Sabemos que a nossa língua é permeada por muitas formas pouco usuais, que chegam a soar de maneira estranha aos nossos ouvidos – mesmo que gramaticalmente corretas. Por isso, é fundamental estudarmos português, a fim de que possamos reconhecer a maior quantidade de variedades, uma vez que isso nos torna mais habilitados a entender o mundo ao nosso redor. Hoje, falaremos sobre duas palavras: bastante e bastantes.
Analise a frase abaixo:
(1) Ontem comemos muito.
Perceba que o vocábulo “muito” funciona como um intensificador da palavra “comemos”, que é um verbo. Morfologicamente, o que circunstancia a semântica de um verbo é conhecido como advérbio (“muito” é, portanto, um advérbio de intensidade). Os vernaculistas afirmam categoricamente que esta classe gramatical é invariável, ou seja, não admite variações em gênero ou número. Existe a possibilidade de trocar “muito” por “bastante” sem oferecer qualquer alteração à correção gramatical. A oração então seria ontem comemos bastante. Nesse caso, necessariamente, a palavra sublinhada deve ficar no singular.
Sabemos que o advérbio pode fazer referência também a adjetivos ou advérbios (além do verbo). Por isso, são possíveis construções como
(2)Elas são muito/Elas são bastante carinhosas.
(3)Eles moram muito longe. / Eles moram bastante longe.
desde que “bastante” mantenha-se no singular.
Agora, considere a seguinte construção.
(4)Muita gente fala sobre política.
A palavra “muita” é responsável por acompanhar o substantivo “gente”, indefinindo-o. Por isso, “muita” é classificado como pronome indefinido adjetivo. Esta classe gramatical sempre estabelece concordância com o substantivo a que se refere. Em outras palavras, se “gente” é feminino e plural, emprega-se “muita”, por ter igual flexão. Se quisermos, podemos reescrever a mesma sentença assim: bastante gente fala sobre política.
No entanto, se trocarmos “gente” por “pessoas”, qual será o resultado? Uma possibilidade é muitas pessoas falam sobre política, mas outra, pouco comum, também é gramaticalmente correta: bastantes pessoas falam sobre política. Detalhe: “bastante” só admite flexão em número, e não em gênero.
Em resumo: se bastante for um advérbio (referência a verbos, adjetivos e advérbios), deve permanecer no singular, por ser invariável; se bastante for pronome indefinido adjetivo (referência a substantivos), é possível que seja empregado tanto no singular quanto no plural – a depender da flexão do substantivo a que se refere!
Se estudarmos carinhosamente o nosso idioma, procurando a lógica que há nele, podemos compreendê-lo mais facilmente!
Elias Santana
Licenciado em Letras – Língua Portuguesa e Respectiva Literatura – pela Universidade de Brasília. Possui mestrado pela mesma instituição, na área de concentração “Gramática – Teoria e Análise”, com enfoque em ensino de gramática. Foi servidor da Secretaria de Educação do DF, além de professor em vários colégios e cursos preparatórios. Ministra aulas de gramática, redação discursiva e interpretação de textos. Ademais, é escritor, com uma obra literária já publicada. Por essa razão, recebeu Moção de Louvor da Câmara Legislativa do Distrito Federal.