Olá pessoal, tudo certo?
Hoje vamos trazer um tema especialmente delineado para aqueles que estudam para concursos na área federal, visto que vários certames estão sendo especulados e anunciados pelo Poder Público da União.
Nesse cenário, vamos tratar de um tema extremamente importante e frequente nas provas e na atuação judicial na área criminal federal. Refiro-me ao crime de moeda falsa, tipificado no art. 289 do CPB. E, como vocês sabem, posso garantir que a relevância é tanto teórica (para as provas), como prática, visto que – atuando há mais de 10 anos como Defensor Público Federal – posso garantir que vários casos envolvem esse delito.
Dentre os vários cuidados e peculiaridades que permeiam o CRIME DE MOEDA FALSA[1], parece-me interessante tratar sobre um tema não muito frequente, mas que se exigido pelo seu examinador pode trazer alguns problemas.
O assunto analisado pelo Superior Tribunal envolvia a possibilidade ou não de incidência da agravante prevista no artigo 61, II, h do CPB (PRÁTICA CONTRA PESSOA IDOSA) no mencionado delito, uma vez que a posição majoritária aponta como vítima do crime de moeda falsa o próprio Estado. Vejamos o dispositivo:
Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: II – ter o agente cometido o crime: h) contra criança, MAIOR DE 60 (SESSENTA) ANOS, enfermo ou mulher grávida;
No caso em questão, o cidadão foi condenado por ter introduzido em circulação moeda falsa, inicialmente REPASSANDO UMA CÉDULA DE CINQUENTA REAIS PARA A SUA AVÓ e, posteriormente, repassando duas notas de igual valor (também falsificadas) para uma vizinha de sua avó, ambas COM IDADE SUPERIOR A 60 ANOS. Indubitável, pois, que a conduta, formalmente, se adéqua ao previsto no artigo 289, § 1º do CPB.
Mas afinal QUEM É A VÍTIMA DO CRIME DE MOEDA FALSA? Se é o Estado, como aplicar a agravante pautada na maior vulnerabilidade da vítima idosa?
De acordo com Cleber Masson, o SUJEITO PASSIVO DO CRIME DE MOEDA FALSA É O ESTADO, interessado na preservação da fé pública, e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada pela conduta criminosa[2]. Em sentido similar, advogando a prevalência do interesse do Estado na tutela do bem jurídico efetuada pelo tipo penal de moeda falsa, emblemática é a lição do professor LUIZ RÉGIS PRADO, para quem:
“Sujeito passivo é o Estado, ou, mais precisamente, a coletividade, a quem interessa a proteção da fé pública. Eventualmente, pode haver uma vítima imediata, que é a pessoa física ou jurídica – inclusive o próprio Estado, enquanto Administração – diretamente lesada pela conduta do agente, entretanto, como o bem jurídico diretamente protegido é a fé pública, consubstanciada na fiabilidade da moeda, e não o interesse patrimonial da pessoa que tenha, eventualmente, recebido o dinheiro falso como se verdadeiro fosse, prepondera a figura do Estado no polo passivo da conduta criminosa, e não a do particular economicamente prejudicado, visto que “quem recebe de boa-fé uma nota falsa não é a vítima do delito, nem a objetividade jurídica da infração se dirige contra a propriedade determinada de uma pessoa”[3].
Essa foi a tese agasalhada pela Defensoria Pública da União no HC impetrado perante o STJ e, inicialmente, encampada pelo Ministro Sebastião Reis Júnior e pela Ministra Thereza de Assis Moura para afastar a incidência da agravante!
Todavia, ao final do julgamento, A POSIÇÃO PREVALENTE NA 6ª TURMA FOI A DIVERGENTE DA POSIÇÃO DA DPU, trazida à baila, sobretudo, pelo Ministro Rogério Schietti Cruz em voto de divergência.
De acordo com a tese vencedora, não obstante ser inquestionável que o bem jurídico tutelado pelo delito em questão ser a fé pública, não haveria como negar que a vítima pode ser, além do Estado, uma pessoa física ou um estabelecimento comercial, dado o notório prejuízo experimentado por eles, afinal as pessoas a quem são repassadas cédulas ou moedas falsas pode ser elemento crucial e definidor do grau de facilidade com que o crime é praticado e a fé pública, portanto, é atingida.
Utilizam-se ainda de arrimo para a tese vencedora, as lições do penalista gaúcho Cezar Roberto Bitencourt quando assevera que “sujeito passivo é o Estado, representando a coletividade, BEM COMO A PESSOA LESADA. Com efeito, in concreto, sujeito passivo é sempre quem tem seu interesse lesado pela conduta do sujeito ativo; tanto pode ser sujeito passivo do crime a pessoa física como a jurídica”[4].
Dessa maneira, por 3 votos a 2, A TESE DEFENDIDA PELA DPU NÃO SE SAIU VENCEDORA, prevalecendo o entendimento de que, não obstante o crime de moeda falsa tutelar a fé pública, A EXISTÊNCIA DE VÍTIMA INDIRETA OU MEDIATA (PARTICULAR) PERMITE A AFERIÇÃO E APLICAÇÃO DA AGRAVANTE DESENHADA NO ARTIGO 61, II, H DO CPB QUANDO ENVOLVER PARTICULAR MAIOR DE 60 ANOS.
Para o Superior Tribunal de Justiça, pois, a fé pública do Estado é o bem jurídico tutelado no delito do art. 289, § 1º, do Código Penal, o que não induz à conclusão de que o Estado seja vítima exclusiva do delito. Em virtude da diversidade de meios com que a introdução da moeda falsa em circulação pode ser perpetrada, não há como negar que vítima pode ser, além do Estado, uma pessoa física, ou um estabelecimento comercial, dado o notório prejuízo experimentado por esses últimos. Não há como negar que a pessoa a quem, eventualmente, são passadas cédulas ou moedas falsas pode ser elemento crucial e definidor do grau de facilidade com que o crime será praticado, e a fé pública, portanto, atingida. No tocante ao agravamento da reprimenda quando o ofendido é ascendente, descendente irmão ou cônjuge, a preocupação do legislador foi a de punir com mais rigor aquele que quebra, ou ofende, o natural vínculo de afeto e de cumplicidade mútuo que deve existir nas relações familiares. Apesar de já destacada a essência motivadora dessa agravante, cumpre lembrar que o critério de aplicação, em caso de pessoa idosa, é objetivo, e nesta hipótese, cronológico[5].
Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido! Isso vai cair em prova!
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] Art. 289 – Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda de curso legal no país ou no estrangeiro: Pena – reclusão, de três a doze anos, e multa. § 1º – Nas mesmas penas incorre quem, por conta própria ou alheia, importa ou exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação moeda falsa. § 2º – Quem, tendo recebido de boa-fé, como verdadeira, moeda falsa ou alterada, a restitui à circulação, depois de conhecer a falsidade, é punido com detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 3º – É punido com reclusão, de três a quinze anos, e multa, o funcionário público ou diretor, gerente, ou fiscal de banco de emissão que fabrica, emite ou autoriza a fabricação ou emissão: I – de moeda com título ou peso inferior ao determinado em lei; II – de papel-moeda em quantidade superior à autorizada. § 4º – Nas mesmas penas incorre quem desvia e faz circular moeda, cuja circulação não estava ainda autorizada.
[2] MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Vol. 3 – Parte Especial. 3ª edição, Ed. Método, pg.434.
[3] PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 8ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, pág. 279
[4] BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Especial 4, 8 ed., São Paulo: Saraiva, 2014, p. 484
[5] HC 211.052/RO, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 15/09/2014.