Hoje falaremos de um tema que é cobrado para todos os cargos: a saúde mental, mais precisamente a contextualização histórica da reforma psiquiátrica – um dos marcos na construção das políticas de saúde. No final, inseri algumas questões. Vamos lá?
Segundo Brasil (2005), o início do processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil é contemporâneo da eclosão do “movimento sanitário”, nos anos 70, em favor da mudança dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, defesa da saúde coletiva, equidade na oferta dos serviços e protagonismo dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde nos processos de gestão e produção de tecnologias de cuidado.
Embora contemporâneo da Reforma Sanitária, o processo de Reforma Psiquiátrica brasileira tem uma história própria, inscrita em um contexto internacional de mudanças pela superação da violência asilar. Fundado, ao final dos anos 70, na crise do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico, por um lado, e na eclosão, por outro, dos esforços dos movimentos sociais pelos direitos dos pacientes psiquiátricos, o processo da Reforma Psiquiátrica brasileira é maior do que a sanção de novas leis e normas e do que o conjunto de mudanças nas políticas governamentais e nos serviços de saúde.
Brasil (2005) traz o seguinte conceito para a Reforma Psiquiátrica:
A Reforma Psiquiátrica é processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e de seus familiares, nos movimentos sociais, e nos territórios do imaginário social e da opinião pública. Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios.
1.1 Histórico da Reforma Psiquiátrica
Neste item, trarei de forma breve, de acordo com a divisão de Brasil (2005), os períodos da Reforma psiquiátrica.
- Período de 1978 a 1991 – Crítica do modelo hospitalocêntrico
- O ano de 1978 costuma ser identificado como o de início efetivo do movimento social pelos direitos dos pacientes psiquiátricos em nosso país.
- O Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), movimento plural formado por trabalhadores integrantes do movimento sanitário, associações de familiares, sindicalistas, membros de associações de profissionais e pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas, surge nesse ano.
É, sobretudo, esse movimento, mediante variados campos de luta, que passa a protagonizar, a partir desse período, a denúncia da violência dos manicômios, da mercantilização da loucura, da hegemonia de uma rede privada de assistência e a construir coletivamente uma crítica ao chamado saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico na assistência às pessoas com transtornos mentais.
- Passam a surgir as primeiras propostas e ações para a reorientação da assistência. O II Congresso Nacional do MTSM (Bauru, SP), em 1987, adota o lema “Por uma sociedade sem manicômios”. Nesse mesmo ano, é realizada a I Conferência Nacional de Saúde Mental (Rio de Janeiro).
- Nesse período, são de especial importância o surgimento do primeiro CAPS no Brasil, na cidade de São Paulo, em 1987, e o início de um processo de intervenção, em 1989, da Secretaria Municipal de Saúde de Santos (SP) em um hospital psiquiátrico, a Casa de Saúde Anchieta, local de maus-tratos e mortes de pacientes. Foi essa intervenção, com repercussão nacional, que demonstrou de forma inequívoca a possibilidade de construção de uma rede de cuidados efetivamente substitutiva ao hospital psiquiátrico.
- Também no ano de 1989, dá-se entrada, no Congresso Nacional, no Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país.
- É o início das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e normativo. Com a Constituição de 1988, é criado o SUS – Sistema Único de Saúde, formado pela articulação entre as gestões federal, estadual e municipal, sob o poder de controle social, exercido por meio dos “Conselhos Comunitários de Saúde”.
Período de 1992 a 2000 – Começa a implantação da rede extra-hospitalar
- A partir do ano de 1992, os movimentos sociais, inspirados pelo Projeto de Lei Paulo Delgado, conseguem aprovar, em vários estados brasileiros, as primeiras leis que determinam a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental. É a partir desse período que a política do Ministério da Saúde para a saúde mental, acompanhando as diretrizes em construção da Reforma Psiquiátrica, começa a ganhar contornos mais definidos.
- É na década de 90, marcada pelo compromisso firmado pelo Brasil na assinatura da Declaração de Caracas e pela realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental, que passam a entrar em vigor no país as primeiras normas federais regulamentando a implantação de serviços de atenção diária, fundadas nas experiências dos primeiros CAPS, NAPS e Hospitais-dia, e as primeiras normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos. Nesse período, o processo de expansão dos CAPS e NAPS é descontínuo. As novas normatizações do Ministério da Saúde, de 1992, embora regulamentassem os novos serviços de atenção diária, não instituíam uma linha específica de financiamento para os CAPS e NAPS.
Período de 2001-2005 – A Reforma Psiquiátrica depois da Lei Nacional
É somente no ano de 2001, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, que a Lei Paulo Delgado é sancionada no país. A aprovação, no entanto, é de um substitutivo do Projeto de Lei original, que traz modificações importantes no texto normativo. Assim, a Lei Federal n. 10.216/2001 redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária, e dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, mas não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios. Ainda assim, a promulgação da Lei n. 10.216/2001 impõe novo impulso e novo ritmo para o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil.
- É no contexto da promulgação da Lei n. 10.216/2001 e da realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental que a política de saúde mental do governo federal, alinhada com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica, passa a consolidar-se, ganhando maior sustentação e visibilidade.
- A partir desse ponto, a rede de atenção diária à saúde mental experimenta uma importante expansão, passando a alcançar regiões de grande tradição hospitalar, onde a assistência comunitária em saúde mental era praticamente inexistente. Nesse mesmo período, o processo de desinstitucionalização de pessoas longamente internadas é impulsionado, com a criação do Programa “De Volta para Casa”.
- A partir desse ponto, a rede de atenção diária à saúde mental experimenta uma importante expansão, passando a alcançar regiões de grande tradição hospitalar, onde a assistência comunitária em saúde mental era praticamente inexistente. Nesse mesmo período, o processo de desinstitucionalização de pessoas longamente internadas é impulsionado, com a criação do Programa “De Volta para Casa”.
- Uma política de recursos humanos para a Reforma Psiquiátrica é construída, e é traçada a política para a questão do álcool e de outras drogas, incorporando a estratégia de redução de danos.
- Realiza-se, em 2004, o primeiro Congresso Brasileiro de Centros de Atenção Psicossocial, em São Paulo, reunindo dois mil trabalhadores e usuários de CAPS. Esse processo caracteriza-se por ações dos governos federal, estadual, municipal e dos movimentos sociais, a fim de efetivar a construção da transição de um modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico para um modelo de atenção comunitário.
- O período atual caracteriza-se assim por dois movimentos simultâneos:
- a construção de uma rede de atenção à saúde mental substitutiva ao modelo centrado na internação hospitalar, por um lado, e
- a fiscalização e redução progressiva e programada dos leitos psiquiátricos existentes, por outro.
É nesse período que a Reforma Psiquiátrica se consolida como política oficial do Governo Federal. Existem em funcionamento hoje, no país, 689 Centros de Atenção Psicossocial, e, ao final de 2004, os recursos gastos com os hospitais psiquiátricos passaram a representar cerca de 64% do total dos recursos do Ministério da Saúde para a saúde mental.
Vamos treinar?
- (CESPE/FUB/2013) Acerca da reforma psiquiátrica, julgue o item que se segue.
O processo de reforma psiquiátrica brasileira tem uma história inteiramente atrelada à reforma sanitária, pois ambas previam, desde o início, mecanismos claros para a extinção dos manicômios.
- Certa
- Errada
Comentários: De início, a reforma psiquiátrica tinha o objetivo de extinguir os manicômios, enquanto a reforma sanitária objetivava a luta pela garantia do direito universal à saúde e a construção de um sistema único e estatal de serviços.
Gabarito: B
- (FCC/TRE-AMP/2010) O Programa de Inclusão Social pelo Trabalho para portadores de transtornos mentais ou com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas vem sendo desenvolvido principalmente após a
- a) reforma agrária.
- b) reforma social.
- c) reforma psiquiátrica.
- d) mudança modular psiquiátrica.
- e) mudança social e agrária.
Comentários: Após a Lei n. 10.216/2001, uma política de recursos humanos para a Reforma Psiquiátrica é construída, e é traçada a política para a questão do álcool e de outras drogas, incorporando a estratégia de redução de danos.
Gabarito: C
- (CESPE/FUB/2013) Acerca da reforma psiquiátrica, julgue o item que se segue
A reforma psiquiátrica preconiza a criação de ambulatórios de especialidades por ser um serviço de saúde que concentra poucos recursos, tem ampla cobertura e garante a acessibilidade.
(A)Certa
(B)Errada
Comentários: A proposta da Reforma foi a extinção dos manicômios e a assistência comunitária, com criação de espaços que concentrassem recursos suficientes para garantir a integralidade do cuidado.
Gabarito: B
Espero ter ajudado.
Vamos que vamos!
Professora Natale Souza
Mestre em Saúde Coletiva pela UEFS. Servidora pública da Prefeitura Municipal de Salvador. Coach, Mentora, Consultora e Professora na área de Concursos Públicos e Residências. Graduada pela UEFS em 1998, pós-graduada em Gestão em Saúde, Saúde Pública, Urgência e Emergência, Auditoria de Sistemas, Enfermagem do Trabalho e Direito Sanitário. Autora de 02 livros – e mais 03 em processo de revisão: – Legislação do SUS – vídeo livro ( Editora Concursos Psi); Legislação do SUS – Comentada e esquematizada ( Editora Sanar). Aprovada em 16 concurso e seleções públicas (nacionais e internacionais) dentre elas: – Programa de Interiorização dos Profissionais de Saúde – MS – lotada em MG; – Consultora do Programa Nacional de Controle da Dengue (OPAS), lotada em Brasília; – Consultora Internacional do Programa Melhoria da Qualidade em Saúde pelo Banco Mundial, lotada em Brasília; – Governo do estado da Bahia – SESAB – urgência e emergência; – Prefeitura Municipal de Aracaju; – Prefeitura Municipal de Salvador; – Professora da Universidade Federal de Sergipe UFS; – Governo do Estado de Sergipe (SAMU); – Educadora em Saúde mental /FIOCRUZ- lotada Rio de Janeiro.
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