Iniciemos com o caso concreto que reavivou a discussão acerca da prescrição de direitos difusos e coletivos na esfera trabalhista.
Nos primeiros dias de fevereiro do corrente ano, assistimos ao julgamento, pela SDI-1 do TST, do E-ED-RR-2302-73.2014.5.17.0014. O julgamento foi suspenso, mas, por maioria, o TST entendeu, em síntese, que se aplica às ações coletivas o prazo prescricional de 05 (cinco) anos, previsto no art. 21, da Lei n.º 4.717/65 (Lei da Ação Popular). O caso concreto trazia como pedidos principais a prática de ato antissindical e o pedido de dano moral coletivo, pretensões nitidamente coletivas.
Como de se esperar houve certa perplexidade com o teor de tal decisão, não somente porque será apta a formar um precedente obrigatório (art. 927, CPC), com todos os consectários que isso acarreta, mas, especialmente, pelo seu conteúdo que contrariou a doutrina especializada e majoritária sobre o assunto.
Vários são os argumentos que amparam a tese da imprescritibilidade dos direitos difusos e coletivos.
A prescrição corresponde à perda da faculdade de requerer em juízo a observância de uma obrigação, pela inércia de seu titular, durante um lapso previsto em lei. O direito permanece preservado, mas destituído de exigibilidade.
O primeiro argumento, e que parece ser o principal, é que não pode ser imputada aos titulares dos direitos difusos e coletivos qualquer inércia quanto à sua iniciativa, afinal, eles não podem atuar diretamente, dependendo, para a defesa de tais interesses, da atuação de entes intermediários, eleitos pela lei como legitimados autônomos à condução do processo (art. 5º, Lei n.º 7.347/85 e art. 82, Lei n.º 8.078/90).
No mesmo sentido, o entendimento de Raimundo Simão de Melo (2009, p. 183), o qual afirma que os direitos difusos e coletivos: (..) pertencem às pessoas indeterminadas ou apenas determináveis no seio da sociedade, tendo como características marcantes a indivisibilidade, a indisponibilidade, a essencialidade e a ausência de conteúdo econômico.
Outros doutrinadores de escol, como Carlos Henrique Bezerra Leite, Vera Regina Loureiro Winter e Francisco Antônio de Oliveira, também compartilham do mesmo entendimento. Por todos, vale citar PEDRA ao explicitar o referido instituto quanto aos interesses difusos e coletivos em sentido estrito:
Dessa forma, se é necessário que haja a inércia do titular bem como decurso do tempo para que haja prescrição e decadência, no que concerne aos interesses e direitos difusos e coletivos, o titular do direito não age porque é indolente, mas sim porque não é possível que ele tome alguma providência. Assim, se a falta de exercício do direito não pode ser atribuída à inércia do titular, não se pode falar nestes institutos (2005, p. 137).
Outrossim, aceitar a prescrição implicaria admitir, por vias transversas, que o legitimado ativo coletivo pudesse dispor de tais direitos, o que ocorreria por meio do seu não agir, o que poderia, inclusive, abrir as portas para conluios entre os legitimados ativos coletivos e o ofensor.
Há ainda o argumento no sentido de que não existe no ordenamento jurídico prazo prescricional para os direitos difusos e coletivos – tirando obviamente o malfadado art. 21 da Lei n.º 4.717/65, o qual, na visão da doutrina especializada, não teria sido recepcionado pela Constituição Coragem, cujo art. 37, § 5º, é expresso a respeito da imprescritibilidade da pretensão decorrente dos danos causados ao erário.
Oportuno salientar que a imprescritibilidade de direitos difusos e coletivos não seria um ponto fora da curva e, portanto, algo totalmente discrepante na ordem jurídica. Isso porque existem casos de imprescritibilidade, como, por exemplo, as ações declaratórias e outras várias hipóteses de impedimento de prescrição, justamente quando o titular se encontra impossibilitado de agir para promover em juízo a defesa do direito violado (arts. 197 a 201, CC).
A favor da tese da imprescritibilidade dos direitos difusos e coletivos, o RO nº 0258900-71.2007.5.08.0107, oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. DIREITOS METAINDIVIDUAIS. IMPRESCRITIBILIDADE. Não há como se reconhecer a prescritibilidade dos direitos coletivos, uma vez que, não sendo possível a sua tutela individual, os seus titulares ficam a depender da atuação dos legitimados extraordinários, não podendo arcar com o ônus da inércia ou mesmo da atuação retardada desses. Em face das particularidades e especificidades dos direitos metaindividuais, a pretensão relativa a direitos e interesses difusos e coletivos (sejam esses disponíveis e indisponíveis) é imprescritível [destacou-se]. O dano ao meio ambiente de trabalho é permanente, contínuo, renovando-se diariamente. Embora seja passível de valoração, para efeito indenizatório, o direito de todos a um meio ambiente sadio não é patrimonial, tratando-se de direito fundamental, indisponível, comum a todos os trabalhadores, não se submetendo à prescrição, segundo a jurisprudência e a doutrina mais abalizada. Precedentes do colendo TST e da egrégia Turma.
O Tribunal Superior do Trabalho, por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº 47640-86.2006.5.13.0006, já decidiu pela inaplicabilidade da prescrição quanto aos interesses de natureza difusa e coletiva:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO MORAL COLETIVO – PRESCRIÇÃO. Por não conterem conteúdo pecuniário, os direitos difusos e coletivos dos trabalhadores não estão sujeitos à prescrição [destacou-se].
É chegado o momento de pedir desculpas ao leitor, por dois motivos. O primeiro deles é que o tema é demais complexo e não se compraz a um único artigo. Embora não se tenha qualquer pretensão de esgotar o assunto, o que seria próprio de uma obra monográfica, para se apresentar o tema de modo minimamente responsável, deve-se realizar uma revisão, ainda que perfunctória, conceitual, doutrinária e jurisprudencial, razão pela qual este texto será decomposto em uma breve série de arrazoados conectados entre si.
A segunda razão é o encerramento abrupto do texto, sem sequer uma cláusula de encerramento, somente com a promessa de continuidade! Até breve!