Particularmente, tenho grande simpatia pela nota técnica que analisaremos em seguida, isso em razão de sua horizontalidade, alcançando toda a gama de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros que, tal como eu, possui responsabilidades familiares e, neste momento, está envolvida na hercúlea tarefa de conciliar os afazeres domésticos, especialmente o cuidado com os filhos, com o trabalho.
A premissa da NOTA TÉCNICA CONJUNTA 03/2020 –PGT/COORDIGUALDADE/CODEMAT/CONAP é justamente essa: invocando a Convenção 156 da OIT, instrumento não ratificado pelo Brasil, mas que tem o condão de orientar a formulação de políticas públicas e a tomada de decisões, recomenda aos empregadores em geral que tenham atenção especial ao momento ímpar que vivenciamos, levando em consideração as responsabilidades familiares das trabalhadoras e trabalhadores para a adaptação do processo produtivo.
Algo que lembra a conhecida acomodação razoável, como uma obrigação imposta ao empregador para colocar fim a qualquer situação de discriminação baseada em deficiência, religião, idade ou qualquer outro motivo, ou mesmo o conceito normativo constante no art. 2º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência:
Adaptação razoável significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.
Mas passemos a expor as principais medidas preconizadas na referida Nota Técnica. A primeira e mais relevante é a recomendação às empresas, órgãos públicos, pessoas dos empregadores, sindicatos patronais e profissionais, de todos os setores econômicos ou entidades sem fins lucrativos que garantam a todas as trabalhadoras e todos os trabalhadores com encargos familiares (com filhas ou filhos, pessoas idosas ou com deficiência, pessoas com doenças crônicas que podem ter seu quadro agravado pelo COVID-19, dela dependentes), gestantes, pessoas idosas ou com deficiência o direito a realizar as suas atividades laborais preferencialmente de modo remoto, por equipamentos e sistemas informatizados, isto é, consagra-se a instituição do teletrabalho, posteriormente regulamentado de modo excepcional para o estado atual de calamidade pública pela MP 927/2020.
Outra adaptação preconizada refere-se à flexibilidade de jornada quando serviços de transporte, creches, escolas, dentre outros, não estejam em funcionamento regular, bem como para que os trabalhadores atendam familiares doentes ou em situação de vulnerabilidade à infecção pelo coronavírus, e obedeçam a quarentena e demais orientações dos serviços de saúde, observado o princípio da irredutibilidade salarial.
Novamente, enfatiza-se a necessidade de observância dos planos de contingência e de reorganização da atividade empresarial, caso a prestação de serviços se realizar na modalidade presencial, prevendo: banco de horas, antecipação das férias, ou medidas negociadas similares, de modo a favorecer preferencialmente trabalhadoras e trabalhadores com encargos familiares, gestantes, pessoas idosas ou com deficiência. Além disso, prevê medidas como
permitir a ausência no trabalho, organizar o processo de trabalho para aumentar a distância entre as pessoas e reduzir a força de trabalho necessária, observado o princípio da irredutibilidade salarial.
No caso de famílias monoparentais, a nota técnica alude à possibilidade de, em último caso, operar-se a substituição temporária do trabalhador, sendo-lhe assegurado o direito à manutenção da relação de trabalho.
Consta novamente a recomendação às empresas, órgãos públicos, pessoas dos empregadores, sindicatos patronais e profissionais, de todos os setores econômicos ou entidades sem fins lucrativos, que NÃO PERMITAM a circulação de crianças e demais familiares dos trabalhadores nos ambientes de trabalho.
Alfim, consigna-se, expressamente, que as ausências ao trabalho ou a adaptação da prestação de serviços por força dos encargos familiares são aplicáveis igualitariamente a trabalhadoras e trabalhadores, bem como não poderão ser considerados como razão válida para sanção disciplinar ou o término de uma relação de emprego, podendo configurar ato discriminatório, nos termos do artigo 373-A, II e III, da CLT, artigo 4º da lei n. 9.029/95.
Trata-se, por assim dizer, de um normativo extremamente sensível e acolhedor. Tecnicamente, é transversal e de grande alcance social, como afirmamos no início. É, sobretudo, um entendimento jurídico informado pelos princípios fundamentais de humanidade e de solidariedade social.