Olá pessoal, tudo certo?
Sabemos que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) é uma das mais frequentes em provas de concurso público, especialmente nos certames da área estadual, podendo ser exigido seu conhecimento tanto em provas de processo penal, como também de leis penais especiais.
O que se tem percebido é que o domínio da literalidade da norma especial é extremamente importante, especialmente em face das múltiplas e constantes alterações e acréscimos que são feitas ao longo dos anos, porém isso não tem se revelado suficiente.
É imprescindível também dominar as orientações pacificadas, sumuladas, editadas em repetitivos ou repercussão geral, e também a posição dos Tribunais Superiores acerca de diversos temas atrelados à Lei Maria da Penha.
Nesse sentido, o texto de hoje é uma proposta de revisar um ponto extremamente importante e que apareceu novamente no Informativo de Jurisprudência do STJ de número 743. Vamos falar sobre a (possibilidade) de retratação da representação no contexto de crime envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher.
Código de Processo Penal | Lei Maria da Penha |
Art. 25. A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia. | Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. |
Consoante se verifica, nos crimes ordinários (regra) que desafiam ação penal pública condicionada à representação, admite-se a retratação da representação, desde que seja materializada observando o limite temporal da PROPOSITURA da ação penal pelo Ministério Público.
Entretanto, o legislador achou por bem regulamentar o tema de forma específica, em se tratando de crime praticado no contexto da Lei Maria da Penha. Estabeleceu elastério temporal mais abrangente (a retratação da representação pode se dar até o RECEBIMENTO da ação penal), mas também fez exigências não previstas para os casos ordinários. Aqui, para a retratação ser válida, será necessário que ela seja tomada em audiência especificamente designada para essa finalidade, perante o juízo, ouvido o Ministério Público.
Importante anotar ainda o rigor formal quanto às exigências estabelecidas. Isso pode ser confirmado quando o Superior Tribunal de Justiça conclui que não atende ao disposto no art. 16 da Lei Maria da Penha, a retratação da suposta ofendida ocorrida em cartório de Vara, sem a designação de audiência específica necessária para a confirmação do ato[1].
Destarte, é correto afirmar que, consoante reiterado entendimento do STJ, a Lei Maria da Penha disciplina procedimento próprio para que a vítima possa eventualmente se retratar de representação já apresentada. Dessarte, dispõe o art. 16 da Lei n. 11.340/2006 que, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade[2].
Apreciando um caso concreto, a Corte concluiu pelo entendimento de que a realização da audiência prevista no artigo 16 da Lei n. 11.340/2006 somente se faz necessária se a vítima houver manifestado, de alguma forma, em momento anterior ao recebimento da denúncia, ânimo de desistir da representação. Ademais, no caso específico, não havia “notícias acerca da ocorrência de audiência especialmente designada para a retratação da vítima, até porque esta só veio quando da apresentação da resposta à acusação, ou seja, a destempo”[3].
Como afirmado anteriormente, não se trata de orientação NOVA, estando tal compreensão consolidada na mencionada Corte Superior. Em outro caso, datado de 2019, o colegiado já houvera estabelecido que “no que tange ao crime de ameaça, conforme a dicção do art. 16 da Lei n. 11.340/2006, “nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”, inocorrente no caso dos autos. No caso, consta dos autos que da análise das declarações prestadas pela vítima em audiência de instrução, não há qualquer manifestação da mesma acerca de eventual desinteresse quanto ao prosseguimento do
presente feito. Irrelevante, pois, a posterior reconciliação do casal[4].
Tema relativamente simples, porém muito recorrente em provas!
Espero que vocês tenham gostado e, sobretudo, compreendido.
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] STJ, HC 138.143-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 03/09/2019, DJe 10/09/2019.
[2] HC 371.470/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 25/11/2016
[3] AgRg no REsp n. 1.946.824/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 17/6/2022.
[4] AgRg no AREsp 1502008/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA,
DJe 14/10/2019.