A CONSTITUIÇÃO MATERIAL
Olá, tudo bem? Venho hoje apresentar para vocês um artigo que escrevi sobre um tema que acho de grande interesse, trata-se da tipologia das constituições quanto ao conteúdo – constituição formal e constituição material – especialmente esta última. A definição do que é constituição em sentido material é sempre cobrada em provas objetivas e repercute em outros temas do direito constitucional, como por exemplo no controle de constitucionalidade.
A classificação das constituições em formal ou material parte do pressuposto que estamos diante de uma constituição escrita. A constituição não escrita sempre será considerada uma constituição apenas material, ou em outras palavras, a constituição não escrita não possui normas formais e por isso não pode ter conteúdo apenas formal.
Então, se estamos diante de uma constituição escrita, como classificar seu conteúdo? O que a constituição escrita traz dentro de sua forma? Temos que analisar as normas constitucionais e do que tratam para tentar classificar a constituição como um todo se é uma constituição formal ou material. Pelo menos assim tem feito a maioria da doutrina e, claro, as provas de exames da OAB e concursos em geral.
Enquanto não tínhamos constituições escritas, período pré-constitucionalismo, todas as constituições eram apenas constituições materiais, não tinham forma e era considerada constituição aquela norma, costume, pacto que dissesse respeito à organização fundamental do Estado e da sociedade. Já dissemos linhas acima que se não há constituição escrita a constituição será sempre material.
Quando as constituições escritas foram produzidas, passou-se a ter a possibilidade de se confrontar o conteúdo das normas da constituição escrita com a organização fundamental do Estado e da sociedade, ou seja, passou a ser possível analisar se todas as normas da constituição escrita se adequam ao tema da organização fundamental do Estado e da sociedade. Com essa análise veio então a possibilidade de se ter constituição escrita que não fosse totalmente material.
No século XVIII foi fixado o conteúdo mínimo de uma constituição baseado na ideologia liberal, por essa linha de pensamento as constituições só deveriam tratar de temas absolutamente imprescindíveis para a organização do Estado – como a separação dos poderes e declarações de direitos fundamentais.
Com o constitucionalismo social o conteúdo da Constituição é expandido para conter também normas de cunho social, econômico e cultural. Em nossa visão, esse novo conteúdo altera o conceito de constituição material porque passa-se a aceitar novos conteúdos dignos de estarem dentro da constituição escrita. Mas então, qual o sentido que a doutrina dominante dá à constituição material?
Encontramos então uma dificuldade: Não há um critério amoral ou de base estritamente científica de se fazer a classificação entre constituição formal e constituição material. A classificação é permeada de valor, dependerá, no mínimo, da ideologia adotada. Acrescente-se ainda a possibilidade que adeptos do neoconstitucionalismo irão considerar novos conteúdos “essenciais” para uma Constituição e por isso também haverá dissenso sobre o que uma Constituição formal e uma Constituição material.
Normalmente a doutrina tradicional tende a comparar o conteúdo mínimo, ideologia liberal (clássica), com o texto atual da constituição escrita. Assim, se a constituição escrita ultrapassar este conteúdo clássico será considerada uma constituição formal, caso esteja compatível com o conteúdo mínimo liberal, será uma constituição material.
Para tentar esclarecer um pouco mais, vamos adentrar mais no sentido de constituição material dado pela doutrina.
Miranda[1] entende que constituição material pode ser vista em um sentido amplo, médio ou ainda em sentido restrito. Interessa-nos o sentido amplo e o sentido restrito. Em sentido amplo a constituição seria a própria essência do Estado, todo Estado tem constituição, é o modo de ser do Estado. Esse sentido amplo foi utilizado para se referir ao período anterior ao surgimento das constituições escritas. Já o sentido restrito liga-se à Constituição definida em termos liberais a partir da revolução francesa. O sentido restrito é normalmente utilizado pela doutrina como forma de se classificar as normas constitucionais e consequentemente a Constituição.
Vejamos, então, mais detidamente estas duas maneiras de se enxergar uma constituição material.
Constituição material em sentido amplo.
“A acepção ampla encontra-se presente em qualquer Estado.”[2] Todo Estado teria constituição material em sentido amplo. “Todos os países têm uma constituição”[3].
Maurice Duverger[4] destaca que:
Do ponto de vista do conteúdo (ponto de vista material, em linguagem jurídica) a Constituição de um país é o conjunto de suas instituições políticas, sejam quais forem os documentos que as estabelecem: leis, regulamentos, usos, costumes, tradições, Constituições escritas, etc.
Todo Estado tem constituição material e por isso é possível dizer que independentemente da existência de constituição escrita é possível encontrar uma constituição material para o Estado (constituições não-escritas, costumeiras ou consuetudinárias). A constituição material em sentido amplo se confunde com a própria organização do Estado.
Holthe[5] cita que a
“Constituição material no sentido amplo é a própria organização de um Estado, o seu regime político. Sob esse aspecto, todo Estado tem uma Constituição, pois se ele existe de certo modo, sob uma forma, qualquer que seja esse seu modo de existir é a sua Constituição.”
Moraes[6] entende que a constituição material ou substancial é o “conjunto de regras materialmente constitucionais, estejam ou não codificadas em um único documento”.
Segundo Bonavides a Constituição material teria o conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento da ordem política[7].
Este sentido amplo está considerando constituição material como o conjunto de normas materialmente constitucionais independentemente de sua colocação em texto escrito.
Constituição material em sentido restrito.
“A [concepção] restrita liga-se à Constituição definida em termos liberais, tal como surge na época moderna”.[8] A constituição material em sentido restrito seria apenas aquele conjunto de normas que definem a forma básica de organização do Estado (separação dos poderes e direitos fundamentais conforme definido no art. 16 da Declaração dos direitos do homem e do cidadão).
Bester[9] assim se pronuncia sob a constituição material, adotando o sentido restrito:
São aquelas Constituições que abrangem apenas o conteúdo básico, o mais importante, o único merecedor de ser reduzido à matéria constitucional. (grifo original).
Segundo a autora, a constituição material teria texto extremamente curto, embora entende que seria possível, ainda que o texto escrito só contemple a matéria constitucional, que o texto material seja extenso[10]. Então, para ela, não é simplesmente o tamanho do texto (sua extensão) e sim o seu conteúdo que diferencia uma constituição como sendo material. Concordamos, e se nos permite, concordamos muito! Vemos, na doutrina, uma confusão generalizada em relação ao que é constituição material.
Constituição em sentido material, então, é a constituição que trata de matéria tipicamente constitucional, compreendendo as normas que dizem respeito à estrutura mínima e essencial do Estado.
Considerando que num determinado Estado há uma constituição escrita, então poderíamos dizer que a constituição material é o conjunto das normas constitucionais escritas ou não escritas que estruturam, dão forma e organizam o Estado. Assim, a constituição material pode estar escrita ou pode não estar escrita.
Neste sentido, entendemos correta a afirmação que a Constituição do EUA é material[11]. O conteúdo da constituição americana é adequado ao sentido clássico, liberal de que apenas normas materialmente constitucionais estão contidas na constituição escrita. Nos EUA há uma coincidência entre a constituição escrita e o conjunto de normas materialmente constitucionais[12].
Na tipologia das constituições, então, a constituição material escrita é a junção de todas as normas materialmente constitucionais do Estado que estão presentes no texto escrito.
A constituição material do Brasil seria composta, especialmente, pelas normas do Título I, II, grande parte dos títulos III e IV. As demais normas poderiam ser consideradas apenas formalmente constitucionais (conforme o constitucionalismo liberal)[13].
Espero que estas primeiras linhas sejam úteis e contribuam para a melhor definição do que é uma constituição material. Em outros artigos daremos outras contribuições. Ainda tem dúvidas? Entre em contato para podermos esclarecer esse ou outros temas: andre.concursos@gmail.com
[1] Jorge Miranda (2005, pg. 321).
[2] Jorge Miranda (2005, pg. 321).
[3] Canotilho (2003, pg. 1129).
[4] DUVERGER, Maurice. Droit constitucionnel et institutions politiques, 1955, p. 215 e 216. Citado por Cláudio Pacheco. Novo Tratado das Constituições Brasileiras. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 10, vol. 1.
[5] Holthe (2009, pg. 35).
[6] Alexandre de Moraes (2006, pg 3).
[7] Paulo Bonavides (2005, pg. 80).
[8] Jorge Miranda (2005, pg. 321). Interessante explicar que “…época moderna” para o autor é o período das grandes revoluções liberais do século XVIII.
[9] Gisela Bester (2005, pg. 69).
[10] Gisela Bester (2005, pg. 69).
[11] Conforme nosso colega João Trindade Cavalcante Filho. Roteiro de Direito Constitucional. 2ª edição. Obcursos Editora. 2009, p. 37.
[12] Embora não devemos esquecer daquela ressalva de que a constituição escrita pode ser complementada pelos costumes, como é o caso da constituição americana.
[13] Para o constitucionalismo social os temas da ordem econômica e social também poderiam fazer parte da constituição material brasileira.
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André Alencar – Bacharel em direito, especialista em direito público, professor de Direito Constitucional em preparatórios para concursos desde 2000, ex-servidor do STF, advogado atuante pela OAB-DF, Analista Legislativo da Câmara dos Deputados (assessor de plenário), autor de livros e artigos jurídicos.
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