É indene de dúvidas a personalidade jurídica internacional das organizações internacionais. São elas sujeitos derivados ou secundários de direito internacional público, na medida em que os Estados cedem parcela de sua soberania para a criação de uma organização com vontade própria, autônoma em relação a de seus Estados-membros criadores.
Embora tendo personalidade jurídica própria – o que não se confunde com soberania, a qual elas não possuem –, tais entidades são instrumentais, ou seja, criadas para o cumprimento de determinadas finalidades específicas objetivadas pelos Estados, razão pela qual suas competências limitam-se ao fim para a qual foram criadas (princípio da especialidade).
Partindo-se dessa ideia, pode-se afirmar, como já feito alhures, que somente os Estados possuem soberania e personalidade plena. As organizações internacionais estão a serviço daqueles e não o contrário, embora possam impor obrigações aos seus Estados-partes, que devem respeitá-las, justamente porque cedem parte de suas competências funcionais a elas.
Com a sua criação, ipso facto, ela adquire personalidade jurídica internacional, sem que isso precise estar dito expressamente no seu ato constitutivo. A título exemplificativo pode-se mencionar a própria ONU. Na Carta da ONU não há nenhum dispositivo expressamente lhe atribuindo personalidade jurídica internacional, mas, mesmo assim, a própria Corte Internacional de Justiça admitiu, em seu Parecer de 1949 no caso Folke Bernadotte, que os Estados-membros da ONU a criaram como sendo dotada não apenas de personalidade reconhecida tão somente por eles, mas de personalidade internacional objetiva, tendo por base também a teoria dos poderes implícitos.
Folke Bernadotte era um Conde Sueco nascido em 1895, o qual teve importante atuação em tempos de guerra. Ele foi assassinado quando atuava como mediador de paz, enviado para os conflitos entre Estados Árabes e o Estado de Israel na Palestina.
Nesse caso, leciona Antônio Augusto Cançado Trindade que a Corte Internacional de Justiça, com base na teoria dos poderes implícitos, reconheceu a personalidade jurídica internacional da ONU e sua capacidade de apresentar reclamações internacionais contra um Estado responsável, com vistas a obter reparação de danos causados a seus agentes no exercício de suas funções.
Afirmou que “os direitos e deveres de uma entidade como a Organização devem depender de seus propósito e funções, especificados ou implícitos em seus documentos constitutivos e desenvolvidos na prática”. Acrescentou a Corte que “de acordo com o direito internacional, deve-se considerar a Organização como possuidora de poderes que, embora não expressamente constantes da Carta, são-lhe atribuídos pela necessária implicação de que são essenciais ao desempenho de suas tarefas”.[1]
Vale asseverar que no caso Folke Bernadotte a Corte Internacional de Justiça atuou no exercício de sua função ou competência consultiva e não contenciosa, até mesmo porque somente os Estados podem submeter uma controvérsia à Corte Internacional de Justiça (CIJ).
As organizações internacionais, como a ONU, não poderão postular perante esse órgão, a não ser quando se tratar da função ou competência consultiva (e não jurisdicional) da Corte, como se deu no caso Bernadotte.
O Parecer Consultivo de Bernadotte trouxe importantes avanços para as Organizações Internacionais, reconhecendo-as como um sujeito de direitos e deveres, o que pode inclusive ser uma saída para os casos de violações de direitos humanos, cometidos por seus próprios agentes, em suas missões de paz.
Referências
[1] TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direito das organizações internacionais. 6. ed. Belo Horizonte: DelRey, 2014. p. 15.