A teoria da sucumbência funda-se na máxima latina segundo a qual victus victori expensas condemnatur (ressarcimento ao vencedor).[1] Tem, por isso, natureza ressarcitória, na medida em que também parte da premissa de que a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva. Em outras palavras, o principal fundamento que sustenta a teoria da sucumbência é o fato de a necessidade do processo não poder provocar uma diminuição no valor final do direito postulado,[2] que deve ser incorporado em sua integralidade no patrimônio daquele que tem razão.
Chiovenda, principal defensor da teoria da sucumbência, afirma que é fundamental que o titular do direito tutelado seja ressarcido de todos os gastos em que incorreu para sua defesa, pois a condenação do sucumbente a arcar com os custos do processo garante a prestação de uma tutela jurisdicional integral.
Tais premissas desenvolvidas por Chiovenda encontraram ampla acolhida na doutrina[3] e na jurisprudência italianas. Nesse sentido, a Corte de Cassação italiana, confirmando a finalidade ressarcitória da imputação da responsabilidade ao derrotado, ou seja, de evitar uma perda de patrimônio daquele que tem razão, decidiu que
La condanna alle spese processuali, a norma dell’art. 91 c.p.c., ha il suo fondamento nell’esigenza di evitare una diminuzione patrimoniale alla parte che ha dovuto svolgere un’attività processuale per ottenere il riconoscimento e l’attuazione di un suo diritto (sicché essa non può essere pronunziata in favore del contumace vittorioso, poiché questi, non avendo espletato alcuna attività processuale, non ha sopportato spese al cui rimborso abbia diritto. Conf. anche Cass., Sez. 6-5, Ordinanza n. 12195 del 18/05/2018, Rv. 648485-01) (Cass., Sez. 6-3, Ordinanza n. 16174 del 19/06/2018 (Rv. 649432-01)). (gn)[4]
Como se nota, o fundamento da teoria da sucumbência repousa na ideia de que o direito há que ser reconhecido em favor de seu titular, inclusive quanto a seu valor, como se tivesse sido por ele usufruído espontaneamente no momento da ação ou da lesão, ou seja, tudo que foi posteriormente necessário ao seu reconhecimento e concorreu para diminuí-lo deve ser recomposto ao titular do direito, de modo que este não sofra qualquer diminuição patrimonial em decorrência do exercício judicial que foi necessário para o reconhecimento desse mesmo direito. É a concretização da máxima restitutio ad integrum ou restitutio in integrum, ou seja, do retorno ao status quo ante que conduz à restauração da situação original.
Com efeito, não pode suportar qualquer prejuízo econômico ou diminuição patrimonial aquele que precisa comparecer em Juízo para fazer valer seu direito violado. Pensar de modo diverso é admitir a diminuição do valor do próprio direito reconhecido. Por isso, segundo doutrina uniforme de que é representativa a presente citação, “à sentença cabe prover para que o direito do vencedor não saia diminuído de um processo em que foi proclamada a sua razão”[5].
Depois de traçar severas críticas à teoria do ressarcimento, conforme acima já exposto, Chiovenda afirma, para sintetizar seu pensamento, que “la principale caratteristica del principio moderno della condanna nelle spese sta appunto nell’esser questa condizionata alla soccombenza pura e semplice, e non all’animo o al contegno del soccombente (mala fede o colpa)”.[6]
Logo, tal teoria veio contrapor-se às teorias anteriores, na medida em torna prescindível o elemento subjetivo como condição para imputação da responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais.
Segundo a teoria Chiovendiana, ao contrário do que se dava nas teorias da pena e do ressarcimento, a responsabilidade pelos honorários sucumbenciais é definida a partir do mero fato objetivo da derrota, análise essa que prescinde de qualquer aferição do elemento subjetivo da parte derrotada. Assim, para a teoria da sucumbência, a responsabilidade é de natureza objetiva e não mais subjetiva, como se dava nas teorias da pena e do ressarcimento.
Com efeito, tratando-se de uma obrigação objetiva de indenizar, independentemente da existência de dolo ou culpa, ela será “pura”, ou seja, dispensa-se toda e qualquer aferição sobre a reprovabilidade do comportamento da parte. A imputação da responsabilidade se afasta da antijuridicidade da atividade ou da censura ao seu proceder, desviando-se para a necessidade de tutela do patrimônio da parte vitoriosa, mediante a promoção do equilíbrio que fora rompido pelo derrotado.
É de se observar que a teoria da sucumbência incorpora certas premissas da teoria do ressarcimento que, em parte, sobrevive até hoje, porquanto sempre presente o seu aspecto basilar, qual seja, a natureza ressarcitória da condenação.
A relevante diferença entre essas teorias reside, primordialmente, na exigência do elemento subjetivo das teorias anteriores, agora ausente na teoria de Chiovenda, que fixou como principal característica de sua linha de pensamento a ideia de que a condenação em honorários está condicionada à sucumbência, pura e simples (mero fato objetivo da derrota), e não à intenção ou ao comportamento do sucumbente.[7] Trata-se, assim, de um risco assumido pelo ajuizamento de uma demanda judicial, no caso do autor, ou de não reconhecer espontaneamente o direito material postulado por este, obrigando-o a promover a ação judicial, no caso do réu.
Como se demonstrará no artigo seguinte (parte IV), a teoria da sucumbência, para imputação da responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais com base unicamente no mero fato objetivo da derrota, continuou a não responder a uma série de situações práticas surgidas no cotidiano da práxis processual, de modo que sua aplicação em algumas situações peculiares leva a situações paradoxais e injustas, pois nem sempre a parte sucumbente no processo é a que deu causa ao surgimento da lide.
Referências
[1] “Sucumbente é a parte cuja demanda não é aceita, mesmo por motivos diversos do mérito, ou aquela que, não havendo proposto demanda alguma, vê acolhida a demanda da parte contrária”. (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. V. 1. Tocantins: Intelectos Editora, 2003, p. 117). Como se nota, para Liebman, a sucumbência hábil a acarretar os ônus inerentes às despesas do processo é a processual e também a substancial. Logo, o vencedor que tem direito de receber as verbas de sucumbência é aquele que obteve êxito no processo, independentemente de ter sido ou não apreciado o mérito da causa.
[2] LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Op. cit., p. 31.
[3] Cite-se, por exemplo: GUALANDI, Angelo. Spese e danni del processo civili. Milano: Giuffrè, 1962, p. 30-31; e, PAJARDI, Piero. La responsabilità per le spese e i danni del processo. Milão: Giuffrè, 1959, p. 86-90.
[4] Em tradução livre: A condenação em despesas judiciais, nos termos do artigo 91 do Código de Processo Civil, tem como fundamento a necessidade de se evitar uma diminuição patrimonial para a parte que teve que realizar uma atividade processual para obter o reconhecimento e a implementação de seu direito (para que não possa ser pronunciado em favor do revel vitorioso, uma vez que este último, não tendo realizado nenhuma atividade processual, não suportou despesas que dariam direito ao reembolso).
[5] TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume I. São Paulo: RT, 1975, p. 165 apud CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 38.
[6] CHIOVENDA, Giuseppe. op. cit., p. 164. Em tradução livre: A principal característica do moderno princípio da condenação em despesas reside precisamente no fato de que isso depende da puro e simples sucumbência, e não do ânimo ou do comportamento do derrotado (má-fé ou culpa).
[7] CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 38.