Eis que, vencida a pauta da reforma da previdência, vem, quase que imediatamente, a reforma administrativa. Sei que você pode ter ficado aperreado(a) – como se diz aqui no Recife. No entanto, antes de tirar conclusões precipitadas, precisamos conversar sobre isso.
Essa é a minha meta hoje: finalmente, qual o objetivo da reforma administrativa?
Para começar, você precisa entender os fatos motivadores que levaram Bolsonaro a anunciar a reforma administrativa justamente agora. Assim, precisamos entender o contexto em que essa reforma está sendo proposta.
Para começar, um fato motivador é que, segundo os dados do próprio governo, 26% dos servidores federais deverão se aposentar até 2022. Nesse sentido, como deverá haver uma reposição dos cargos que ficarão desocupados, nada mais conveniente para o governo que propor a reforma antes da reocupação desses postos.
Então, para você que está raciocinando aqui comigo: sim, vamos ter concursos – bastantes, acredito – com a reforma aprovada, já que o próprio governo prevê vacância nos próximos anos e nós sabemos que o governo não pode simplesmente parar.
Além disso, o segundo fato motivador diz respeito à necessidade de ajustar as faixas salariais do setor público para que ele se aproxime do setor privado, já que, segundo os dados do Banco Mundial, o funcionário do setor público recebe, em média, 96% a mais que um profissional de perfil semelhante alocado no setor privado. Ademais, de acordo com os dados do próprio Ministério da Economia, uma pequena redução de 10% nos salários de entrada poderá gerar uma economia de R$ 26,35 bilhões para os cofres do governo.
Só para que você tenha uma dimensão mais clara do impacto da folha de pagamentos sobre o setor público, de acordos com os dados apresentados pelo Banco Mundial, em 2017, o Brasil gastou R$ 725 bilhões com 11,5 milhões de servidores ativos, o que supera em 20 vezes os gastos com o Bolsa Família, de acordo com o levantamento.
Ou seja, esses dois fatores somados geram o caminho ideal para que o governo inicie a proposta da reforma administrativa, que já foi encampada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.
Antes de continuar, contudo, quero que você note um ponto importante aqui: veja que (i) como apontado anteriormente, deveremos ter concursos depois da reforma e (ii) mesmo que o salário inicial seja menor que o que já fora, outrora, vigente, essa diferença não deverá ser abissal, já que o próprio governo simula uma redução na casa dos 10%.
Mas, finalmente, o que muda?
Além da redução salarial prevista e apontada acima, a reforma administrativa deverá, também, alterar a condição atual de estabilidade do servidor público. Mas calma! Não serão todas as carreiras que perderão a estabilidade. De acordo com a própria lógica do governo, funções típicas de Estado (como fisco, polícia etc.) deverão se manter com estabilidade. A perda da estabilidade vai acontecer com a reestruturação de algumas carreiras.
Essa reestruturação, por sua vez, prevê uma mudança nos tipos de carreira. Atualmente, existem duas formas de trabalhar no setor público: (i) com um cargo comissionado (de livre nomeação e exoneração) e (ii) como um servidor com estabilidade.
A proposta do governo é que essa lógica mude e que existam outras carreiras dentro do setor público. Assim, além dos cargos comissionados (que não terão a sua lógica de funcionamento alterada), os novos servidores deverão cumprir um estágio de 2 anos em um formato Trainee. Após esse período, que se projeta obrigatório para todos os concursados, o servidor poderá seguir carreira de três formas distintas: (i) como um servidor sem estabilidade (que poderá, nesse caso, ser demitido sem justa causa), (ii) como um servidor com estabilidade ou, ainda, (iii) como um servidor que trabalhará em contrato por tempo determinado.
Um adendo que eu faria é que, mesmo no caso de um servidor que trabalha sem estabilidade, reforço que ainda assim seu processo de demissão não é, nem de longe, como no setor privado. Vide o que acontece, pode exemplo, no BB ou em outras empresas de economia mista. Você não vê uma pessoa dizendo que foi demitida sem justa causa de uma entidade como essas, não é verdade?
Um outro ponto considerado dentro da reforma administrativa é a redução do número de carreiras e cargos. Só para se ter uma ideia, hoje o governo tem mais de 300 carreiras diferentes e mais de 3.000 cargos. A proposta do Banco Mundial é que o Brasil faça algo como foi realizado em Portugal, que reduziu sensivelmente o número de carreiras (no caso do país lusitano, a queda levou a um número de apenas 3 carreiras em todo país). Além disso, o governo prevê também o fim da progressão automática de carreira.
Esse último elemento está ligado à necessidade de, segundo o governo, rever a atual política de gratificação. Nesse sentido, o governo deverá alterar o sistema de licenças e gratificações, além de tornar mais rigoroso o sistema de avaliação de desempenho. Deve-se notar que o atual sistema é considerado um instrumento meramente burocrático, uma vez que todos os servidores possuem notas extremamente altas, na média.
Finalmente, o governo prevê, ainda, um ajuste na regra de contratação, uma vez que o Banco Mundial sugeriu, ainda, uma mudança para a atração de profissionais mais experientes: a chamada entrada lateral. De acordo com esse tipo de contratação, é possível atrair profissionais mais bem qualificados do setor privado que podem trazer inovações e novas perspectivas para a gestão pública, uma vez que não entrariam nas carreiras iniciais, mais já em cargos de níveis mais elevados. Isso, de acordo com a Instituição, faria com que o Brasil ganhasse em termos de produtividade do Setor Público.
Em linhas gerais, são essas as mudanças que deverão ser apresentadas pelo governo em sua reforma administrativa:
- Salários menores – mas não comparáveis aos salários de partida do setor privado;
- Perda de estabilidade – mas não para todos os cargos;
- Mudança no número de carreiras dentro do setor público;
- Mudança na política de gratificação;
- Fim da progressão automática por tempo de serviço;
- Inclusão da Entrada Lateral para atração de profissionais mais experientes do Setor Privado.
Para quem vale a regra?
- Apenas para os novos servidores.
É hora de me preocupar?
- Não. O setor público, apesar das mudanças propostas pelo governo, ainda é infinitamente mais seguro que o setor privado.
Então, foco nos estudos.
Abraço,
Amanda
Amanda Aires
Assessora de Economia do Governo do Estado de Pernambuco, autora de livros em economia. Comentarista de Economia da rádio CBN. Doutora em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco com extensão na Université Laval, Canadá. Mestra em Economia também pela UFPE com dissertação premiada no III Prêmio de Economia Bancária pela Federação Brasileira de Bancos. Economista pela UFPE, com extensão universitária na Universität Zürich, na Suíça.