INTRODUÇÃO
Quando discutimos condutas odontológicas em pacientes portadores de doenças cardiovasculares, o primeiro questionamento que surge é o seguinte: Posso empregar soluções anestésicas com vasoconstritor em pacientes portadores de doença cardiovascular? Considerando que cada vez mais aumenta o número de pacientes “especiais” que procuram o atendimento odontológico, deve-se analisar cuidadosamente as medicações prescritas e utilizadas nesse tipo de paciente. Nesse sentido, os anestésicos e vasoconstritores devem ser utilizados com cautela, observando seus efeitos e doses máximas.
Sabe-se que a maioria das soluções de anestésicos locais apresentam em sua composição um vasoconstritor que tem o objetivo de antagonizar o efeito vasodilatador intrínseco do anestésico em si. Dentre as opções de vasoconstritores, os principais são epinefrina, norepinefrina, fenilefrina e felipressina (amina não-simpaticomimética).
Na Odontologia, o mais utilizado é a epinefrina, que apresenta alguns efeitos importantes principalmente em pacientes com doenças cardiovasculares.
EFEITOS DA EPINEFRINA NO SISTEMA CARDIOVASCULAR
A epinefrina pode apresentar efeitos na frequência cardíaca (FC), no volume sistólico, no débito cardíaco, na demanda de oxigênio pelo miocárdio e na resistência vascular periférica.
Doses elevadas, especialmente quando administradas acidentalmente no interior dos vasos sanguíneos, podem resultar em elevação brusca da pressão arterial (PA), devida à vasoconstrição periférica. Isso deixa nítido a importância da obtenção de uma técnica anestésica com aspiração negativa antes de infiltrar a solução anestésica.
Além disso, a epinefrina aumenta a FC e a força de contração ventricular, que resulta em aumento do débito cardíaco e do consumo de oxigênio pelo miocárdio. Nesse sentido, pacientes com doença cardíaca isquêmica (por exemplo, angina do peito e infarto do miocárdio) merecem uma maior atenção.
Um risco adicional em relação ao uso de epinefrina é que esta tem a capacidade de irritar as células do marca-passo cardíaco, causando disritmias.
MAS, ENFIM, POSSO OU NÃO USAR VASOCONSTRITOR EM PACIENTE PORTADOR DE DOENÇA CARDIOVASCULAR?
Para responder a essa pergunta, deve-se ter em mente que o maior objetivo no atendimento odontológico de pacientes com doença cardiovascular é reduzir a liberação endógena de catecolaminas.
Após essa consideração, a resposta é SIM (com poucas exceções). O uso do vasoconstritor irá influenciar na obtenção de um efeito anestésico profundo e com maior duração de tempo. Por consequência, o paciente não sentirá dor, o que favorece uma menor produção endógena de catecolaminas (devemos lembrar que situações estressantes, por exemplo a dor, podem aumentar a produção endógena de catecolaminas em até 40 vezes, se comparado aos níveis basais).
Entretanto, ainda que eu possa utilizar vasoconstritor em pacientes cardiopatas, devo considerar sempre as doses máximas, que, para o caso da epinefrina, é de 0,04mg por sessão de atendimento. A felipressina também pode ser utilizada como alternativa ao uso da epinefrina. No entanto, apesar de ser uma amina não simpaticomimética sem efeitos em receptores α e β, sua dose máxima deve ser de 0,18UI.
Uma observação: nesse texto, iremos exemplificar os protocolos e cuidados a respeito do uso de anestésicos locais em relação a hipertensão arterial e a doença cardíaca isquêmica, que são as principais doenças cardiovasculares com repercussão da Odontologia. Para maiores detalhes sobre esse tema, acessar a aula no Youtube do GranSaúde: https://www.youtube.com/watch?v=hSEqnpxpNV8&t=1089s.
HIPERTENSÃO ARTERIAL
Antes de se estabelecer um protocolo de uso de anestésicos locais em hipertensos, é importante classificar o paciente de acordo com o estágio da hipertensão:
Após isso, pode-se estabelecer os protocolos de atendimento odontológico mais adequados, como explicitado nos quadros abaixo.
DOENÇA CARDÍACA ISQUÊMICA
Em relação a doença cardíaca isquêmica, esta decorre da obstrução gradual das artérias coronárias, que acarreta uma diminuição do fluxo sanguíneo para o miocárdio. As principais doenças cardíacas isquêmicas são a angina de peito e o infarto do miocárdio. Para esses pacientes, deve-se considerar, no atendimento odontológico, o seguinte protocolo:
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Eduardo Dias De. Terapêutica Medicamentosa em Odontologia. 3ª ed. São Paulo: Artes Médicas, 2014.
Agora vamos discutir como esse assunto pode ser abordado nas provas de residências e concursos em Odontologia.
QUESTÕES DE CONCURSO E RESIDÊNCIA
- (INSTITUTO AOCP – 2019 – Prefeitura de Vitória – ES – Cirurgião Dentista Buco-maxilo-facial (adaptada)) A respeito da utilização de vasoconstritores em pacientes hipertensos, analise as assertivas em C ou E.
I. O maior objetivo no atendimento odontológico de pacientes com doença cardiovascular é reduzir a liberação endógena de catecolaminas. Durante uma situação de estresse, a secreção endógena de catecolaminas (epinefrina e norepinefrina) pelas adrenais aumenta em até 40 vezes, se comparada aos níveis basais (com o indivíduo em repouso), e atinge níveis sanguíneos muito maiores se comparados aos obtidos após a aplicação de um tubete de solução anestésica contendo epinefrina 1:100.000.
II. A secreção endógena de epinefrina e norepinefrina para o sangue aumenta o trabalho cardiovascular e, consequentemente, a demanda de oxigênio pelo miocárdio. Em pacientes com comprometimento das artérias coronárias, essa maior demanda de oxigênio pode não ser atendida. Como consequência, pode ocorrer angina do peito, arritmias ou até mesmo infarto do miocárdio.
III. O emprego de soluções anestésicas com epinefrina pode ser benéfico aos pacientes hipertensos ou portadores da maioria das cardiopatias, com a doença controlada, na dose máxima de 40 mg por consulta.
Comentários:
Os itens I e II estão completamente corretos. O item III está errado apenas pela questão da dose máxima. Em pacientes portadores de doenças cardiovasculares, a dose máxima de epinefrina por sessão de atendimento é de 0,04mg, e não, 40 mg, como afirma a assertiva.
Resposta: CERTO – CERTO – ERRADO.
- (CESPE / CEBRASPE – 2018 – HUB – Residência Multiprofissional – Odontologia) A respeito de anestesia local, julgue o próximo item.
A felipressina é uma amina não simpaticomimética estimulante da musculatura lisa vascular e é indicada para cardiopatas e gestantes.
Comentários:
A felipressina é uma amina não simpaticomimética que atua na musculatura lisa vascular. Diferente da epinefrina e norepinefrina, por exemplo, não atua nos receptores α e β adrenérgicos. Dessa forma, de fato, ela é indicada para pacientes cardiopatas. No entanto, ela é CONTRAINDICADA para pacientes gestantes, pois apresenta o potencial de induzir parto prematuro.
Resposta: Item ERRADO.
- (Itame – 2019 – Prefeitura de Campinorte – GO – Odontólogo) A epinefrina é o vasoconstritor mais eficaz e seguro para uso odontológico. Entretanto algumas situações contraindicam seu uso. Qual das alternativas abaixo é a única que não é uma contraindicação para sua utilização?
a) Paciente portador de Feocromocitoma.
b) Paciente Diabético.
c) Paciente com angina no peito instável.
d) Paciente usuário de drogas ilícitas (cocaína, crack, ecstasy).
Comentários:
Alternativa A: O feocromocitoma, simplificadamente falando, é um tumor que provoca a superprodução de catecolaminas (epinefrina e norepinefrina).
Alternativa B: O paciente diabético não apresenta contraindicação ao uso de epinefrina.
Alternativa C: O uso de epinefrina em um paciente com angina instável pode predispor o mesmo a um infarto do miocárdio.
Alternativa D: As drogas relatadas na alternativa D causam aumento de liberação de adrenalina (epinefrina). Por isso, epinefrina adicional (vasoconstritor em um tubete odontológico) está contraindicado.
Resposta: B.
Pessoal, para maiores detalhes sobre esse tema, acessem a aula no Youtube do GranSaúde: https://www.youtube.com/watch?v=hSEqnpxpNV8&t=1089s. Sintam-se à vontade para questionar, sugerir temas, tirar dúvidas… Estarei nas plataformas do GranCursosOnline e no meu Instagram.
Um abraço e bons estudos!
Prof. Daniel Miranda
@danielmirandabucomaxilo