“AVISO DE MIRANDA”: O que isso tem a ver com o “NEMO TENETUR SE DETEGERE”?

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Olá pessoal, tudo certo?

Um dos temas mais relevantes para a compreensão do direito processual penal, ao menos por mim reputado, é o estudo da teoria geral da prova criminal. Isso porque, além de conferir as balizas fundamentais para a compreensão do intrincado sistema probatório criminal, ela também permite assimilar – essencialmente do ponto de vista prático – a tessitura principiológica que norteia as interpretações das normas processuais penais e da própria aplicação do direito ao caso concreto.

Acresça a essa introdução uma nomenclatura pouco usual e ainda uma influência decisiva do direito estrangeiro na realidade brasileira e temos aí uma excelente fonte para questionamentos em concursos públicos, certo?

É nesse contexto que explicaremos o chamado Aviso de Miranda, sua origem e o que ele tem a ver com o nosso processo penal. Vocês perceberão que ele está vinculado ao nemo tenetur se detegere.

Pedro, o que é AVISO de MIRANDA? E esse tal de “NEMO TENETUR SE DETEGERE”?

Essa expressão em latim em tradução literal significa Ninguém é obrigado a se mostrar”. Você, porém, deve compreendê-lo no processo constitucional penal como o princípio a NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO.

Esse postulado – também conhecido no Brasil como “direito ao silêncio em sentido amplo” tem previsão passível de ser extraída do artigo 5º, LXIII da CF/88 (apesar de que o fez de maneira “tímida”), mas sobretudo expressamente da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8, par. 2, “g”).

O direito a não autoincriminação funciona como verdadeira cláusula de exceção ao postulado da Liberdade Probatória reinante no processo penal brasileiro, uma vez que não poderá ser superado em detrimento desta última.

Em sua essência, podemos destacar como direito a ele correlatos a (i) ausência de dever de colaboração com a investigação ou instrução processual penal; (ii) direito de não declarar contra si mesmo; (iii) direito de não confessar e (iv) direito de não falar à verdade (que se distingue do “direito de mentir”).

Do artigo constitucional acima apontado, pode-se aferir também um “direito fundamental de ADVERTÊNCIA“! E é esse direito constitucional de advertência que no direito norte americano é chamado de “AVISO DE MIRANDA” (Miranda Warnings).

Lá, o policial que efetua a prisão do cidadão tem o dever (obrigação funcional e requisito para o regular aprisionamento) de ler todos os direitos dele, sob pena de prejuízo à colheita de eventual material probatório.

De acordo com a Suprema Corte dos EUA, a mera ausência dessa formalidade seria suficiente para inquinar de vício (nulidade) as declarações exaradas pelo preso, mormente quanto à confissão, bem como as provas daí decorrentes (ou derivadas).

Exemplo de previsão legal expressa do direito à comunicação do preso sobre (todos) os seus direitos está previsto na Lei de Prisão Temporária (Lei 7.960/89), senão vejamos: “Art. 2°§ 6° Efetuada a prisão, a autoridade policial INFORMARÁ O PRESO DOS DIREITOS PREVISTOS NO ART. 5° DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL“.

Compreendido o alcance da não autoincriminação e, principalmente, o direito de advertência ao silêncio do investigado/acusado, importante fazer dois esclarecimentos, à luz da mais atualizada jurisprudência dos Tribunais Superiores. Vejamos:

(i) Ponto 01: A inexistência de advertência antes do interrogatório revela-se como uma nulidade absoluta ou relativa?

Apesar de alguma controvérsia doutrinária e alguns pontuais precedentes, é fato que a orientação majoritária vem se declinando no sentido de que a inadvertência ao direito ao silêncio se apresenta como uma nulidade de matriz RELATIVA. Vejamos:

Quanto ao “aviso de Miranda” (advertência dos policiais quanto ao direito constitucional ao silêncio), o Superior Tribunal de Justiça, acompanhando posicionamento consolidado no Supremo Tribunal Federal, firmou o entendimento de que eventual irregularidade na informação acerca do direito de permanecer em silêncio é causa de NULIDADE RELATIVA, cujo reconhecimento depende da comprovação do prejuízo (STJ, HC 614.339, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, julgado em 09.02.2021).

A falta de advertência sobre o direito ao silêncio não conduz à anulação automática do interrogatório ou depoimento, restando mister observar as demais circunstâncias do caso concreto para se verificar se houve ou não o constrangimento ilegal (STF, RHC 107.915, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 25.10.2011).

Ponto 2: Direito à advertência quanto ao silêncio deve ser reconhecida durante toda a persecução penal?

Ao contrário do que poderia se imaginar, a resposta aqui é positiva. Sobre o tema, aliás, o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de deliberar um caso bastante emblemático e elucidativo.

Segundo a Corte, não se admite condenação baseada exclusivamente em declarações informais prestadas a policiais no momento da prisão em flagrante. A Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso seu direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal, mas logo no momento da abordagem, quando recebe voz de prisão por policial, em situação de flagrante delito. A falta da advertência ao direito ao silêncio, no momento em que o dever de informação se impõe, torna ilícita a prova. Isso porque o privilégio contra a autoincriminação (nemo tenetur se detegere), erigido em garantia fundamental pela Constituição, importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado acerca da possibilidade de permanecer calado. Dessa forma, qualquer suposta confissão firmada, no momento da abordagem, sem observação ao direito ao silêncio, é inteiramente imprestável para fins de condenação e, ainda, invalida demais provas obtidas através de tal interrogatório. No caso, a leitura dos depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão da paciente demonstra que não foi observado o citado comando constitucional[1].

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

[1] STF, AgR no RHC 170.843, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, julgado em 04.05.2021

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