Fala pessoal, tudo certo?
Hoje falaremos sobre uma decisão histórica dentro do âmbito do Superior Tribunal de Justiça, independentemente da concordância ou não quanto ao seu mérito. A 5ª Turma da Corte conferiu, à unanimidade, concretude a uma determinação firmada em Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, adotando posicionamento mais ampliativo à luz do vértice interpretativo pro homine.
Pela primeira vez, o Superior Tribunal de Justiça se valeu do PRINCÍPIO DA FRATERNIDADE[1] para gerar contagem de pena mais benéfica ao apenado em local degradante. Se isso virará case para ser replicado a outras situações, só o tempo dirá. Vamos compreender o contexto e o caso concreto.
Diante do evidente quadro de calamidade do sistema penitenciário e de extrema indignação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, houve provocação junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a fim de que se averiguasse as péssimas e degradantes condições prisionais do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (RJ), fato esse que resultou na edição de Resolução da CIDH no dia 22/11/2018.
De acordo com a Resolução acima referida, reconheceu-se que os presos alocados no IPPSC estavam em situação degradante, delineando-se expressa determinação, entre outras coisas, de que se computasse “em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no IPPSC, para todas as pessoas ali alojadas, que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas“.
Que o Brasil se submete à CIDH não há dúvidas. Entretanto, o ponto de divergência evidenciado no caso concreto[2] se referia à extensão dos efeitos dessa Resolução. De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ), a contagem do prazo em dobro no cumprimento da pena somente deve se dar a partir de dezembro de 2018, data exata em que o Brasil fora notificado na edição da Resolução da CIDH.
E esse entendimento prevaleceu no STJ?
NÃO! De acordo com a 5ª Turma, por princípio interpretativo das convenções sobre direitos humanos, o Estado-parte da CIDH pode ampliar a proteção dos direitos humanos, por meio do princípio pro personae, interpretando a sentença da Corte IDH da maneira mais favorável possível aquele que vê seus direitos violados. Esse espírito hermenêutico indica que a melhor interpretação a ser dada, é pela aplicação a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 2018 a todo o período em que cumprida pena no IPPSC, independentemente da data da notificação.
Isso porque essa Resolução apenas reconheceu uma condição degradante, com as respectivas consequências, fato esse que deve permitir a consideração de todo o período contado em dobro. Vale destacar que o o Min. João Otávio Noronha anotou que o princípio da FRATERNIDADE, de estatura constitucional indica que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O horizonte da fraternidade é, na verdade, o que mais se ajusta com a efetiva tutela dos direitos humanos fundamentais. A certeza de que o titular desses direitos é qualquer pessoa, deve sempre influenciar a interpretação das normas e a ação dos atores do Direito e do Sistema de Justiça.
Se esse entendimento será aplicado de forma extensiva a outros casos, mormente considerando que o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu que o sistema penitenciário brasileiro está em Estado de Coisas Inconstitucional não há como saber, apesar de ser uma tese sedutora.
Entretanto, não há dúvidas, de que esse caso concreto aparecerá nas próximas provas!
Assim, espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido!
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] Ciente de que a cidadania e a dignidade humana são fundamentos da Constituição, é dever do Poder Público orientar a construção de uma sociedade fraterna, como indica o preâmbulo da Carta (HC n. 94163, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma do STF, julgado em 2/12/2008).
[2] RHC 136.961-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 15/06/2021