outra que não a decorrente da sua própria autoridade e da soberania do Estado de que é originária.
Por esse motivo o art. 35 da Lei de Arbitragem prescreve que “para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, a homologação do Supremo Tribunal Federal”, deve-se ler Superior Tribunal de Justiça[1] e, no que couber, Código de Processo Civil (art. 36 da Lei 9.302/1996). Assim, como essa lei nada disciplina sobre a execução dessas sentenças, é necessário observarmos esses artigos desse diploma legal. Dessa maneira, o Código de Processo Civil dispõe que a execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da homologação e obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da mesma natureza.
A sentença proferida por juiz ou tribunal estrangeiro não tem eficácia executiva no Estado Brasileiro, todavia essa sentença é capaz de adquirir tal eficácia mediante homologação por sentença proferida pelo juiz nacional.[2]
Nenhuma sentença estrangeira adquirirá eficácia no Brasil, seja ela declaratória ou executiva, de condenação ou constitutiva, sem ter sido homologada. A homologação deve provir do Superior Tribunal de Justiça, sempre e sempre, porque assim o exige a Constituição da República de 1988 (art. 105, I, “i”).[3]
A homologação da sentença estrangeira é ato jurisdicional de caráter constitutivo, o que decorre da circunstância de que o pronunciamento homologatório é que dá à condenação proferida na ordem interna os mesmos efeitos que derivam da decisão do juiz estrangeiro. A homologação acrescenta um plus à sentença estrangeira, por isso que lhe imprime efeito executivo no território nacional. Sem a decisão homologatória, a sentença estrangeira será inexequível no Brasil.
Quem confere a qualidade de título executório no Brasil é o juízo de deliberação. Assim, antes do pronunciamento positivo deste, a sentença condenatória proferida no estrangeiro é aqui destituída de executoriedade. Isso mostra que a homologação acrescenta algo à decisão emanada de juiz ou tribunal estrangeiro e por isso lhe confere efeitos que antes não possuía. É indiscutível, portanto, o caráter constitutivo da homologação.
Muito embora imprima à sentença estrangeira o caráter de título executório, a sentença homologatória do juiz nacional não se apresenta com caracteres de sentença de condenação. Pronunciamento condenatório é o que se contém na decisão estrangeira, mas a sua eficácia de título executivo em nosso país depende da homologação. Esta, portanto, não muda a natureza da sentença, o que realmente lhe acrescenta é a executoriedade no Estado brasileiro.
Dessa forma, a natureza do pedido de homologação tem natureza de uma ação constitutiva[4], não possuindo caráter líquido a sentença estrangeira.
Preleciona Almicar de Castro que a homologação é um ato de jurisdição voluntária. Assim, para o doutrinador, “na instância da deliberação, pode haver contraste de opiniões entre os interessados, mas não há contraste de interesses, o Superior Tribunal Justiça não cuida de compor uma lide, mas sim de comprovar a existência da pretensão executiva, operação esta que deve ser levada a efeito ainda mesmo que se lhe não oponha resistência”.[5]
Entretanto, se o juiz da homologação vai examinar a pretensão executória, é impossível dizer que não existe conflito de interesses. A pretensão implica sempre dois interesses antagônicos, um dos quais procura sobrepor-se ao outro: a pretensão é exigência da subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio, não há que se falar na existência exclusiva de contraste de opiniões. No juízo da deliberação, há esferas de interesses em contraste e antagonismo, porquanto a homologação incide sobre uma pretensão de caráter constitutivo que visa integrar a condenação proferida, a fim de que seus efeitos executórios sejam admissíveis também no Brasil. Há uma pretensão insatisfeita do credor e futuro existente: a de tornar efetiva, perante os juízes brasileiros, a sanctio juris imposta na sentença arbitral estrangeira. Logo, o juízo de delibação possui natureza contenciosa. [6]
Por esse motivo, a sentença arbitral estrangeira possui característica de obrigação ilíquida, tendo em vista a necessidade de homologação pelo STJ da decisão estrangeira. Assim, o fato da empresa se encontrar em recuperação judicial não obsta a homologação de sentença arbitral estrangeira.
Como poderia ser cobrada em questões de concurso:

  • A sentença arbitral nacional ou estrangeira envolvendo empresa em recuperação judicial deve observar a seguinte regra:
  • Estar sujeita ao juízo do principal estabelecimento do devedor e a suspensão pelo período do automatic stay.
  • O fato de a empresa se encontrar em recuperação judicial obsta a homologação de sentença arbitral estrangeira, pelo prazo de 180 dias a contar do deferimento do processamento do pedido de processamento do pedido de recuperação.
  • Não estar sujeita ao juízo do principal estabelecimento do devedor, por ser um crédito excluído do processo de recuperação de empresas.
  • Estar sujeita a suspensão pelo prazo legal, por se tratar de questão envolvendo quantias ilíquidas.

A resposta para a questão seria a letra D, pois, nas questões envolvendo a arbitragem, haverá necessariamente a suspensão da demanda, por se tratar de questão envolvendo quantia ilíquida, dependente de homologação do Superior Tribunal de Justiça para prosseguimento no ordenamento jurídico brasileiro.
 
Referência:
AQUINO, Leonardo Gomes de. Curso de direito empresarial: teoria da empresa e direito societário. Brasília: Editora Kiron, 2015.
AQUINO. Leonardo Gomes de. “O Reconhecimento e Execução de sentenças arbitrais estrangeiras: na Convenção de Nova Iorque, de 10 de Junho de 1958 e nos Direitos Brasileiro e Português”. Câmara de Arbitragem Empres23arial – Brasil. http://www.camarb.com.br/artigos/arquivo46pag.pdf. Belo Horizonte: 2004. Acesso em 15 de setembro de 2017.
CASTRO, Amílcar de. Direito Internacional Privado. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense Ed., 1999.
LIEBMAN, Enrico Tullio. “L´azione per la Delibazione delle Sentenze Straniere”. Revista di Diritto Processuale Civile. 1927, I,  281-304.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. arts. 476 a 565. 5ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, v. 5.
TIBURCIO, Carmem. “As inovações da EC 45/2004 em matéria de homologação de sentenças estrangeiras”. Revista de Processo. ano 31, nº 132. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006: 123-139.
 
[1]                      A competência para a homologação foi alterada pela Emenda à Constituição n. 45, que a transferiu para o Superior Tribunal de Justiça.
[2]                      GUIMARÃES, Vol. 86, p. 723 e ss apud AQUINO. Leonardo Gomes de. “O Reconhecimento e Execução de sentenças arbitrais estrangeiras: na Convenção de Nova Iorque, de 10 de Junho de 1958 e nos Direitos Brasileiro e Português”. Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil. http://www.camarb.com.br/artigos/arquivo46pag.pdf. Belo Horizonte: 2004. Acesso em 15 de setembro de 2017.
[3]                      Interessante é a evolução histórica do dispositivo de homologação de sentenças estrangeiras no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal. Vide TIBURCIO, Carmem. “As inovações da EC 45/2004 em matéria de homologação de sentenças estrangeiras”. Revista de Processo. ano 31, nº 132. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006: 123-139, p. 130-139.
[4] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. arts. 476 a 565. 5ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, v. 5, p. 86-88; LIEBMAN, Enrico Tullio. “L´azione per la Delibazione delle Sentenze Straniere”. Revista di Diritto Processuale Civile. 1927, I,  281-304, p. 299
[5]                      CASTRO, Amílcar de. Direito Internacional Privado. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense Ed., 1999, p. 288-289.
[6]                      LIEBMAN, Enrico Tullio. “L´azione per la Delibazione delle Sentenze Straniere”. Revista di Diritto Processuale Civile. 1927, I,  281-304, p. 301

Leonardo Gomes Aquino

Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Autor na área jurídica, colunista e articulistas em diversas revistas nacionais e internacionais. Autor dos Livros: (1) Curso de Direito Empresarial: Teoria geral e direito societário; (2) Legislação aplicável à Engenharia; (3) Propriedade Industrial. Conferencista. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Empresarial. Colaborador na Rádio Justiça. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/DF. Presidente da Comissão Nacional de Direito Empresarial da ABA. Professor do Uniceub, do Unieuro e da Escola Superior de Advocacia ESA/DF. Advogado.



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