Competência da Justiça do Trabalho para ações de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho

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Passados mais de 10 anos da então novel Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que alterou a Competência Material da Justiça do Trabalho, observa-se que o processo de estabilização da jurisprudência sobre o tema está em vias de finalização.
Exemplo disso é a nova redação da súmula 392 do TST.
Já era pacífico o entendimento no sentido de que as ações de empregados contra empregadores decorrentes de acidente de trabalho tinham por competente a Justiça Laboral.
O STJ até possui uma súmula em sentido contrário, mas está inoperante em razão da súmula vinculante nº 22 do STF.
Ocorre que tal entendimento não incluía a ação dos parentes contra o ex-empregador do trabalhador falecido, e isos decorria do texto do inciso VI do art. 114 da CF/88.
É verdade, o art. 114, VI da CF/88 fala em competência da Justiça do Trabalho para as ações de dano moral e material decorrente da Relação de Trabalho. Com efeito, o STJ chegou a entender que a ação dos parentes do empregado contra o ex-empregador não decorreria de relação de trabalho, mas sim de relação de parentesco, e por isso afastava a competência da Especializada. Tal posicionamento estava descrito na Súmula 366 do STJ.
Ocorre que o STF firmou entendimento de que a discussão sobre os prejuízos decorrentes de acidente de trabalho será sempre uma ação dessa natureza, independente de ter sido ajuizada pelos parentes ou pelo empregado, de forma que a discussão contra o ex-empregador do empregado acidentado será travada na Justiça do Trabalho, quer o autor seja o ex-empregado, quer sejam seus parentes, CC 7545-7 STF. Isso decorre do que a doutrina chama de “dano em ricochete”, ou seja, o direito á indenização não decorre do parentesco, mas do acidente em si.
Diante do posicionamento do STF, o STJ cancelou a súmula 366.
Todavia, a súmula 392 do TST ainda não contemplava a competência da Justiça Laboral para as hipóteses de viúva e herdeiros, apesar de que nos acórdãos isso já ocorria.
O Pleno do TST, houve por bem portanto, atualizar a súmula 392, que agora contempla expressamente as ações propostas por viúvas e herdeiros contra o ex-empregador do parente acidentado, vejamos sua precisa dicção:
Súmula nº 392 do TST – DANO MORAL E MATERIAL. RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO (redação alterada em sessão do Tribunal Pleno realizada em 27.10.2015) – Res. 200/2015, DEJT divulgado em 29.10.2015 e 03 e 04.11.2015  Nos termos do art. 114, inc. VI, da Constituição da República, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material, decorrentes da relação de trabalho, inclusive as oriundas de acidente de trabalho e doenças a ele equiparadas, ainda que propostas pelos dependentes ou sucessores do trabalhador falecido.
Eis a explicação.
CANCELAMENTO DA OJ 315 DA SBDI-1 DO TST
O assunto previsto nesta OJ já até foi cobrado nos exames anteriores. Afirmava o verbete que o motorista, se o fosse de unidade rural, seria considerado rurícola, ao invés de se enquadrar como categoria diferenciada.
A CLT define categoria diferenciada no § 3º do art. 511 ao estabelecer que é aquela decorrente de funções ou profissões diferenciadas por força de estatuto profissional específico (norma a regular a categoria), ou condições de vida singulares, se comparadas ao todo da empresa.
Por isso um motorista de um restaurante, não seria da categoria de um restaurante, mas sim motorista, o mesmo ocorrendo se fosse motorista de um hospital, mas tal raciocínio não era assim se o empregador fosse rural, nesse caso não prevalecia a classificação motorista, mas sim rurícola.
É que nos litígios à época os motoristas das empresas agroindustriais demandavam direitos típicos dos rurícolas, principalmente prescrição diferenciada, e a defesa afirmava que não eram rurícolas, mas sim categoria diferenciada, daí que o TST, para fazer interpretação mais benéfica, acabou por entender que não seriam categoria diferenciada, mas rurícolas mesmo, e editou a OJ 315 da SBDI-1, ora cancelada.
Isso porque em outra sede de discussão o posicionamento adotado foi o oposto, quer dizer, se é de categoria diferenciada, não cabe a regra geral dos demais trabalhadores.
O debate foi resumido na súmula 117 do TST.
Na discussão, os empregados de categoria diferenciada em estabelecimentos de crédito passaram a vindicar direitos típicos da categoria preponderante, aduzindo que se eram empregados de empresas de crédito, seriam bancários (mesmo raciocínio da OJ 315, ou seja, “ se o patrão é rural eu sou rural” ou no caso, “se meu patrão é banqueiro sou bancário”). Todavia, o entendimento adotado pelo TST foi o oposto da OJ 315, dizendo que categoria diferenciada não faz jus aos benefícios da categoria preponderante.
Com efeito, ante o flagrante confronto entre os entendimentos (Oj 315 x Súmula 117) o TST cancelou a OJ 315 da SBDI-1, e prevaleceu a súmula 117 do TST.
Conclui-se, pois, que é  possível o entendimento de que os empregados de categoria diferenciada não fazem jus aos direitos da categoria preponderante de seu empregador.
O cancelamento da OJ 419 da SBDI-1 do TST passa pelo mesmo raciocínio, ou seja, definia atividade agroindustrial pela atividade preponderante do empregador, agora tal entendimento se mostra imperfeito, ou seja, a atividade preponderante só define o trabalhador como rurícola se ele não for de categoria diferenciada.
Essa mudança de posicionamento, em verdade, indica que poderemos nos deparar com modificação parcial do conceito do que venha a ser empregado rural.
Antes do posicionamento, a definição de quem seria rurícola passava pela localidade onde exercida a profissão, ou pela atividade exercida pelo empregador.
Assim rurícola era quem trabalhava em área rural ou no chamado prédio rústico (quesito localidade), ou trabalhava para quem exercia atividade agro-econômica (quesito atividade), independente da categoria à qual pertencia o empregado. O conceito era retirado da conjugação dos artigos 2º e 3º da Lei 5889/73, verbis:
“Art. 2º Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.
Art. 3º – Considera-se empregador, rural, para os efeitos desta Lei, a pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agro-econômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados”
Como visto, tal conceituação, em que pese ainda válida, não pode ser aplicado às chamadas categorias diferenciadas nos termos do art. 511 § 3º da CLT.
Isso, na verdade, já era assim na atividade urbana, quer dizer, se um médico do trabalho é contratado por uma gráfica, ele continua a ser da categoria dos médicos, e não dos gráficos. No mesmo sentido, o motorista de uma empresa rural, será motorista, não rurícola.
Todavia, os direitos a serem aplicados automaticamente aos médicos ou ao motorista no exemplo acima, são aqueles previstos na legislação estatal, e não os previstos em sua convenção coletiva, ou em outras palavras, uma empresa gráfica não está sujeita à CCT do sindicato dos médicos, só porque tem um médico em seu estabelecimento, só estaria obrigada a observar a CCT dos médicos se expressamente a ela aderisse, na forma da súmula 374 do TST, verbis

Súmula nº 374 do TST

NORMA COLETIVA. CATEGORIA DIFERENCIADA. ABRANGÊNCIA (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 55 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria. (ex-OJ nº 55 da SBDI-1 – inserida em 25.11.1996)
Conclusão: a) categoria diferenciada é categoria diferenciada, independente da atividade de seu empregador; b) sendo categoria diferenciada a legislação de tal categoria é automaticamente imposta ao empregador; c) entretanto, os direitos previstos na CCT da categoria diferenciada somente serão de observância obrigatória pelo empregador se aderir expressamente ao normativo.
Abraço a todos!
Hugo Sousa

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Hugo Sousa é advogado, possuí 12 anos de experiência, especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, professor em diversos cursos preparatórios, pós-graduação e Escola Superior da Advocacia.

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