O tema das audiências e sessões de julgamento por videoconferência parece simples do ponto de vista jurídico, mas o tema, na prática, desperta e acirra a discussão sobre a validade ou não desta “nova” forma de prática de ato processual.
O contexto de paralisação social e de restrições no funcionamento de órgãos públicos, dentre eles o Judiciário, alterou nossos parâmetros de rotina, de vida e isso não foi diferente com a prática dos atos judiciais que demandam a presença física dos sujeitos processuais.
Dentro da rotina dos serviços judiciários, o maior expoente dessa alteração de parâmetros, portanto – com toda a certeza – é a crescente realização de audiências e sessões de julgamento por meio de videoconferência, agora não mais como exceção, mas sim como regra ou “quase-regra” (ao menos regra temporária, enquanto durarem os efeitos nocivos da pandemia e das restrições de circulação de pessoas).
O Poder Judiciário não parou desde o início da paralisação presencial dos serviços judiciários. Adaptou-se. Continuou a produzir. E, com isso, foi adotada a realização de audiências por meio de plataformas de comunicação eletrônica, conectando-se pessoas por meio de transmissão de dados de som e imagem via internet, a fim de que o processamento das causas judiciais não fosse interrompido e, assim, não houvesse mácula à celeridade processual.
Sobre isso, a primeira coisa que devemos destacar é que essas plataformas de comunicação eletrônica à distância encontram previsão normativa, ainda que por uma interpretação extensiva do dispositivo legal pertinente, no art. 1º, §2º, II, da Lei n. 11.419/06.
Veja, então, que realmente não se trata de nenhuma novidade o uso de ferramentas de comunicação à distância nos processos judiciais.
A referida lei dispôs sobre a informatização do processo judicial já há aproximadamente 14 anos!
Vejamos o referido artigo:
Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.
- 1º Aplica-se o disposto nesta Lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição.
- 2º Para o disposto nesta Lei, considera-se:
(…)
II – transmissão eletrônica toda forma de comunicação a distância com a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores;
Como se pode ver, a Lei n. 11.419/06 sobreveio em nosso ordenamento jurídico como o marco regulatório do processo judicial eletrônico, dispondo, como dito, “sobre a informatização do processo judicial” e alterando “a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil”, dando “outras providências”.
Note que o seu art. 1º, §1º, já assinala seu caráter abrangente, abarcando a informatização de qualquer processo, seja ele civil, penal, trabalhista, bem como, processos de juizados especiais.
Não se limitou, ainda, a lei, apenas aos processos que tramitam em primeiro grau, sendo bem inequívoca ao registrar a possibilidade de processo judicial eletrônico em qualquer grau de jurisdição.
Já o art. 2º, da Lei, assevera que a “prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1º desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos”, o que parece incluir as audiências na generalidade da autorização normativa quanto à pratica de atos processuais por meio eletrônico.
Na toada dessa ampla autorização, inclusive, desde o ano de 2012, o Conselho da Justiça Federal vem dando ênfase aos projetos de sistemas informatizados que propiciam a realização de audiências por videoconferências. Na edição n. 32 (novembro/dezembro de 2012) do informativo do Conselho da Justiça Federal, intitulado “Folha do CJF”, foi publicada a seguinte notícia:
Sistema de audiências por videoconferência deve ser adotado em toda a Justiça Federal
A adoção de equipamentos de videoconferência nas audiências substitui a expedição de cartas precatórias
Até bem pouco tempo atrás, o sistema referido acima na notícia veiculada pelo CJF era um sistema próprio da Justiça Federal. Cada Tribunal Regional Federal construiu/adquiriu seu próprio sistema de videoconferências internas, utilizando-se de suas redes fechadas de conexão à internet. Esse tipo de sistema de videoconferência, portanto, exige que as partes estejam presentes no prédio da Seção ou Subseção Judiciária, não sendo possível o acesso remoto para participar do ato.
Sabemos, entretanto, que o distanciamento social e o fechamento dos prédios do Judiciário na atual conjuntura impôs a impossibilidade de presença física em audiências. Assim, a única saída para a continuidade de atos processuais que exigem a participação direta das partes, ou seja, as audiências, seria o uso de plataformas de conexão abertas, com acesso via web, tais como Microsoft Teams, Cisco Webex e outras (essas citadas têm sido as mais usadas atualmente pelo Judiciário).
Desse modo, diante dessa exigência circunstancial de se criar uma solução alternativa para o uso de uma tecnologia que permitisse a continuidade de audiências e sessões de julgamento por meio de videoconferência, o Conselho Nacional de Justiça editou a Portaria CNJ n. 61 de 31/03/2020 (“Institui a plataforma emergencial de videoconferência para realização de audiências e sessões de julgamento nos órgãos do Poder Judiciário, no período de isolamento social, decorrente da pandemia Covid-19”), criando Plataforma Emergencial de Videoconferência para Atos Processuais, a ser utilizado durante o período da pandemia.
Visou-se, com isso, facilitar ao máximo a transmissão eletrônica da comunicação à distância entre as partes e o Juiz, de modo a não se depender do uso daqueles sistemas internos e fechados instituídos por cada Tribunal, o que demandaria, como vimos, a presença física de cada sujeito processual em algum prédio do Poder Judiciário.
Vejamos, assim, o que restou previsto na referida Portaria CNJ:
Art. 1o Instituir a Plataforma Emergencial de Videoconferência para a realização de audiências e sessões de julgamento nos órgãos do Poder Judiciário, no período de isolamento social provocado pela pandemia do Covid-19.
Parágrafo único. O uso da Plataforma é facultativo aos tribunais e não exclui a utilização de outras ferramentas computacionais que impliquem o alcance do mesmo objetivo.
Art. 2o A Plataforma estará disponível a todos os segmentos de Justiça, Juízos de Primeiro e Segundo Graus de jurisdição, bem como os tribunais superiores. Parágrafo único. O registro de interesse na utilização da Plataforma deverá ser realizado por intermédio de formulário eletrônico próprio disponível no Portal do CNJ na Internet.
Art. 3o Todas as informações necessárias para utilização da Plataforma estarão disponíveis no endereço eletrônico.
Art. 4o A Plataforma permitirá a gravação audiovisual do conteúdo da videoconferência, e seu armazenamento, caso desejado, poderá ocorrer no sistema denominado PJe Mídias. Parágrafo único. O armazenamento no PJe Mídias independe de qual seja o sistema de gestão processual atualmente instalado no tribunal de origem do órgão interessado na gravação da videoconferência.
Art. 5o A Plataforma estará disponível durante todo o período especial da pandemia causada pelo Covid-19.
Art. 6o Esta Portaria entra em vigor na data da sua publicação.
Sobre a disponibilização da plataforma acima, o CNJ firmou parceria com a empresa CISCO BRASIL Ltda., conforme noticia veiculada em seu site, que ora transcrevo[1]:
(…) durante o período de enfrentamento da pandemia causada pelo COVID-19, que exige o isolamento social e, como consequência, as restrições de locomoção, persiste a necessidade da prática de atos processuais que implicam interação entre magistrados e demais atores do Sistema de Justiça. Especialmente para aqueles casos que exigem rápida resposta do Judiciário.
Além disso, as hipóteses de atividades judiciárias que dispensam os deslocamentos são variadas, tais como diversos tipos de audiências e sessões de julgamento nos colegiados dos tribunais.
Em razão disso e para propiciar mais uma opção aos tribunais e magistrados brasileiros, o CNJ coloca à disposição desses a Plataforma Emergencial de Videoconferência para Atos Processuais.
O projeto decorre de Acordo de Cooperação Técnica celebrado com a Cisco Brasil Ltda e não implica em quaisquer custos ou compromissos financeiros por parte do CNJ. Além disso, sua duração é concomitante ao período especial vivenciado pela pandemia.
De outro lado, trata-se de uma opção conferida aos tribunais e significa que outras soluções tecnológicas semelhantes possam ser utilizadas, desde que alcancem o mesmo objetivo.
Perceba que não há imposição normativa para que os Tribunais se utilizem obrigatoriamente da plataforma disponibilizada pelo CNJ, sendo ela apenas uma opção. O Conselho Nacional de Justiça deixou claro que outros sistemas semelhantes podem ser usados, desde que alcancem o mesmo objetivo propiciado pela plataforma CISCO WEBEX.
E a expansão da pratica de atos processuais de modo telepresencial não se esgotou no âmbito das audiências de 1º grau. Alcançou também os atos de sustentação oral de advogados junto ao Supremo Tribunal Federal, o que se deu por meio do PROCEDIMENTO JUDICIÁRIO Nº 10, DE 19 DE MARÇO DE 2020, que “regulamenta o § 3º do art. 5º-A da Resolução 642, de 14 de junho de 2019, quanto ao envio de arquivos de sustentação oral por meio eletrônico”.
Por meio dessa previsão infralegal, o advogado que quiser sustentar oralmente em algum processo em tramite no STF poderá enviar um arquivo digital de sustentação oral, por meio eletrônico, podendo a sustentação gravada em formato audiovisual ou simplesmente áudio.
Os requisitos técnicos da gravação da sustentação oral são definidos conforme os critérios a seguir transcritos, que definem o formato, o tamanho e padrão de qualidade do arquivo:
Art. 1º O encaminhamento de sustentação oral para o julgamento de processos nas sessões virtuais fica regulamentado por este Procedimento Judiciário.
Art. 2º A Secretaria de Tecnologia da Informação (STI) deverá disponibilizar, no portal do STF ou em outro meio acessível aos advogados e procuradores, as ferramentas necessárias ao encaminhamento de arquivos de sustentação oral no formato de áudio e vídeo, que devem observar os seguintes requisitos:
I – para os arquivos de vídeo:
a) Formatos: AVI e MP4;
b) Tamanho máximo: 200MB a cada 15 minutos de vídeo;
c) Padrão de qualidade mínimo: 240p com 30fps;
d) Padrão de qualidade recomendado: 360p com 30 fps.
II – para os arquivos de áudio:
a) Formatos: MP3 e WAV;
b) Tamanho máximo: 10MB a cada 15 minutos de áudio;
Esses arquivos de sustentação oral por meio eletrônico são veiculados nos processos submetidos ao ambiente virtual de julgamento do Supremo. A respeito desse ambiente virtual, em sessão administrativa de 18 de março de 2020, o Regimento Interno do Tribunal foi alterado para permitir que todos os processos da competência do Plenário e das Turmas, a critério do relator, possam ser submetidos a julgamento em ambiente eletrônico[2], o que revela a que as sessões virtuais de julgamento na Corte Suprema serão a regra e não mais a exceção.
E esse será o nosso “novo normal” de audiências e sessões de julgamento? Ou o que estamos vendo se trata de, nada mais, do que uma valorização de um instrumento tecnológico de uso processual já disponível há tempos em nosso ordenamento jurídico, mas que não era tão valorizado? De uma forma ou de outra, será que essa mudança de paradigma veio, então, pra ficar?
Bom, vamos bem direto ao ponto: penso que sim.
E digo mais: essa prestação jurisdicional por meio telepresencial já era previsto e sempre foi possível, mas não tão prestigiado e valorizado. A diferença é meramente de percepção quanto à utilidade e quanto às vantagens de seu uso, vantagens essas que não se esgotam apenas no aumento da velocidade do processo, mas também e, sobretudo, na economia de gastos e de tempo em relação ao que se despende financeiramente para manter uma estrutura física e, bem assim, para custear o deslocamento das partes.
Ou seja, sai mais “em conta” para todos os sujeitos processuais e, especialmente, para o Estado, que a depender do volume de audiências presenciais a menos, pode reduzir os espaços prediais destinados ao atendimento do jurisdicionado.
Professor, já entendi que a audiência por videoconferência é bastante prática e usual, bem como que está sendo adotada atualmente no contexto da pandemia, mas e quando passar isso tudo, o juiz poderá impor a audiência por meio do formato telepresencial?
DEPENDE. Vamos lá, para a minha resposta ficar bem ampla e completa e para que você entenda de modo sistêmico essa questão, vou abordar o tema tanto no aspecto do processo penal, quanto no aspecto do processo civil, ok?
A primeira coisa que você deve ter em mente é que não houve alteração das regras jurídicas processuais relativas à realização das audiências, mas apenas uma recomendação do CNJ para que, no período da pandemia, em virtude do distanciamento social imposto, sejam feitas audiências e sessões de julgamento por meio de videoconferência.
Então, ao fim da pandemia, as regras jurídicas processuais voltam a ter eficácia social. Note que a eficácia técnica das normas processuais relativas a esses atos processuais continua mesmo durante a pandemia. A lei processual continua válida e vigorando. Mas a eficácia social delas ficou obstada, ou seja, seu cumprimento adequado e efetivo pelas partes, juízes, advogados e demais sujeitos do processo ficou “bloqueado” por outras normas de cunho sanitário.
Então, vamos avaliar as normas que são permanentes sobre a audiência por videoconferência!
- NO PROCESSO PENAL.
Em síntese: no processo penal vai depender do réu estar preso ou solto.
No âmbito do processo penal, tudo começou, digamos, com a Lei n. 11.900/09, que alterou o Código de Processo Penal para prever a possibilidade de realização de interrogatório e outros atos processuais por sistema de videoconferência. A previsão do uso da videoconferência, contudo, para o interrogatório do réu PRESO é de cunho excepcional, ou seja, somente poderá ser adotada em caso de preenchimento de alguns requisitos legais.
Veja: mesmo com a Lei n. 11/900/09, a regra do interrogatório do réu preso continuou sendo a de que tal ato processual deve ser feito de modo presencial, diretamente com a presença física do Juiz. Com muita frequência, todavia, torna-se inviável a transferência do preso para a sede do Juízo, não sendo difícil, na prática, o cumprimento de uma das hipóteses previstas no art. 185, §2º, do Código de Processo Penal.
Na Justiça Federal isso é bastante frequente porque, em geral, as penitenciárias estão sediadas nas Capitais e, com a interiorização da Justiça Federal, o deslocamento do preso acabaria sendo feito por longas distancias. Por exemplo, a Subseção Judiciária de Juína, cuja titularidade é ocupada hoje por mim, fica a 750 Km, aproximadamente, de Cuiabá. Portanto, do ponto de vista prático e, ao menos na experiência diária da Justiça Federal, o interrogatório do réu preso acabou se tornando a regra e não a exceção. Na Justiça Estadual, essa prática também é frequente, na medida em que mesmo para as comarcas da Capital, não raro, a transferência do preso pode causar risco à segurança pública.
Quanto ao réu SOLTO, há que sustente que, não havendo concordância do acusado, promover a colheita de seu interrogatório por videoconferência implica nulidade, devendo ser feito sempre na presença física do Juiz.
Não penso assim.
Ora, se se admite o interrogatório por carta precatória, não vejo razão para que não se admita tal ato processual por videoconferência. Se se admite o interrogatório do réu preso pelo recurso tecnológico telepresencial, não faz sentido impedir o mesmo para o réu solto, que tem inclusive mais tranquilidade de se preparar, de ter contato com o seu advogado e de se sentir à vontade para responder o que bem entender, já que sua oitiva é essencialmente um meio de defesa.
Cabe lembrar, aliás, que o princípio da identidade física do Juiz no processo penal foi inserido pela Lei n. 11.719/08, de modo que o juiz “que presidiu a instrução deverá proferir a sentença” (art. 399, §2º, CPP). Logo, diante da imposição desse dispositivo, o interrogatório por carta precatória foi relegado a segundo plano, devendo-se dar preferencia ao interrogatório por videoconferência quando não houver prejuízo ao réu (solto) e, especialmente, para atender pedido seu nesse sentido.
Em geral, entende-se que deve haver a concordância expressa do acusado solto para que seja interrogado por sistema de videoconferência, mas perceba que não há essa imposição expressa na lei. Sobre isso, calha registrar que, pelo princípio pas de nullité sans grief, não há nulidade sem prejuízo, não podendo, a meu ver, inferir-se que o depoimento por videoconferência, por si só, implicará prejuízo ao direito de defesa do acusado. Ao contrário, acelerará a instrução processual e, bem assim, o julgamento da causa criminal, em atendimento ao direito fundamental da duração razoável do processo.
Um caso emblemático de interrogatório por videoconferência ocorreu no conhecido acidente do avião da Gol Linhas Aéreas, que colidiu com um jato Legacy em pleno vôo, caindo em solo pertencente ao Estado do Mato Grosso. Os pilotos do jato Legacy foram denunciados por homicídio doloso (dolo eventual) e foram ouvidos pelo Juiz Federal que atuou no processo por meio de sistema de videoconferência. Na época, os acusados já se encontravam em solo norte-americano e, a fim de se evitar a expedição morosa de uma carta rogatória, decidiu-se pela oitiva por videoconferência.
Houve impugnação por meio do Habeas Corpus n. 130037120114010000/MT (Processo na Origem: 23682820074013603), mas o Relator Desembargador Tourinho Neto, posteriormente, acolheu o pedido de desistência dos próprios impetrantes, na medida em que o Juízo impetrado havia acolhido o pedido dos acusados no sentido de que o interrogatório fosse feito em sala pertencente a “órgão do sistema judiciário norte-americano”, embora com ligação direta com o Juízo Federal brasileiro por meio de videoconferência.
No final das contas, ocorreu o interrogatório dos réus soltos por videoconferência e houve, de certo modo, a concordância deles em relação a esse ato processual pela via eletrônica, à distância.
Assim, em síntese, a REGRA é:
- deve-se preservar o princípio da identidade física do juiz no processo penal, de modo que o interrogatório do réu, preso ou solto, deve se dar fisicamente na presença do juiz.
A exceção será verificada:
- quanto ao réu preso, dentro das hipóteses previstas no art. 185, §2º, incisos I a IV, do CPP;
- quanto ao réu solto, mediante sua escolha, muito embora, para preservar a celeridade processual e, sem que haja prejuízo ao direito de defesa do réu, possa o juiz designar audiência por videoconferência para que o interrogatório seja colhido (desde que, obviamente, o acusado queira prestar seu depoimento ao Juízo, já que se trata de um direito de defesa, proeminentemente), havendo que diga que para tanto deverá haver expressa concordância do réu para que esse ato “à distância” ocorra, posição com a qual não comungo meu entendimento pessoal.
Qual a posição do Supremo Tribunal Federal?
Antes da Lei n. 11.900/09, o STF se posicionava pela inadmissibilidade do interrogatório por videoconferência, já que não havia previsão legal para isso:
EMENTA: AÇÃO PENAL. Ato processual. Interrogatório. Realização mediante videoconferência. Inadmissibilidade. Forma singular não prevista no ordenamento jurídico. Ofensa a cláusulas do justo processo da lei (due process of law). Limitação ao exercício da ampla defesa, compreendidas a autodefesa e a defesa técnica. Insulto às regras ordinárias do local de realização dos atos processuais penais e às garantias constitucionais da igualdade e da publicidade. Falta, ademais, de citação do réu preso, apenas instado a comparecer à sala da cadeia pública, no dia do interrogatório. Forma do ato determinada sem motivação alguma. Nulidade processual caracterizada. HC concedido para renovação do processo desde o interrogatório, inclusive. Inteligência dos arts. 5º, LIV, LV, LVII, XXXVII e LIII, da CF, e 792, caput e § 2º, 403, 2ª parte, 185, caput e § 2º, 192, § único, 193, 188, todos do CPP. Enquanto modalidade de ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado mediante videoconferência, sobretudo quando tal forma é determinada sem motivação alguma, nem citação do réu.
(HC – HABEAS CORPUS , CEZAR PELUSO, STF.)
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HABEAS CORPUS SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. O princípio da supressão de instância deve, no habeas corpus, ser tomado com certas reservas, no que visa beneficiar a parte, e não prejudicá-la, tendo-se, no caso, parte única o paciente, personificado pelo impetrante. INTERROGATÓRIO VIDEOCONFERÊNCIA LEI Nº 11.900/2009 OCORRÊNCIA DATA ANTERIOR NULIDADE NATUREZA. A nulidade ante a inobservância de forma referente ao interrogatório há de ser articulada no primeiro momento em que a defesa tenha oportunidade de falar no processo-crime, presente a natureza relativa.
(HC – HABEAS CORPUS , MARCO AURÉLIO, STF.)
Após a Lei n. 11.900/09, o entendimento mudou, autorizando-se o interrogatório por videoconferência do réu preso se houvesse fundamentação idônea quanto à excepcionalidade da medida:
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. REALIZAÇÃO DE INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA. DECISÃO FUNDAMENTADA. EXCEPCIONALIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS.
- Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. 2. Interrogatório por videoconferência designado pelas instâncias anteriores, nos termos do artigo 185, §2º, do Código de Processo Penal, porquanto o pavimento do fórum em que se situa a sala de audiências foi recentemente interditado por problemas estruturais do prédio, tornando imprescindível manter-se a segurança física de integrantes do Poder Judiciário, e das mais diversas instituições que se fariam representar no aludido interrogatório, e mesmo do público em geral, sempre presente no Fórum, de forma a prevenir um eventual, possível e indesejado desabamento, com possibilidade inclusive de vítimas fatais. 3. A tese defensiva demandaria o reexame e a valoração de fatos e provas, para o que não se presta a via eleita. Precedentes. 4. Agravo regimental conhecido e não provido.
(HC-AgR – AG.REG. NO HABEAS CORPUS , ROSA WEBER, STF.)
E no Superior Tribunal de Justiça, o que pensam a Corte sobre o interrogatório sobre videoconferência?
O STJ chancela a validade do interrogatório do réu preso nas hipóteses previstas no art. 185, §2º, permitindo que ela ocorra em situações tais como a grande distância entre a localização do acusado e a sede do Juízo.
Vejamos:
(…) 3. Não há falar em violação do art. 185, § 2°, I e II, do CPP se o interrogatório foi realizado por videoconferência em razão da dificuldade de comparecimento do acusado em Juízo, haja vista a sua prisão em outra comarca, a grande distância necessária ao deslocamento e a impossibilidade de escolta.
A nulidade do ato processual não foi deduzida em momento oportuno e não houve comprovação do prejuízo concreto à defesa, pois os agravantes, pessoalmente, tiveram a oportunidade de narrar sua própria versão dos fatos ao Juiz e foram assistidos por defensor.
(…)
(AGRESP – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 1410824 2013.03.41536-0, ROGERIO SCHIETTI CRUZ, STJ – SEXTA TURMA, DJE DATA:29/10/2019 ..DTPB:.)
Vejamos outro julgado que vai na mesma linha:
..EMEN: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TENTADO. LESÃO CORPORAL CULPOSA. NULIDADE. DECISÃO QUE DESIGNOU O INTERROGATÓRIO DO RECORRENTE VIA VIDEOCONFERÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. EFETIVO PREJUÍZO NÃO VISUALIZADO. AGRAVO IMPROVIDO.
- Esta Corte Superior de Justiça possui assente jurisprudência no sentido de que, em obediência ao principio pas de nullité sans grief, que vigora plenamente no processo penal pátrio (art. 563 do Código de Processo Penal – CPP), não se declara nulidade de ato se dele não resulta demonstrado efetivo prejuízo para a parte.
- O Magistrado de primeiro grau, em obediência ao disposto no § 2º do art. 185 da Lei n. 11.900/2009, apresentou fundamentação apta a justificar a necessidade da adoção do interrogatório do recorrente pelo sistema de videoconferência, notadamente para se evitar a delonga na prestação jurisdicional, considerando sobretudo os problemas constantes na escolta de réu preso. Precedentes desta Corte.
- Não se verifica, na hipótese dos autos, a alegada nulidade, tendo em vista que o recorrente não logrou êxito em demonstrar efetivo prejuízo à sua defesa com a realização do interrogatório pelo sistema de videoconferência, tendo em vista que foi devidamente assistido por defensor público durante o referido interrogatório e, inclusive, nos atos processuais subsequentes, não se evidenciando, por conseguinte, prejuízo efetivo para a defesa. 4. Agravo regimental improvido. ..EMEN:
(AGRRHC – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – 110019 2019.00.81526-0, REYNALDO SOARES DA FONSECA, STJ – QUINTA TURMA, DJE DATA:03/06/2019 ..DTPB:.)
Colaciono, ainda, o julgado abaixo, também do STJ, que fundamenta no sentido de que o princípio da identidade física do juiz NÃO é absoluto, o que enseja a validade de audiências por carta precatória ou por videoconferência, quando não houver a possibilidade de comparecimento do réu diretamente na sede do Juízo:
- Embora a regra seja a realização presencial do interrogatório, deve ser autorizada sua realização por meio de carta precatória ou de videoconferência, nos casos em que a necessidade de deslocamento possa inviabilizar o direito de defesa. Dessa forma, não há óbice à realização do interrogatório do réu por meio de carta precatória, em virtude de lhe ser mais benéfico. De fato, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça já assentou que o princípio da identidade física do juiz, introduzido no Processo Penal pela Lei 11.719/2008, não é absoluto e não impede a realização do interrogatório do réu por meio de carta precatória.
- Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para autorizar que o interrogatório do paciente, na Ação penal n.
0009027-37.2016.8.19.0003, seja realizado por meio de carta precatória.
(HC 474.360/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 11/12/2018, DJe 19/12/2018)
E quando o réu estiver solto, a jurisprudência do STJ muda ou continua permitindo a audiência por videoconferência? Continua permitindo, desde que isso não prejudique o direito de defesa do réu e na mesma toada de que o princípio da identidade física do juiz não é absoluto, devendo-se, apenas, preserva-se o direito de defesa do acusado.
Vejamos:
(…)
- A jurisprudência desta Corte Superior admite que, “embora a regra seja a realização presencial do interrogatório, deve ser autorizada sua realização por meio de carta precatória ou de videoconferência, nos casos em que a necessidade de deslocamento possa inviabilizar o direito de defesa” (HC 360.663/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe de 11/10/2016). 6. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado. ..EMEN:
(HC – HABEAS CORPUS – 479630 2018.03.07189-3, LAURITA VAZ, STJ – SEXTA TURMA, DJE DATA:25/04/2019 ..DTPB:.)
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..EMEN: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. CRIMES TRIBUTÁRIOS. RÉU SOLTO. INTERROGATÓRIO REALIZADO POR MEIO DE VIDEOCONFERÊNCIA. NULIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E SEUS CONSECTÁRIOS. NÃO OCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
(…)
II – Sendo causa de nulidade relativa, a realização de audiência por videoconferência, por si só, não configura inobservância do devido processo legal e seus consectários.
III – In casu, observa-se, portanto, que não restou demonstrado qualquer prejuízo ao paciente, tendo sido ele acompanhado por seu advogado durante a audiência e, pelas informações prestadas, não consta qualquer inconformismo da defesa na realização do ato que tenha sido registrado na ata de audiência. Habeas Corpus não conhecido. ..EMEN:
(HC – HABEAS CORPUS – 365096 2016.02.01593-0, FELIX FISCHER, STJ – QUINTA TURMA, DJE DATA:10/02/2017 ..DTPB:.)
No âmbito do Conselho Nacional de Justiça, foi editada a, após a edição da Lei n. 11.900/09, a RESOLUÇÃO Nº 105, DE 6 DE ABRIL DE 2010, que dispõe “sobre a documentação dos depoimentos por meio do sistema audiovisual e realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência” e, ao que parece, diverge relativamente da linha de entendimento esposada nos julgados acima, no que toca ao réu solto. Quanto ao réu preso, a Resolução referida aponta a necessidade de observância do art. 185, §2º, CPP, assim como os julgados colacionados.
Essa é a conclusão a que chegamos pela leitura de seus artigos 3º e 5º, senão vejamos (entendimento que se alonga para a oitiva de testemunha, conforme se pode constatar):
Art. 3º Quando a testemunha arrolada não residir na sede do juízo em que tramita o processo, deve-se dar preferência, em decorrência do princípio da identidade física do juiz, à expedição da carta precatória para a inquirição pelo sistema de videoconferência.
(…)
Art. 5º De regra, o interrogatório, ainda que de réu preso, deverá ser feito pela forma presencial, salvo decisão devidamente fundamentada, nas hipóteses do art. 185, § 2º, incisos I, II, III e IV, do Código de Processo Penal.
Art. 6º Na hipótese em que o acusado, estando solto, quiser prestar o interrogatório, mas haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal, o ato deverá, se possível, para fins de preservação da identidade física do juiz, ser realizado pelo sistema de videoconferência, mediante a expedição de carta precatória.
Quanto ao réu solto, como se vê, o CNJ parece ter normatizado a possibilidade de audiência por videoconferência apenas quando houver “relevante dificuldade” para o comparecimento do réu em juízo, por “enfermidade ou outra circunstância pessoal”.
Nada obstante, como vimos, essa normatização não retira a incidência do princípio pas de nullité sans grief, sendo induvidoso que mesmo fora dessas hipóteses, poderá haver audiência por videoconferência de réu solto, desde que disso não resulte prejuízo concreto para a defesa. De outro lado, também pela leitura do art. 6º, acima, infere-se que a realização de audiência por videoconferência não viola o princípio da identidade física do juiz, mas, ao contrário, reforça-o.
Esse deve ser o mesmo entendimento a ser aplicado durante o período de restrições da pandemia, de sorte que a solução para a validade ou não da realização do ato judicial de interrogatório (para o réu solto) por meio de sistema de videoconferência será a verificação da ocorrência, ou não, de prejuízo para o réu.
Não havendo prejuízo, não há, pois, que se falar em nulidade.
Quanto ao réu preso, permanecem, igualmente, as disposições do art. 185, §2º, CPP.
- NO PROCESSO CIVIL
No âmbito do processo civil, penso que a possibilidade da audiência ou sessão de julgamento por meio de sistema de videoconferência deve ser a mais ampla possível.
Primeiramente, o CPC/15 dedicou uma seção inteira para tratar da “prática eletrônica dos atos processuais”, dispondo regras específicas em seus artigos 193 a 199. A ampla permissão de atos processuais digitais veio no art. 193, caput, no sentido de que os “atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei”. Não há duvidas de que essa ampla permissão inclui também a realização de audiências por videoconferência, conforme disposto no art. 194, CPC:
Art. 194. Os sistemas de automação processual respeitarão a publicidade dos atos, o acesso e a participação das partes e de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, observadas as garantias da disponibilidade, independência da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções.
Já o art. 334, §7º, CPC, diz claramente que a “audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei”.
Ademais, existem diversos dispositivos extremamente claros sobre a possibilidade de realização de audiência por videoconferência para colheita de depoimento das partes e, bem assim, para oitiva das testemunhas.
Entretanto, todos eles se referem à permissão de audiência por videoconferência apenas quando esses sujeitos processuais residirem em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo.
Trata-se, claro, de circunstância óbvia, eis que residindo na mesma comarca, seção ou subseção, a parte e/ou testemunhas podem comparecer diretamente na sede do Juízo, certo?
SIM, mas ao mesmo tempo NÃO!
Ok, vou te explicar sobre a realidade: é que em comarcas e subseções do interior do país, há zonas rurais de dificílimo acesso. O paradoxal é que, por incrível que pareça, a internet as vezes chegou de algum modo em locais rurais remotos, mas as estradas e o transporte público não.
Nessas condições, acredito que a lei processual civil pode ser interpretada de modo extensivo para que abarcar também as localidades nas quais não seja fácil o acesso, para permitir a audiência por videoconferência também nessas hipóteses. Além disso, o próprio art. 236, CPC, pode ser interpretado como uma cláusula geral da possibilidade de prática de atos processuais por meio de videoconferência.
Vamos ler os dispositivos do CPC-15 sobre isso:
Art. 236. Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial.
- 3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.
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Art. 385. Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício.
- 3º O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
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Art. 453. As testemunhas depõem, na audiência de instrução e julgamento, perante o juiz da causa, exceto:
- 1º A oitiva de testemunha que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão e recepção de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a audiência de instrução e julgamento.
- 2º Os juízos deverão manter equipamento para a transmissão e recepção de sons e imagens a que se refere o § 1º.
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Art. 461. O juiz pode ordenar, de ofício ou a requerimento da parte:
I – a inquirição de testemunhas referidas nas declarações da parte ou das testemunhas;
II – a acareação de 2 (duas) ou mais testemunhas ou de alguma delas com a parte, quando, sobre fato determinado que possa influir na decisão da causa, divergirem as suas declarações.
- 1º Os acareados serão reperguntados para que expliquem os pontos de divergência, reduzindo-se a termo o ato de acareação.
- 2º A acareação pode ser realizada por videoconferência ou por outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.
Por fim, há que se considerar, tal como vimos no processo penal, que não há nulidade no processo civil sem comprovação de prejuízo, de modo que os atos com vício de forma podem ser convalidados se atingirem sua finalidade.
Art. 283. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se observarem as prescrições legais.
Parágrafo único. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados desde que não resulte prejuízo à defesa de qualquer parte.
Corroborando a instrumentalidade do processo e, bem assim, o princípio pas de nulitté sans grief, o art. 1.053, CPC, assevera, ainda, que os atos processuais eletrônicos praticados antes da transição definitiva para a certificação digital ficam convalidados, em não havendo prejuízo e tendo sido atingida a finalidade prevista:
Art. 1.053. Os atos processuais praticados por meio eletrônico até a transição definitiva para certificação digital ficam convalidados, ainda que não tenham observado os requisitos mínimos estabelecidos por este Código, desde que tenham atingido sua finalidade e não tenha havido prejuízo à defesa de qualquer das partes.
Então, a conclusão que se extrai da norma geral processual civil é: SIM, pode haver audiência por meio de videoconferência, ainda que fora do contexto da pandemia, em qualquer tempo, de modo que a regra para que isso ocorra é que a parte e/ou testemunhas residam fora da comarca, seção ou subseção onde tramita o processo, mas tal regra pode ser interpretada extensivamente para incluir locais de difícil acesso e, ainda, qualquer outro, desde que o ato tenha atingido sua finalidade e não tenha havido prejuízo às partes e ao devido processo legal substancial.
Note-se, por fim, que, bem antes da ampla possibilidade dada pelo CPC/15, previu-se na Lei n. 10.259/01 (que instituiu os Juizados Especiais Federais), a possibilidade de realização de ato processual de julgamento colegiado na Turma Nacional de Uniformização por videoconferência. Previu-se no art. 14º, §3º, da referida lei que a “reunião de juízes domiciliados em cidades diversas será feita pela via eletrônica”.
No contexto da pandemia, a Resolução CNJ n. 314, do Conselho Nacional de Justiça: estabeleceu a possibilidade de realização de audiências por videoconferência mesmo fora das hipóteses acima, ou seja, mesmo que as partes e testemunhas residam na mesma comarca, seção ou subseção judiciária, desde que sejam observadas, caso a caso, as peculiaridades e as dificuldades de intimação, realizando os atos somente quando for possível.
Assim, estabeleceu-se no art. 6º, §3º, da referida Resolução que:
- 3º. As audiências em primeiro grau de jurisdição por meio de videoconferência devem considerar as dificuldades de intimação de partes e testemunhas, realizando-se esses atos somente quando for possível a participação, vedada a atribuição de responsabilidade aos advogados e procuradores em providenciarem o comparecimento de partes e testemunhas a qualquer localidade fora de prédios oficiais do Poder Judiciário para participação em atos virtuais.
Assim, sendo possível a intimação das partes e testemunhas, isto é, sendo viável do ponto de vista sanitário (diante das restrições de isolamento, eventuais decretações de lockdown, etc) e do ponto de vista técnico (pois pode ser que a parte sequer tenha algum dispositivo de conexão com a internet), poderá, a meu ver, ocorrer a audiência por meio de videoconferência.
Ressalto que, a impossibilidade de intimação e de participação deve ser comprovada pela parte e pela testemunha, notadamente porque, conforme o art. 378, do CPC, ninguém “se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”. No mais, conforme o art. 6º, também do CPC, todos os “sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Pense na hipótese de depoimento de um segurado rural e suas testemunhas, todas rurais, diretamente da zona rural, devidamente assistido por seu advogado, também conectado por videoconferência.
Pense na espontaneidade da produção da prova, bem como na fidedignidade que se poderá colher dos depoimentos, já que eles terão sido prestados diretamente do meio rural.
Pense-se na econômica de gastos, não só para as partes e testemunhas, mas para o advogado e para o Estado, que dispensarão menos recursos para manterem seus ofícios.
Cabe frisar, de outro lado, que o Conselho Nacional de Justiça vem chancelando a prática de audiências por videoconferência, não apenas para dar incremento à garantia fundamental da duração razoável do processo, mas também como forma de racionalizar recursos orçamentários, sobretudo no contexto financeiro estatal advindo com a EC 95/16, a conhecida “Emenda do Teto dos Gastos”.
Ora, visto isso, não restam dúvidas de que em sendo feita a prestação do serviço judiciário, quando das audiências, por meio de videoconferência, a estrutura física de instalação de prédios judiciários seria menos exigida e, consequentemente, mais racionalizada, dispensando-se grandes obras para a instalação das sedes dos Juízos. Aliás, na notícia publicada no site do CNJ, por exemplo, em 21 de janeiro de 2020, intitulada “Videoconferência muda o formato de audiências”, aquele órgão de controle interno do Poder Judiciário anotou que:
A videoconferência é uma tecnologia que permite a transmissão de imagem e som entre os interlocutores. Na audiência, o ambiente virtual proporciona a interação em tempo real para os que estão geograficamente distantes, sendo assim uma solução segura para redução de custos, riscos e tempo.
No que toca à racionalização dos gastos públicos, o dispêndio exorbitante de recursos financeiros do Estado é mais notório no processo penal. Para encerrarmos e apenas para ilustrar esse quadro para você, quanto às audiências de réus presos, veja-se que dados “referentes à Transferência de presos no Estado de São Paulo, fornecidos pela Secretaria da Administração Judiciária, dão conta que, somente no 1º Semestre de 2005, teria sido gasto o valor aproximado a R$ 6.000.000,00 (Seis milhões de reais), e apenas com despesas de viaturas. Ainda, teriam sido mobilizados aproximados 96.000 policiais, e utilizadas aproximadamente 34.000 viaturas, que teriam percorrido em torno de 3.300.000 Kilômetros”[3]
É isso, queridos(as) amigos(as) do Gran!
São análises como essa que te fazem pensar, refletir sobre o direito e sobre as circunstâncias técnicas e sociais de sua aplicação, propiciando esse raciocínio, sem dúvida, um grande incremento da sua capacidade de fundamentação, de exposição de ideias e pensamentos jurídicos.
E isso, não preciso nem falar: é fundamental para sua prova discursiva e, mais ainda, para a sua prova oral!
Espero ter ajudado.
Vamos seguindo!
Um grande abraço,
Frederico Martins.
Juiz Federal do TRF-1
Professor do Gran
[1] Extraído de: https://www.cnj.jus.br/plataforma-videoconferencia-nacional/, em 01/07/2020, às 15:20.
[2] Extraído de: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441901, em 01/07/2020, às 11:34.
[3] MOREIRA, Wagner Martins, em artigo publicado no site do Ministério Público do Amazonas/AM, intitulado “Audiências e Julgamentos por Videconferência”, extraído de: https://www.mpam.mp.br/centros-de-apoio-sp-947110907/combate-ao-crime-organizado/doutrina/694-audiencias-e-julgamentos-por-videoconferencia, em 01/07/2020, às 10:39.