Todos já leram ou ouviram sobre o Conto das Cigarras e das Formigas!
Enquanto as Cigarras apenas cantarolavam, gastando todas as suas reservas sem se preocuparem com o amanhã, as Formigas agiam de modo mais cauteloso, estocando alimentos, com receio do que estaria por vir.
Em meu entendimento, a EC n. 95/2016, intitulada de EMENDA do TETO de GASTOS ou de NOVO REGIME FISCAL, veio, em larga medida, para colocar um freio ao notório crescimento de gastos no âmbito público.
Ora, se pensarmos no orçamento doméstico, logo nos daremos conta de que gastar mais do que se arrecada é uma verdadeira cilada: muito em breve, sofreremos as consequências, ao cortarmos itens que são importantes para a família.
No orçamento público, a coisa não é diferente!
Gastar demasiadamente sem que haja a arrecadação correspondente inevitavelmente gerará déficit, que recairá nas costas do contribuinte!
Foi dentro desse contexto que nasceu a EC n. 95/2016. Ao meu sentir, a providência era necessária, mas se errou na dose (excessiva demais!), pois a medida, como se verá, perdurará por longos vinte anos!
Vou fazer uma análise tendo como preocupação agir da forma mais didática possível e também ficar distante de direcionamentos de cunho político. Aliás, digo sempre que deixo minhas convicções políticas fora da sala de aula – e do estúdio e deste artigo!
Pois bem: se você procurar a EC n. 95/2016, verá que toda ela foi inserida no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT –, que está na parte final da Constituição, após os 250 artigos que a compõem.
Dentro dos artigos 106 a 114 do ADCT, há um emaranhado de regras muitas vezes confusas aos olhos de um ‘cidadão normal’.
Trocando em miúdos, foram estabelecidos limites individualizados para as despesas primárias, que repercutirão, no âmbito da União, sobre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e, ainda, sobre o MPU, DPU, TCU etc.
Ah, os tais limites individualizados equivalerão, para o exercício de 2017, à despesa primária paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos e demais operações que afetam o resultado primário, corrigida em 7,2% (sete inteiros e dois décimos por cento).
A partir daí, nos exercícios posteriores, pega-se o limite relativo ao exercício anterior, corrigido pelo IPCA, índice oficial de inflação divulgado pelo IBGE.
Ou seja, qualquer aumento de despesa fica atrelado à inflação do período anterior.
Em períodos de índices oficiais baixos, como o que vivemos agora, praticamente há uma repetição do orçamento do ano anterior. O problema é que os gastos vinham crescendo em montante bem mais acentuado.
Volto à comparação com o orçamento doméstico…
Embora a providência pareça ser muito lógica, há múltiplas – e fundadas – críticas. Uma delas eu já adiantei algumas linhas atrás: o NOVO REGIME FISCAL tem previsão de durar VINTE ANOS, esquecendo que, nesse período, várias mudanças poderão ocorrer no mundo real.
É possível rediscutir o Regime Fiscal?
Sim, é possível. Contudo, caso não haja promulgação de nova EC alterando o texto vigente, somente após dez anos é que a medida pode ser redimensionada.
Já se disse que a diferença entre o remédio e o veneno está na dose. Mais: falam que “o Diabo mora nos detalhes”.
Pois é, um detalhe sempre lembrado é que o Governo – seja lá de qual partido político for – acaba manipulando artificialmente os índices de inflação, especialmente por meio dos preços por ele controlados.
Dito em outras palavras, pode-se chegar a um índice de inflação bem abaixo da vida real, estrangulando eventuais crescimentos do setor público, mediante “maquiagens nos números”.
Avançando, ouvi muita gente pregar o fim dos concursos públicos!
Cá pra nós, entrei no mundo dos concursos há mais de duas décadas. Desde então, uma coisa nunca falhou: todos os anos surgem as aves de mau agouro trazendo notícias apocalípticas, devastadoras e desalentadoras.
Se você reparar direitinho, verá que normalmente são as mesmas pessoas, os mesmos grupos. Alguns agem na busca por “vender notícia”, estampando as manchetes dos jornais. Outros não, fazem isso pelo bel-prazer de causar insegurança em uma multidão que busca, por meio dos estudos, uma transformação real nas suas vidas.
Talvez você pare aqui e fique se perguntando: “será que esse professor não faz parte do grupo contrário, aquele que sempre encobre a realidade dizendo que está tudo bem mesmo com o Titanic afundando?”
Meu amigo, aprendi desde muito cedo que concursando está longe de ser idiota (fui concursando durante 16 anos de minha vida)!
Tratá-lo como um ignorante é um verdadeiro tiro no pé. Talvez até o espertalhão consiga ludibriar alguns – isso por pouco tempo. No entanto, logo cairá no descrédito.
É por tal razão que gosto de colocar as coisas às claras. Dentro dessa premissa, posso afirmar que A EC N. 95/2016 INEVITAVELMENTE AFETARÁ O MUNDO DOS CONCURSOS PÚBLICOS.
Está bem, posta essa realidade em cena, o que mais nos interessa agora é saber QUAL A EXTENSÃO DO DANO.
Primeira coisa a ser delimitada: a EC em questão incide apenas sobre o ÂMBITO FEDERAL, o que implica dizer que, de imediato, NÃO HÁ REPERCUSSÃO DIRETA SOBRE CONCURSOS ESTADUAIS, DISTRITAIS OU MUNICIPAIS.
Digo que não há repercussão direta porque nada impede que as outras Unidades da Federação sigam o exemplo da União.
Adianto-me para dizer que a criação de novos cargos é o ponto mais preocupante.
Isso porque, num cenário de aperto de gastos com a repetição do orçamento do ano anterior, corrigido apenas pela inflação, via de regra, não haverá espaço para criar novos cargos para o órgão ou entidade.
Agora lembre-se de um detalhe importantíssimo: as dezenas de milhares de vagas hoje existentes não serão extintas e precisarão ser providas!
Está bem, mas, ao contrário do que ouvi de muitas pessoas, a EC NÃO PROÍBE a realização de concursos públicos.
Também pudera! Imagine o estrago que aconteceria se fosse impedida a realização de concursos públicos durante vinte anos… Pense aí na falta de servidores, no sucateamento da máquina estatal…
Os concursos continuarão sendo realizados, no mínimo, para suprir as vagas decorrentes de vacâncias – aposentadorias, exonerações, posses em outros cargos etc.
“Professor, ouvi dizer que, se o Poder Executivo ou qualquer órgão previsto no artigo 107 do ADCT descumprir os limites trazidos pelo NOVO REGIME FISCAL, ficará impedido de realizar concursos públicos. Isso é verdade?”
Antes de responder, peço que você leia o que dispõe o artigo 109 do ADCT:
Art. 109. NO CASO DE DESCUMPRIMENTO de limite individualizado, APLICAM-SE, até o final do exercício de retorno das despesas aos respectivos limites, ao Poder Executivo ou a órgão elencado nos incisos II a V do caput do art. 107 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que o descumpriu, sem prejuízo de outras medidas, AS SEGUINTES VEDAÇÕES:
I – concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal decorrente de atos anteriores à entrada em vigor desta Emenda Constitucional;
II – criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
III – alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
IV – admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios;
V – realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;
VI – criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares;
VII – criação de despesa obrigatória; e
VIII – adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição Federal.
Repare, então, que, mesmo no caso extremo, de descumprimento dos limites, os concursos podem continuar acontecendo normalmente para suprir as vacâncias!
“Professor, mas repare que, no inciso II, fala-se na proibição de criação de novos cargos, empregos ou funções que impliquem aumento de despesa…”
Uai, logo ali em cima, eu já avisei que a criação de cargos seria o ponto mais afetado, não foi? Então, segue o baile…
Mas uma coisa me chama muito a atenção e, para mim, é uma prova de que estão errados os ‘cavaleiros do apocalipse’: a EC n. 95 foi promulgada no ano de 2016. Portanto, há quase dois anos ela já é uma realidade!
Pois é, mas, de lá para cá, nós já vimos uma série de concursos públicos serem lançados, muitos deles na área federal, exatamente aquela que está sendo regulada pelo NOVO REGIME FISCAL.
Quer exemplos? De cabeça, lembro de seleções para a ABIN; para o STJ; TST; TRF1; TRF5; TRE-BA; TRT1; TRT2; TRT15; TRT21; IPHAN etc. Isso sem falar nos concursos da PF e da PRF (autorizado), ambos com 500 vagas.
Fatos tão evidentes não deixam margem a dúvidas acerca de uma constatação: os concursos públicos continuarão sendo realizados, e os candidatos continuarão sendo convocados!
“Professor, por qual razão não foram lançados concursos para o Legislativo Federal ou para o TCU?”
Amigo, acredito que não haja rigorosamente nenhuma relação com a EC em questão.
Ao contrário, a razão é muito mais política, até porque os Chefes do Poder Legislativo estão em meio a um cenário de disputa política e também são alvo de constantes acusações de envolvimento de crimes variados.
Nesse contexto, não é irrazoável dizer que eles estão mais preocupados com outras questões, postergando a realização de seleções para a Casa.
Outra coisa: tem sido comum a preocupação dos candidatos com os números de vagas divulgados quando são lançados os editais.
Realmente, os números têm sido cada vez menores mesmo. No entanto, essa circunstância é facilmente explicada – e nada tem a ver com a Emenda do Teto de Gastos…
É que a orientação pacificada no âmbito do STF e do STJ é no sentido de que candidato aprovado dentro do número de vagas possui direito subjetivo à nomeação.
Ora, lançadas cem vagas, ordinariamente, as cem deverão ser preenchidas, deixando o gestor de mãos amarradas caso surjam outras necessidades a serem supridas naquele período. Em outras palavras, o gestor precisa de liberdade para cuidar do orçamento que está em suas mãos.
Então, nada mais natural do que anunciar a existência de apenas uma, duas ou cinco vagas.
A realidade muda efetivamente é na hora de analisarmos o número de convocados, que não raramente multiplica-se exponencialmente.
A título ilustrativo, cito o concurso de minha atual Casa, o TJDFT – órgão pertencente ao Poder Judiciário da União e atingido diretamente pela EC n. 95/2016: foram anunciadas 80 vagas, mas o número de nomeados foi 762!
Repare você que chegamos a um número de nomeados quase dez vezes maior do que constou no edital de abertura. Ah, é importante dizer que a validade do concurso expirou em abril de 2018 (em meio à nova realidade constitucional) e que, muito em breve, teremos outra seleção aberta.
É isso, meus amigos! Tentei passar as linhas gerais das alterações promovidas no texto constitucional, contextualizando-as com o cenário dos concursos públicos.
Digo e repito: nunca faltarão pessoas para trazer notícias desagradáveis, desastrosas e para tentarem demover você da ideia de alcançar uma melhoria efetiva.
No entanto, cabe a você ter serenidade e inteligência emocional para separar o joio do trigo, deixando de lado o que dizem essas aves de mau agouro!
Despeço-me pedindo para que você siga firme nos estudos e desejando que em breve chegue a aprovação tão esperada!
O que mudou minha vida também pode mudar a sua!
Professor Aragonê Fernandes
Juiz de Direito do TJDF; ex-Promotor de Justiça do MPDF; ex-Assessor de Ministros do STJ; ex-Analista do STF; aprovado em vários concursos públicos. Professor de Direito Constitucional em variados cursos preparatórios para concursos.