Em uma sequência de artigos, visando a prova de primeira fase do Ministério Público Militar, discutiremos a aplicação da pena nos crimes militares ambientais. O tema, embora seja matizado nas Leis 13.481/2017 e 9.605/1998 tem importância que transcende os crimes ambientais, porquanto o raciocínio pode ser aplicado em outros tipos de crimes militares extravagantes, portanto, importante tema para o concurso.
1. Primeira fase: pena-base:
A rigor, segue-se no crime militar ambiental o critério trifásico com a inauguração pela circunstâncias judiciais do art. 69 do CPM:
Art. 69. Para fixação da pena privativa de liberdade, o juiz aprecia a gravidade do crime praticado e a personalidade do réu, devendo ter em conta a intensidade do dolo ou grau da culpa, a maior ou menor extensão do dano ou perigo de dano, os meios empregados, o modo de execução, os motivos determinantes, as circunstâncias de tempo e lugar, os antecedentes do réu e sua atitude de insensibilidade, indiferença ou arrependimento após o crime.
Ocorre que no art. 6º da LCA existem circunstâncias que também devem ser ponderadas em primeira fase, mas que não são apenas judiciais, ou seja, consideradas para a pena criminal, mas também na imposição das sanções administrativas dos arts. 70 a 76 da mencionada Lei, já que se referem à “autoridade competente”[1]. Assim dispõe o artigo:
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Não enxergamos que o art. 6º da LCA deva ser aplicado de maneira excludente ao art. 69 do CPM (ou art. 59 do CP, quando se estiver diante de um crime não militar), mas deve haver, repita-se, uma complementação dos dispositivos na fixação da pena base, com a prevalência das circunstâncias do art. 6º da LCA, até mesmo pela interpretação literal, em crime não militar, ou teleológica, em crime militar ambiental, do art. 79 da Lei n. 9.606/1998: “Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal”.
Exemplificativamente, o art. 69 do Código Penal Militar determina a valoração como circunstância judicial da maior ou menor extensão do dano causado pelo delito, mas, em se tratando de crime militar ambiental, obviamente, essa circunstância estará conjugada com as consequências mais danosas ao meio ambiente, conforme o inciso I do art. 6º da LCA, obviamente, se esta circunstância não merecer valoração posterior como majorante ou mesmo não se prestar a qualificar o delito, sob pena de bis in idem.
No que concerne aos antecedentes ambientais, tem-se admitido que a existência de inquéritos policiais podem levar à constatação de antecedentes de cunho ambientais, embora contrária a visão do STJ no HC n. 218.037/SC, rel. Min. Jorge Mussi, j. 18/03/2014.
Na mesma Corte, tem-se por conceito de maus antecedentes “não apenas as condenações definitivas por fatos anteriores cujo trânsito em julgado ocorreu antes da prática do delito em apuração, mas também aquelas transitadas em julgado no curso da respectiva ação penal, além das condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos, as quais também não induzem reincidência, mas servem como maus antecedentes” (HC n. 356.084/SP, rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 10/11/2016).
Finalmente, o inciso III dispõe uma relação que busca atender ao critério de proporcionalidade, mas que se torna desnecessário, já que o art. 18 da LCA comanda a aplicação do CP no caso de aplicação da pena de multa o qual, por sua vez, no art. 60, comanda que o juiz deve considerar a situação econômica do réu.
2. Segunda fase: pena-alterada:
Temos, neste ponto, que enfrentar dois problemas no que concerne às circunstâncias agravantes e atenuantes.
O primeiro diz respeito ao Direito Penal comum e militar e o segundo apenas ao Direito Militar. Para tanto, dividiremos a explanação deste tópico nas circunstâncias atenuantes e agravantes.
O primeiro problema a ser enfrentado está na constatação de que a LCA possui circunstâncias atenuantes próprias (art. 14), diversas daquelas do CP, no art. 65, e no CPM, no art. 72, e, diante disso, se aplicaríamos apenas as da LCA ou poderíamos mesclar, trazendo atenuantes também do CP ou do Código Pena Militar.
Vejamos os dispositivos, primeiro na Lei dos Crimes Ambientais:
Art. 14. São circunstâncias que atenuam a pena:
I – baixo grau de instrução ou escolaridade do agente;
II – arrependimento do infrator, manifestado pela espontânea reparação do dano, ou limitação significativa da degradação ambiental causada;
III – comunicação prévia pelo agente do perigo iminente de degradação ambiental;
IV – colaboração com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental.
Agora no CP:
Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I – ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença;
II – o desconhecimento da lei;
III – ter o agente:
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.
Art. 66 – A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.
Finalmente, no CPM:
Art. 72. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I – ser o agente menor de vinte e um ou maior de setenta anos;
II – ser meritório seu comportamento anterior;
III – ter o agente:
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
c) cometido o crime sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime, ignorada ou imputada a outrem;
e) sofrido tratamento com rigor não permitido em lei. Não atendimento de atenuantes
Parágrafo único. Nos crimes em que a pena máxima cominada é de morte, ao juiz é facultado atender, ou não, às circunstâncias atenuantes enumeradas no artigo.
Para responder, seguimos a doutrina Kurkowski, segundo quem, por “autorização do art. 79, as atenuantes previstas no Código Penal, especialmente a do art. 66 do CP, também incidem sobre os crimes tipificados na LCA. Aplica-se, todavia, o princípio da especialidade a fim de impedir que a mesma circunstância atenue a pena mais de uma vez” [2].
Na mesma linha, não vemos óbice em admitir que além das atenuantes do art. 14 da LCA e do art. 72 do CPM, desde que não haja uma dupla atenuação. Por exemplo, perfeitamente possível atenuar a pena-base pelo baixo grau de escolaridade do agente (art. 14, I, da LCA) e pelo fato de o agente ser maior de 70 anos (art. 72, I, do CPM).
A propósito do art. 66 do CP, uma observação deve ser feita. Já se discutiu a possibilidade de aplicação subsidiária desse dispositivo do Direito Castrense, admitindo atenuante inominada, o que favorece, inclusive, a consideração de possibilidades de atenuação não expressamente previstas em lei (STM, APELAÇÃO N.º 0000043-76.2016.7.10.0010, rel. Min. Péricles Aurélio Lima de Queiros, j. 02/10/2018), não havendo razão para, em matéria de atenuação, se negar a mescla da LCA com o CPM, em uma interpretação favor rei.
A segunda discussão sobre as atenuantes está no quantum de atenuação, pois, bem se sabe que o CP não traz parâmetro para a redução das circunstâncias atenuantes, enquanto o CPM, por outro lado, traz a genérica fórmula do art. 73, segundo a qual “Quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena sem mencionar o quantum , deve o juiz fixá-lo entre um quinto e um terço, guardados os limites da pena cominada ao crime”.
Em se tratando de crime militar ambiental, sugere-se seguir esta fórmula, mesmo com a aplicação de circunstância atenuante trazida pela LCA, em face da expressa previsão no Código Castrense, respeitando-se o limite da pena mínima estabelecida no preceito secundário, que não pode ser vencido com a incidência das atenuantes, pela disposição do próprio art. 58 do CPM e pelo enunciado da Súmula 231 do STJ (“A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”), reconhecidamente aplicada na jurisprudência do Superior Tribunal Militar (APELAÇÃO N.º 7000771-65.2020.7.00.0000, rel. Min. Marco Antônio de Farias, j. 12/08/2021).
Ainda na formação da pena alterada, em segunda fase, os dois pontos acima devem ser enfrentados no caso das circunstâncias agravantes.
Vamos, antes, aos dispositivos, primeiro, da LCA:
Art. 15. São circunstâncias que agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
I – reincidência nos crimes de natureza ambiental;
II – ter o agente cometido a infração:
a) para obter vantagem pecuniária;
b) coagindo outrem para a execução material da infração;
c) afetando ou expondo a perigo, de maneira grave, a saúde pública ou o meio ambiente;
d) concorrendo para danos à propriedade alheia;
e) atingindo áreas de unidades de conservação ou áreas sujeitas, por ato do Poder Público, a regime especial de uso;
f) atingindo áreas urbanas ou quaisquer assentamentos humanos;
g) em período de defeso à fauna;
h) em domingos ou feriados;
i) à noite;
j) em épocas de seca ou inundações;
l) no interior do espaço territorial especialmente protegido;
m) com o emprego de métodos cruéis para abate ou captura de animais;
n) mediante fraude ou abuso de confiança;
o) mediante abuso do direito de licença, permissão ou autorização ambiental;
p) no interesse de pessoa jurídica mantida, total ou parcialmente, por verbas públicas ou beneficiada por incentivos fiscais;
q) atingindo espécies ameaçadas, listadas em relatórios oficiais das autoridades competentes;
r) facilitada por funcionário público no exercício de suas funções.
No CP:
Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
I – a reincidência;
II – ter o agente cometido o crime:
a) por motivo fútil ou torpe;
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;
d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;
e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;
g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;
h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida;
i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;
j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido;
l) em estado de embriaguez preordenada.
Finalmente, o CPM:
Art. 70. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não integrantes ou qualificativas do crime:
I – a reincidência;
II – ter o agente cometido o crime:
a) por motivo fútil ou torpe;
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
c) depois de embriagar-se, salvo se a embriaguez decorre de caso fortuito, engano ou força maior;
d) à traição, de emboscada, com surpresa, ou mediante outro recurso insidioso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima;
e) com o emprego de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo, ou qualquer outro meio dissimulado ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;
f) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;
h) contra criança, velho ou enfermo;
i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;
j) em ocasião de incêndio, naufrágio, encalhe, alagamento, inundação, ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido;
l) estando de serviço;
m) com emprego de arma, material ou instrumento de serviço, para esse fim procurado;
n) em auditório da Justiça Militar ou local onde tenha sede a sua administração;
o) em país estrangeiro.
Parágrafo único. As circunstâncias das letras c , salvo no caso de embriaguez preordenada, l , m e o , só agravam o crime quando praticado por militar.
Enfrentando os dois problemas, iniciemos pelo quantum de agravação, pois entendemos adequado aplicar a mesma fórmula do art. 73 do Código Penal Militar, como fizemos nas circunstâncias atenuantes, em se tratando de crime militar ambiental, sem, obviamente, extrapolar o limite máximo da pena fixada no preceito secundário do crime.
Já no que concerne à possibilidade de mescla de circunstâncias agravantes da LCA com as do Código Penal Militar (ou comum, quando crime não militar), há dois posicionamentos, primeiro o de Luiz Flávio Gomes e de Silvio Maciel, em sentido contrário reconhecendo que o traslado sistêmico seria verdadeira analogia in malam partem[3]. De outro, entretanto, há a posição doutrinária favorável a essa mescla, com base no disposto no art. 79 da LCA, que traz a aplicação subsidiária do Código Penal comum:
A aplicação subsidiária das agravantes previstas no Código Penal não é pacífica. Enquanto Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel são contrários, sob o argumento da proibição da analogia in malam partem, Dino Fiorillo e Nucci são favoráveis, com base na subsidiariedade prevista no art. 79. Afigura-se correto esse último posicionamento, já que a incidência das agravantes previstas no Código Penal aos crimes tipificados na LCA não resulta de analogia a qual pressupõe omissão não intencional do legislador, mas de subsidiariedade expressa que foi prevista no art. 79. Possível a aplicação subsidiária do Código Penal, então, deve ser observada a especialidade das agravantes previstas na LCA que têm identidade com as previstas no Código Penal[4].
Trasladando a visão, com a qual concordamos, para o CPM, ao analisar um crime militar ambiental seria possível considerar como circunstância agravante o fato de um militar estar embriagado (art. 72, II, “c”, CPM) e de ter praticado o fato à noite (art. 15, II, “i”, LCA).
Claro, como vimos defendendo, no confronto de dispositivos, como o conceito de reincidência, há de prevalecer, naquela análise por níveis de “eclusa”, a norma mais específica, ou seja, o conceito do art. 15, I, da LCA.
No próximo artigo, discutiremos a terceira fase de aplicação da pena e outros pontos relevantes para sua fixação.
[1] Cf. KURKOWSKI, Rafael Schwez. Coord. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; SOUZA, Renee do Ó. Leis penais especiais comentadas artigo por artigo. Salvador: Juspodivum, 2018, p. 1206.
[2] KURKOWSKI, Rafael Schwez. Coord. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; SOUZA, Renee do Ó. Leis penais especiais comentadas artigo por artigo. Salvador: Juspodivum, 2018, p. 1210.
[3] GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio Luiz. Lei de crimes ambientais: comentários à Lei n. 9.605/1998. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.. 59.
[4] KURKOWSKI, Rafael Schwez. Coord. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; SOUZA, Renee do Ó. Leis penais especiais comentadas artigo por artigo. Salvador: Juspodivum, 2018, p. 1210.