O presente texto abordará aspectos relevantes sobre o chamado direito de arena, tais como seu conceito, natureza jurídica, titularidade, destinatários, dentre outras importantes considerações.
Arena, originariamente, refere-se à área central e arenosa de antigos anfiteatros, onde se travavam combates entre feras e gladiadores. No direito brasileiro, o direito de arena é previsto no inciso XXVIII, a, do art. 5º da Constituição de 1988, verbis: “Art. 5º, XXVIII, “a”, da CR/88 – são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas”.
Já o conceito de direito de arena pode ser encontrado na cabeça do art. 42 da Lei 9.615/98, com seguinte redação: “Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.” (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011) (gn).
No campo doutrinário Maurício Godinho Delgado (2016, p. 859) leciona que o direito de arena, de titularidade da entidade de prática desportiva, consiste “[…] na prerrogativa assegurada às entidades desportivas de negociarem, autorizarem ou proibirem o uso da imagem de espetáculo ou evento desportivo do qual participem. O instituto jurídico, como dito, enfoca o conjunto da obra, o espetáculo, embora se saiba que este é formado pela presença e atuação dos atletas de cada equipe”
De seu turno, Sávio Zainaghi (2015, p. 118) afirma que a natureza jurídica do direito de arena no campo do direito do trabalho é a de remuneração. Nessa direção também se manifesta Maurício Godinho Delgado (2016, p. 861), e afirma que no tocante à natureza jurídica da cota-parte de participação do trabalhador atleta profissional no direito de arena, a jurisprudência dominante tem-na considerado como remuneratória, por analogia com as gorjetas e outras verbas pagas por terceiros ao empregado em decorrência do contrato de trabalho.
No entanto, tais posicionamentos se davam em momento anterior à edição e vigência da Lei nº 12.395/11, que passou a enquadrar, explicitamente, o direito de arena como parcela de natureza civil. Claramente, o novo preceito busca afastar o enquadramento remuneratório das parcelas recebidas a título de direito de arena. Confira-se: § 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
O titular do direito de arena é a entidade de direito desportivo, ou seja, o clube a que esteja vinculado o atleta. O caput do art. 42 da Lei Pelé não rende ensejo a disceptações, no sentido de que pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena.
Sobre o tema, discute-se se os árbitros possuem o direito à distribuição do direito de arena. Como não há previsão legal, pode-se dizer que os mesmos não possuem tal direito. Com efeito, o § 1º-A do art. 42 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, que previa tal possibilidade, foi vetado. O dispositivo tinha a seguinte redação: “§ 1º-A. Parcela equivalente a 0,5% (cinco décimos por cento) da receita proveniente do direito de arena será repassada a entidade representativa nacional dos árbitros, em competição de âmbito nacional, e a entidade representativa regional dos árbitros, em competição de âmbito estadual, que a distribuirá como parcela de natureza civil aos árbitros participantes do espetáculo esportivo, respeitados os atuais contratos.”
Nas razões do veto, a Presidência da República assim se manifestou: “Embora medidas que busquem o aperfeiçoamento da arbitragem mereçam ser estimuladas, seu custeio por parcela decorrente do direito de arena não se revela mecanismo adequado para esse fim. Além disso, o regramento da matéria deveria prever critérios para utilização e controle dos recursos recebidos”. Portanto, pelo atual sistema, os árbitros não fazem jus à distribuição do direito de arena.
Ao longo do tempo o direito brasileiro sofreu algumas alterações inconstitucionais na arrecadação. Como visto, o art. 42 da Lei Pelé sofreu alteração pela lei 12.395/11, que dispôs expressamente sobre a natureza civil da parcela, além de reduzir o patamar de 20% para 5% do total da exploração de direitos, bem como passou a atribuir a responsabilidade do sindicato ao repasse destas verbas, salvo convenção coletiva em contrário.
Portanto, a Lei nº 12.395/2011 modificou a natureza jurídica do direito de arena, que deixou de ser uma verba trabalhista para assumir, por expressa manifestação legal, uma feição de vantagem civil. A doutrina critica fortemente referidas mudanças.
Em primeiro lugar, questiona-se a possibilidade de admitir-se a constitucionalidade de uma norma que viola o princípio do não retrocesso social. Note-se que, sem qualquer vantagem compensatória, os atletas simplesmente passaram a ter direito ao recebimento de arena no percentual de 5% em lugar dos 20% sobre a mesma base (MARTINEZ, 2015).
Domingos Zainaghi (2015, p. 123) também afirma que ocorreu uma flagrante ofensa ao princípio da proibição do retrocesso social.
Em segundo lugar, a crítica relaciona-se à atribuição às entidades sindicais de uma função que normalmente não lhes diz respeito. Trata-se de uma verdadeira interferência legislativa na organização dos sindicatos (art. 8º, I, da CR/88) que, saindo do plano de sua missão institucional, terão de despender grandes esforços para distribuir o direito de arena, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, independente de filiação sindical destes (MARTINEZ, 2015).
Em arremate, vale trazer à colação o escólio de Domingos Sávio Zainaghi (2015, p. 128): “Mesmo com a alteração da lei quanto ao Direito de Arena, continua sendo de 20% a parte cabível aos atletas, em razão do princípio da proibição do retrocesso social, e em qualquer caso, sua natureza jurídica continua a mesma, ou seja, salarial, a despeito de a lei afirmar o contrário”.
Por fim, cumpre distinguir o direito de arena do direito de imagem. O direito de arena não abarca o direito à imagem fora do campo, como bem adverte Homero Batista Mateus da Silva (2015, p. 224). Não se confundem direito de arena e direito de imagem. Podem-se apontar, pelo menos, quatro principais diferenças entre os institutos.
O direito de arena, que pertence à entidade de prática desportiva, é outorgado coletivamente aos atletas profissionais pela mera participação nos eventos desportivos, ainda que, por permanecer no banco de reservas, não tenha entrado em campo. Já o direito de imagem é cedido ou explorado, mediante ajuste contratual personalíssimo, que visa às qualidades individuais do atleta, não sendo mera decorrência do serviço prestado, mas fruto daquilo que ele consegue expressar fora do evento esportivo.
Quanto à titularidade também se diferenciam, pois o direito de arena, como visto, pertence à entidade de prática desportiva e o direito de imagem pertence ao atleta, singularmente considerado. Igualmente, o direito de arena decorre da execução natural do contrato de trabalho e o direito de uso de imagem não decorre da execução do contrato.
Por fim, preciso observar que existe evidente correlação com o direito de uso de imagem, mas este tem caráter mais amplo que o direito de arena. Este último, na lição de Maurício Godinho Delgado (2016, p. 859), resulta da projeção, coletivamente considerada, do direito de imagem de cada atleta profissional da entidade desportiva. O direito de arena possui, assim, uma dimensão própria, que é a circunstância de constituir uma nova realidade, específica, que é a obra coletiva, o espetáculo, algo superior e distinto do simples somatório de individualidades.
Também sobre esse último aspecto Homero Batista Mateus da Silva (2015, p. 224) afirma que o direito de imagem é um conjunto maior, dentro do qual se insere o direito de arena.
REFERÊNCIAS
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.
SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado. 2. ed. Volume 5 – livro da remuneração. São Paulo: RT, 2015.
ZAINAGHI, Sávio Domingos. Os atletas profissionais de futebol no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015.