A Série Regressiva Trabalhista, com o Professor Gervásio Meirelles, traz mais duas excelentes dicas de Direito e Processo do Trabalho. Os tópicos abordados a seguir são o Contrato Nulo por Ausência de Concurso Público e as Decisões Monocráticas nos Tribunais e Agravo.
Dica 5
CONTRATO NULO POR AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO
A Constituição Federal exige a realização de concurso público, como regra, para o acesso a cargos e empregos públicos. Essa obrigatoriedade decorre do art. 37, II, da Carta Magna:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.
A ausência desse requisito constitucional implica a nulidade dos contratos de emprego firmados com a Administração Pública, conforme preceitua o art. 37, § 2º, do texto constitucional. A questão, porém, refere-se aos efeitos decorrentes desse contrato nulo. Seriam gerados efeitos trabalhistas plenos em relação ao período trabalhado sem concurso? Haveria direito a salários, 13º salários, férias acrescidas de terços, FGTS, adicionais, gratificações etc?
De fato, considerando a violação a uma exigência de nível constitucional, não nos parece razoável a produção de efeitos plenos (todos), sobretudo quando a norma busca assegurar um nítido interesse público, qual seja, a preservação da moralidade e da impessoalidade administrativa. Todavia, também não podemos negar qualquer efeito a esses contratos, sob pena de enriquecimento puramente sem causa da Administração Pública, a qual certamente contribuiu para a irregularidade ao contratar os referidos trabalhadores sem a devida submissão ao concurso público.
O Tribunal Superior do Trabalho, considerando diversas diretrizes, consolidou o entendimento da questão na Súmula 363:
CONTRATO NULO. EFEITOS (nova redação) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.
Assim, a Corte Superior reconhece o direito ao salário referente às horas trabalhadas e o respectivo FGTS. Aliás, o direito ao FGTS está reconhecido no art. 19-A da Lei 8.036/90: É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2o, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário.
Importante lembrar que o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente Ação Direta de Inconstitucionalidade relativa a esse preceito (ADI 3127/DF). Transcrevo o trecho mais interessante da ementa:
TRABALHISTA E CONSTITUCIONAL. MP 2.164-41/2001. INCLUSÃO DO ART. 19-A NA LEI 8.036/1990. EMPREGADOS ADMITIDOS SEM CONCURSO PÚBLICO. CONTRATAÇÃO NULA. EFEITOS. RECOLHIMENTO E LEVANTAMENTO DO FGTS. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA NORMA. 1. O art. 19-A da Lei 8.036/90, incluído pela MP 2.164/01, não afronta o princípio do concurso público, pois ele não infirma a nulidade da contratação feita à margem dessa exigência, mas apenas permite o levantamento dos valores recolhidos a título de FGTS pelo trabalhador que efetivamente cumpriu suas obrigações contratuais, prestando o serviço devido. O caráter compensatório dessa norma foi considerado legítimo pelo Supremo Tribunal Federal no RE 596.478, Red. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/3/2013, com repercussão geral reconhecida. 2. A expansão da abrangência do FGTS para cobrir outros riscos que não aqueles estritamente relacionados com a modalidade imotivada de dispensa – tais como a própria situação de desemprego e outros eventos socialmente indesejáveis, como o acometimento por doença grave e a idade avançada – não compromete a essência constitucional do fundo. (…) 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.
(ADI 3127, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/03/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-153 DIVULG 04-08-2015 PUBLIC 05-08-2015)
Além disso, considerando que diversos entes e entidades da Administração Pública questionavam o direito ao FGTS derivado do contrato nulo (entendendo ser indevido), a matéria foi analisada, no STF, sob o prisma da repercussão geral, conforme tema 191 da Lista de Repercussão Geral, tendo sido reconhecida a constitucionalidade do preceito (isto é, a parcela é devida, sim), conforme ementa ora transcrita relativa ao processo paradigma do tema:
Recurso extraordinário. Direito Administrativo. Contrato nulo. Efeitos. Recolhimento do FGTS. Artigo 19-A da Lei nº 8.036/90. Constitucionalidade. 1. É constitucional o art. 19-A da Lei nº 8.036/90, o qual dispõe ser devido o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na conta de trabalhador cujo contrato com a Administração Pública seja declarado nulo por ausência de prévia aprovação em concurso público, desde que mantido o seu direito ao salário. 2. Mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.
(RE 596478, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2012, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-040 DIVULG 28-02-2013 PUBLIC 01-03-2013 EMENT VOL-02679-01 PP-00068)
Por outro lado, diversos trabalhadores não concordavam com recebimento apenas das parcelas mencionadas na Súmula e requeriam o pagamento de outras verbas contratuais. A matéria foi submetida ao regime de repercussão geral sob o tema 308 da Lista, tendo o STF mantido a mesma linha de raciocínio já exposta anteriormente, conforme ementa (do processo paradigma) que transcrevo:
CONSTITUCIONAL E TRABALHO. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SEM CONCURSO. NULIDADE. EFEITOS JURÍDICOS ADMISSÍVEIS EM RELAÇÃO A EMPREGADOS: PAGAMENTO DE SALDO SALARIAL E LEVANTAMENTO DE FGTS (RE 596.478 – REPERCUSSÃO GERAL). INEXIGIBILIDADE DE OUTRAS VERBAS, MESMO A TÍTULO INDENIZATÓRIO. 1. Conforme reiteradamente afirmado pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição de 1988 reprova severamente as contratações de pessoal pela Administração Pública sem a observância das normas referentes à indispensabilidade da prévia aprovação em concurso público, cominando a sua nulidade e impondo sanções à autoridade responsável (CF, art. 37, § 2º). 2. No que se refere a empregados, essas contratações ilegítimas não geram quaisquer efeitos jurídicos válidos, a não ser o direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do art. 19-A da Lei 8.036/90, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. 3. Recurso extraordinário desprovido.
(RE 705140, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 28/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-217 DIVULG 04-11-2014 PUBLIC 05-11-2014)
Logo, apesar de diversas discussões sobre o assunto, permanece válido o entendimento da Súmula 363 do TST quanto aos efeitos desses contratos.
Dica 6
DECISÕES MONOCRÁTICAS NOS TRIBUNAIS E AGRAVO
A ocorrência de decisões monocráticas no âmbito dos Tribunais tem sido cada vez mais frequente na Justiça do Trabalho. O advento do novo Código de Processo Civil reforça essa possibilidade através do art. 932, cujos trechos mais interessantes indicamos:
Art. 932. Incumbe ao relator:
(…)
II – apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal;
III – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
IV – negar provimento a recurso que for contrário a:
- a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
- b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
- c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
V – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
- a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
- b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
- c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
(…)
A aplicação desse preceito foi admitida pelo Tribunal Superior do Trabalho, conforme Súmula 435:
DECISÃO MONOCRÁTICA. RELATOR. ART. 932 DO CPC DE 2015. ART. 557 DO CPC DE 1973. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA AO PROCESSO DO TRABALHO – (atualizada em decorrência do CPC de 2015) – Res. 208/2016, DEJT divulgado em 22, 25 e 26.04.2016.
Aplica-se subsidiariamente ao processo do trabalho o art. 932 do CPC de 2015 (art. 557 do CPC de 1973).
Mantida a possibilidade da decisão monocrática com base no novo CPC, natural seria imaginar o cabimento do agravo interno apto a impugnar tal decisão, na forma do art. 1.021 do CPC. Aliás, nesse ponto, o TST já reconheceu a aplicabilidade do preceito relativo ao agravo, exceto quanto ao prazo recursal, o qual continua sendo de oito dias, por força do art. 6º da Lei 5.584/70. Apenas para confirmar esse entendimento, a Instrução Normativa 39/2016 do TST explicitou:
Art. 3° Sem prejuízo de outros, aplicam-se ao Processo do Trabalho, em face de omissão e compatibilidade, os preceitos do Código de Processo Civil que regulam os seguintes temas:
XXIX – art. 1021 (salvo quanto ao prazo do agravo interno).
Art. 1º (…)
§ 2º O prazo para interpor e contra-arrazoar todos os recursos trabalhistas, inclusive agravo interno e agravo regimental, é de oito dias (art. 6º da Lei nº 5.584/70 e art. 893 da CLT), exceto embargos de declaração (CLT, art. 897-A).
Nesse ponto, é importante transcrever o caput do art. 1.021 do CPC para que o leitor tenha uma perfeita compreensão do tema: “Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal”.
Entretanto, caso a decisão monocrática contenha algum vício referente a omissão, obscuridade, erro material ou contradição, passam a ser cabíveis embargos de declaração, com fundamento no art. 897-A da CLT e art. 1.022 do CPC. Nesse sentido já se posicionou o TST no inciso I da Súmula 421:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CABIMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR CALCADA NO ART. 932 DO CPC DE 2015. ART. 557 DO CPC DE 1973 – (atualizada em decorrência do CPC de 2015) – Res. 208/2016, DEJT divulgado em 22, 25 e 26.04.2016
I – Cabem embargos de declaração da decisão monocrática do relator prevista no art. 932 do CPC de 2015 (art. 557 do CPC de 1973), se a parte pretende tão somente juízo integrativo retificador da decisão e, não, modificação do julgado.
Esses embargos declaratórios podem, inclusive, ser decididos monocraticamente, o que pode ser constatado no art. 1.024, § 2º, do CPC: “Quando os embargos de declaração forem opostos contra decisão de relator ou outra decisão unipessoal proferida em tribunal, o órgão prolator da decisão embargada decidi-los-á monocraticamente”.
Por outro lado, na hipótese desses embargos, caso providos, gerar efeito modificativo da decisão embargada (o que implica revisão do mérito da decisão), os embargos, pelo princípio da fungibilidade, devem ser recebidos como agravo interno do art. 1.021. Vejamos o entendimento do TST sobre o tema no inciso II da Súmula 421:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CABIMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR CALCADA NO ART. 932 DO CPC DE 2015. ART. 557 DO CPC DE 1973 – (atualizada em decorrência do CPC de 2015) – Res. 208/2016, DEJT divulgado em 22, 25 e 26.04.2016
II – Se a parte postular a revisão no mérito da decisão monocrática, cumpre ao relator converter os embargos de declaração em agravo, em face dos princípios da fungibilidade e celeridade processual, submetendo-o ao pronunciamento do Colegiado, após a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art. 1.021, § 1º, do CPC de 2015.
No entanto, havendo essa conversão, considerando as peculiaridades próprias do agravo interno previstas no art. 1.021, § 1º, do CPC, deve a parte recorrente ser intimada para adaptar o recurso às exigências legais.
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