O estupro e seu tratamento jurídico penal – A cultura do estupro na sociedade brasileira

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Cultura do estuproO ESTUPRO E SEU TRATAMENTO JURÍDICO-PENAL

(A CULTURA DO ESTUPRO NA SOCIEDADE BRASILEIRA)

por Flávio Augusto Milhomem¹

No último dia 20 de maio de 2016, uma adolescente foi brutalmente estuprada por cerca de 30 (trinta) rapazes, na comunidade do Morro do São José Operário, zona oeste do Rio de Janeiro/RJ. Os fatos chegaram ao conhecimento das autoridades públicas, e da população como um todo, por meio da divulgação de um vídeo, no Twitter, em que um dos algozes da vítima, visivelmente entorpecida, se vangloriava do acontecido, manipulando suas partes íntimas.

Segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. Em 2014, último dado disponível, o país teve ao menos 47.646 estupros. Estes números, que integram as estatísticas oficiais, no entanto, não representam a totalidade de crimes sexuais cometidos, mas tão somente aqueles registrados; o que a criminologia crítica chama de cifras negras da criminalidade. O estupro acaba silenciado pela vergonha, uma arma eficientíssima, representando um dos crimes mais subnotificados que existem; e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) estima que os dados oficiais representem apenas 10% dos casos ocorridos. Ou seja, o verdadeiro número de pessoas estupradas todos os anos no Brasil é mais de meio milhão. Nos EUA, onde existem dados longitudinais, de acordo com o Center for Disease Control and Prevention, uma em cinco mulheres vai ser estuprada ao longo da vida.

A criminologia igualmente se ocupa do medo do estupro sob seu aspecto político-social, incutido na sociedade, a chamada vitimologia. De fato, acredita-se que os estupros apenas acontecem na noite, em lugares ermos, cometidos por pessoas desconhecidas. A verdade, contudo, é que 70% das estupradas são crianças e adolescentes de até 17 anos; e a maior parte delas foi violentada dentro de casa por pessoas de confiança, como padrastos ou amigos da família. Entre adultos, a realidade também foge ao estereótipo do tarado anônimo, já que boa parte dos casos de violência sexual acontece dentro de casas e casamentos, depois de festas ou encontros, no meio de relações sexuais que começaram consensuais, entre pessoas que já se conheciam.

Numa contextualização histórica, na Roma antiga, ao final de um casamento, o casal passava por um pequeno ritual: a mulher fingia ter muito medo e se agarrava à mãe, enquanto os amigos do noivo a arrastavam à força até os aposentos do marido. É um ritual que lembra a época em que mulheres eram sequestradas por invasores. Já na Idade Média, o consentimento não era premissa para o sexo.

Tal comportamento social se repete ao longo dos séculos, vindo a ser denominado como “cultura do estupro” por ativistas feministas da década de 70 do século passado. Cabe esclarecer que esta cultura do estupro só é possível em um contexto em que haja profunda desigualdade de gênero, desumanização da mulher e reificação de seu corpo.

A repressão ao estupro, sob o aspecto jurídico-formal, encontra previsão no art. 213, caput, do Código Penal:

Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
  • 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
  • 2o Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Cuida-se de crime de ação penal pública condicionada (CP, art. 225), à exceção dos casos de vulnerabilidade e menoridade da vítima.

Encontra-se, contudo, tramitando, na Câmara dos Deputados, o PL 5398/13, que prevê o aumento de penas e condiciona a liberdade do estuprador à castração química. O projeto também aumenta as penas para estupro e estupro de menores de 18 anos. Pela proposta, a pena mínima para estupro sobe de 6 para 9 anos; e a máxima vai de 10 para 15 anos. Nos casos de estupro de adolescente entre 14 e 18 anos, a pena deve variar entre 12 e 18 anos, e não mais de 8 a 12 anos, como atualmente. Para estupro em que a vítima morre, a pena mínima sobe de 12 para 18 anos. Nos casos de estupro de menor de 14 anos, a pena subirá de 8 a 15 anos para 12 a 22 anos. Se a vítima ficar gravemente ferida, a pena passa de 10 a 20 anos para 15 a 25 anos. Quando a criança ou adolescente morrer, a pena mínima será de 18 e não mais 12 anos.

Nos casos em que os suspeitos de estupro são levados aos tribunais, no entanto, a punição não é uma garantia. Nos EUA, apenas 0,2% a 2,8% dos casos de estupro terminam com condenações. Isso quer dizer que a quase totalidade dos homens que estupram seguem tranquilamente com suas vidas. Acredita-se que, no Brasil, as estatísticas sejam semelhantes, na melhor das hipóteses.

A impunidade está conectada ao número elevado de estupros no Brasil. No entanto, ela não pode ser lida como sua causa, mas como mais um elemento do ciclo de vitimização. A origem da subnotificação dos crimes, e as dificuldades de investigá-lo, por exemplo, são agravadas quando família e autoridades duvidam do relato da vítima.

As delegacias especializadas em crimes contra a mulher, que geralmente estão melhor preparadas para receber e investigar esse tipo de denúncia, estão sucateadas e são poucas. Menos de 10% dos municípios do país têm delegacias da mulher.

Há também a pressão de grupos políticos e religiosos para limitar os direitos das mulheres em caso de estupros. O projeto de lei 5069/2013, aprovado em outubro de 2015 na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, dificulta a realização de aborto em caso de estupro e penaliza qualquer pessoa que oriente a mulher sobre as possibilidades legais de um aborto.

Além disso, exige que a vítima faça Boletim de Ocorrência e exame de corpo de delito para comprovar o estupro e então ter direito à profilaxia do estupro, que inclui procedimentos como a pílula do dia seguinte, para evitar que a vítima engravide do estuprador, orientações psicológicas e remédios que evitam ou diminuem as chances de contaminação por DSTs.

Como alertou Hannah Arendt, em “Eichmann em Jerusalém”, a luta contra a banalização do mal depende do exercício de uma constante vigilância. É preciso que a sociedade, como um todo, homens e mulheres, seja vigilante, para que a cultura do estupro não impere, também, no século XXI.

1. O autor é Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – MPDFT; Mestre em Ciências Jurídico-Criminais; Doutorando em Direito e Políticas Públicas e Professor de Direito Penal e Processo Penal, na graduação, pós-graduação e cursos preparatórios para OAB e concursos públicos.

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Flávio Milhomem Mestre em Ciências Jurídico-Penais, Doutorando em Direito e Políticas Públicas, Docente nas disciplinas de Direito Penal e Processo Penal desde 1997, Docente titular do curso de Direito (bacharelado) e da pós-graduação do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, Brasília/DF, professor de cursos preparatórios para concursos, Promotor de Justiça Criminal do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios desde 1.997.

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