Fala pessoal, tudo certo?
Imagine que a defesa técnica entenda que a instrução está repleta de vícios procedimentais que ensejariam nulidades e, diante da irresignação com o comportamento (supostamente) passivo do magistrado, decide – deliberadamente – não apresentar as alegações finais. Nesses casos, será possível e legítimo ao juiz criminal abrir vista à parte para designar outro advogado ou, mantendo-se inerte, nomear a Defensoria Pública para assumir o caso?
Dito de outra maneira, afinal a ampla defesa engloba a possibilidade de o advogado se recusar a oferecer as alegações finais por discordar de alguma decisão do juiz da causa na condução do procedimento?
Sobre o tema, interessante se faz trazer à baila as lições de Gabriel Campos. De acordo com ele, ao defensor se aplicam, portanto, deveres processuais de cooperação, inerentes às ideias de boa-fé e lealdade processual, sem que tal implique cerceamento da ampla defesa. O que se quer reconhecer é a existência de certos limites à atuação da defesa no processo penal, como na seara probatória, a manipulação de depoimentos de testemunhas com o intuito de falsear a verdade, ou, no campo do direito recursal, a interposição sucessiva de recursos, com nítida finalidade procrastinatória, por vezes pretendendo ocasionar a prescrição do crime. A defesa no processo penal brasileiro, embora a ela se assegurem todos os meios e recursos cabíveis, não pode ser abusiva. O abuso do direito deve ser consabido, ainda que favoreça o réu[1]. Como muito bem assimilado no voto do Ministro Rogério Schietti Cruz, a forma legal para impugnar eventuais discordâncias com as decisões tomadas pelo juiz na condução da ação penal não pode ser a negativa de oferecimento de alegações finais. Admitir, por hipótese, a validade de tal conduta implicaria, em última instância, conferir o poder de definir a legalidade da atuação do magistrado não aos Tribunais, mas ao próprio advogado.
Ademais, não se deve admitir a violação da duração razoável do processo, direito fundamental que não pode ficar dependente de um juízo de oportunidade, conveniência e legalidade das partes de quando e como devem oferecer alegações finais. A recalcitrância da negativa de oferecer alegações finais obriga o magistrado a adotar a providência de nomeação de um defensor ad hoc ou até mesmo a destituição do causídico. Dessa forma, não há que se falar em ilegalidade ou abuso de poder, mas, sim, em adoção de medidas legítimas para resguardar a duração razoável do processo e o poder do juiz para conduzi-lo, conforme ratificado recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça[2].
Em arremate, vale anotar que a análise quanto a ter sido justificada ou não a recusa da atuação somente interfere na incidência do art. 265 do CPP (que não foi aplicado no presente caso). A falta de justificativa plausível é motivo para a aplicação da multa, conforme recentemente reafirmou o STJ que “não se verifica ilegalidade na aplicação da multa prevista no
art. 265 do CPP ao advogado que, intimado pessoalmente por duas vezes, deixa de apresentar alegações finais sem justificativa plausível. A superveniente absolvição do cliente (réu) não afasta a aplicação da referida multa, pois a sanção está ligada à atuação do profissional do defensor na condução do processo, independente do mérito da ação penal[3].
Espero que vocês tenham gostado e, sobretudo, entendido!
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] CAMPOS, Gabriel Silveira de Queirós. Princípios do Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 137
[2] RMS 47.680-RR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/10/2021, DJe 11/10/2021.
[3] AgRg nos EDcl nos EDcl no RMS n. 66.353 / RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 9/8/21.