(Flávio Daher – Delegado de Polícia Federal)
No ponto destacamentos o dispositivo que está em discussão com a prisão. Nos pontos 2 e 3 elencamos os argumentos do pedido da PGR. Nos pontos 4 e 5 comentários sobre o conteúdo da decisão e sobre qual o instituto prisional verificado.
Ponto 01- BALIZA CONSTITUCIONAL
Garantia Parlamentar Formal – Imunidade Prisional: parlamentar não pode ser preso
Ressalvas: Flagrante Inafiançável – art. 53 §1º da CF e condenação definitiva ( ressalva jurisprudencial, STF, mas não está no texto da CF)
Ponto 02 – Regra Constitucional sobre Imunidade Formal para o Processo
Antes EC 35/01: regra – suspensão do processo; exceção: tramitação do processo |
Depois EC 35/01: regra – tramitação do processo; exceção: tramitação do processo |
A regra de Imunidade Prisional que vedava completamente as demais prisões cautelares tinham lógica antes da EC 35/01 – Se o parlamentar não vai responder ao processo não é lógico que fique submetido as cautelares pessoais do processo
Após a EC 35/01 é ilógico que o parlamentar responda ao processo, mas se mantenha imune as cautelares pessoais, desdobramentos instrumentais do procedimento em seara penal.
Ponto 03 – Legislação infraconstitucional como parâmetro para o Poder Constituinte Derivado e Interpretação da Constituição (necessidade de adaptar o entendimento da Constituição às mudanças da lei infraconstitucional)
A CF apesar de modificar o entendimento quanto a tramitação do processo não mudou o entendimento quanto à excepcionalidade da prisão cautelar contra o congressista.
No entanto o instituto da inafiançabilidade em 2001 era bem mais amplo do que nos dias de hoje. Eram por exemplo inafiançáveis todas as infrações com pena mínima superior a dois anos, ou infrações punidas com reclusão em crimes cometidos com violência ou grave ameaça a pessoa e na maior partes das situações de reincidência (vide antigo 323 do CPP). A fiança caminhava para sua extinção. A lei 12.403/2011 revigorou o instituto da fiança. Hoje somente as menções constitucionais à inafiançabilidade permanecem. O cabimento da prisão em flagrante nos moldes constitucionais tinha em 2001 um espectro bem mais amplo do que o de hoje.
Quando da promulgação da Constituição o estágio incipiente da democracia brasileira tornava necessário a existência de um estatuto dos parlamentares com garantias máximas. Esse não é mais o cenário, uma vez que o país já conta com 27 anos de maturidade democrática. Logo o correto são as salvaguardas parlamentares diminuírem (como acontece nos demais países com democracias mais antigas), e não aumentarem (como foi o que aconteceu com a prisão em flagrante por crime inafiançável, uma vez que o instituto da inafiançabilidade praticamente desapareceu).
Logo a interpretação sobre prisões cautelares e garantia parlamentares deve procurar abranger as hipóteses de incidência cabíveis à época do início da vigência EC/01. Apesar das nomenclaturas distintas, o que pode sugerir uma vedação expressa, o que estava consignado em 2001 era o cabimento da prisão cautelar (porque o flagrante era cautelar) quando houvesse: 1) certeza probatória e 2) gravidade do fato investigado.
Ponto 04 – Enquadramento da situação fática
O crime em que o Senador Amaral foi incurso fora o do art. 2º da lei 12.850/13 (Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa) um delito permanente e que portanto permite a prisão em flagrante a qualquer momento.
O crime, no entanto é afiançável o que tornaria a hipótese imprópria para enquadramento na exceção permitida no §2º do art. 53 da CF. Para solucionar o problema a questão da obstrução do processo foi erigida a suporte fático ensejador da prisão preventiva (uma vez que é inconveniente para a instrução criminal manter solto quem obstrui a investigação). Assim foi possível caracterizar a inafiançabilidade a partir do regra contida no inciso IV do art. 323 do CPP: “Não será concedida fiança quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva”.
Resta óbvio que não se trata de crime “essencialmente inafiançável” (crimes de racismo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos ou cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático) e sim hipótese contingente de inafiançabilidade (quebra anterior da fiança ou cabimento da preventiva). No entanto é de se questionar se essa hipótese contingente de inafiançabilidade caberia para indivíduo imune à essa forma de prisão: posso tornar inafiançável afirmando pela presença de prisão cautelar incabível no caso? Pode-se dizer que a lei fala em motivos que autorizam a preventiva e não em pessoas.
Ponto 05 – Prisão em flagrante ou preventiva?
O pedido da PGR foi expresso: prisão preventiva. A decisão do Ministro TEORI se esforçou em demonstrar a presença de crime permanente, autorizador do flagrante, e da situação de inafiançabilidade (controversa como vimos). E ao final autorizou a “prisão cautelar”, sem dizer qual era. No entanto a hipótese não pode ser outra que não a prisão preventiva. Apesar da negativa expressa da CF em relação a possibilidade de preventiva para parlamentares devemos interpretar a Constituição de acordo com a lei infraconstitucional. E a partir da lei 12430/11, pela redação do art. 310 do CPP é inequívoca – após o flagrante teremos apenas 3 opções: 1) Relaxamento pela ilegalidade da prisão; 2) Liberdade provisória pelo não cabimento da preventiva; 3) Conversão do Flagrante em Preventiva. Apenas a terceira situação autoriza o que veio a seguir que foi a manutenção do cárcere. Se inicialmente a prisão era uma situação flagrancial a sua manutenção não mais assim a caracteriza. É evidente que se evita abertamente afirmar que se trata de prisão preventiva, mas se o legislador em 2001, com a lei 12430 quis extirpar da lei as situações de manutenção da prisão apenas pelo flagrante, desvinculada de qualquer demanda cautelar, somos levados a crer que a prisão ora comentada não pode ser outra que não a prisão preventiva.
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Flávio Daher é Delegado de Polícia Federal lotado na DELEFIN/SR/DPF/DF, Mestre em Direito Constitucional e Doutorando em Direito Penal. Professor de Cursos Preparatórios e Pós Graduação em todo Brasil. Palestrante do IBCCRIM.
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