A crise da Segurança Pública no Brasil
Não há uma definição precisa a respeito da expressão Segurança Pública, todavia, pode-se aduzir, da leitura do texto constitucional (artigo 144 da CF), que ela seja uma incumbência, dever do Estado com o objetivo de proteger a sociedade, prevenindo e controlando as manifestações da criminalidade e da violência, efetivas ou em potencial, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites legais.
Segundo Luís Flávio Sapori (2007, p. 16):
A manutenção da ordem pública é, indubitavelmente, um dos principais bens coletivos da sociedade moderna. O combate à criminalidade constitui uma atribuição estruturante do Estado nas sociedades contemporâneas. Além de prover saúde e educação, bem como outros serviços que garantem o bem-estar social, deve o Estado zelar pela preservação do patrimônio dos cidadãos e de suas respectivas integridades físicas. Os conflitos sociais derivados da disseminação de comportamentos desviantes são manejados, nas sociedades modernas, por organizações públicas especializadas na efetivação de mecanismos de controle social.
Do ponto de vista institucional, os Estados democráticos contemporâneos procuram garantir a manutenção da ordem mediante a obediência a diversos institutos legais que estabelecem os parâmetros de seu poder de atuação. Vigora no Estado Democrático de Direito, nessa ótica, a máxima ordem sob a lei.
Com esse propósito, o Estado poderá exercer o poder de polícia que consiste em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público e social dos cidadãos.
Sobre o tema, a nossa Constituição prevê:
Art. 144 da Constituição Federal que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
a ) polícia federal;
b) polícia rodoviária federal;
c) polícia ferroviária federal;
d) polícias civis;
e) polícias militares e corpos de bombeiros militares.
Percebe-se que a Segurança Pública é composta pela polícia federal, polícia rodoviária e ferroviária federal, polícias civis (estaduais) e polícias militares e corpos de bombeiros militares (também estaduais), que terão por objetivo a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
A polícia militar atua preventivamente, ou seja, possui o objetivo de inibir a ocorrência do crime, já a polícia civil funciona depois da ocorrência da infração penal, uma vez que realiza a investigação da materialidade do delito e dos indícios de autoria.
Com a preocupação sobre o tema, editou-se a Lei nº 11.473 de 2007 que dispõe sobre a cooperação federativa no âmbito da Segurança Pública nacional, a referida lei prevê que a União poderá firmar convênio com os Estados-membros e o Distrito Federal para promover atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Na referida norma há atividades de cooperação federativa em caráter consensual e serão desenvolvidas sob a coordenação conjunta da União e o Estado participante.
Não obstante haja toda uma estrutura, órgãos de segurança e um regramento jurídico com a finalidade de garantir a Segurança Pública no país, a população brasileira vive sob a sensação de total insegurança, pois há um verdadeiro caos na preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Várias dificuldades podem ser apontadas, como, por exemplo, a impunidade, a corrupção na Administração Pública, a morosidade da Justiça, o aumento das taxas de homicídio e de outros crimes violentos, a prática de crimes e abuso de autoridade por parte de policiais, linchamentos ovacionados nas redes sociais, a ineficiência das investigações policiais, a falência do sistema carcerário nacional e as dificuldades relacionadas à reforma da Justiça Criminal, do Código Penal e do Código de Processo Penal.
Além disso, temos a crise nos órgãos de Segurança Pública, pois, em regra, não há uma remuneração condizente com o exercício da profissão, a estrutura e preparação são bastante precárias. Destaca-se que quem mais sofre são os Estados, pois estão comprometidos pela crise fiscal e pelo descontentamento dos seus servidores públicos.
Sobre o tema esclarecem os sociólogos Fernanda Bestetti de Vasconcellos e Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo:
“Os Estados encontram diante das dificuldades para garantir o pagamento de salários e horas extras, e para recompor o efetivo das polícias e sua capacidade operacional (já bastante deteriorada), as autoridades da área têm procurado lidar com a crise, expressa no aumento das taxas da criminalidade violenta no Estado, com um discurso absolutamente defasado e que não tem mais conseguido seduzir a opinião pública. Utilizam argumentos como: de que “a polícia está limitada em sua capacidade de atuação desde a Constituição de 1988”, de que “a polícia prende, e a justiça solta”, ou de que “a criminalidade aumenta porque as mães estão fora trabalhando e deixam os filhos sem cuidado”, apenas demonstram o despreparo para lidar com o complexo cenário da conflitualidade social contemporânea em um contexto democrático, em que as instituições policiais (essenciais para a garantia do direito à segurança) devem atuar dentro da lei, com eficiência e submetidas a controle público. “
Infelizmente, até hoje, o Estado, em razão da atual crise política e econômica, não conseguiu enfrentar o tema com seriedade e discernimento. O único debate recente foi à ampliação das alternativas criminais e o questionamento sobre a atual política de superlotação do sistema prisional brasileiro, isso em razão das recentes rebeliões e assassinatos ocorridos em alguns presídios nacionais.
Na verdade, o anúncio de falência no sistema carcerário já é ouvido de longa data, mas, infelizmente, no Brasil, só se legisla abaixo de pressão social ou midiática ou por interesses políticos de alguns.
Pelo exposto, entende-se que é fundamental e urgente uma nova postura estatal sobre a Segurança Pública no país, faz-se necessária a implementação de políticas públicas responsáveis, também a adoção de políticas de prevenção efetivas, com participação de todos os entes da federação e da sociedade civil por meio das audiências públicas.
Também o Estado deve preocupar-se com um maior controle no recolhimento de armas ilegais, com o investimento na educação e nas oportunidades de profissionalização das pessoas que vivem em comunidades carentes, em especial para os jovens e grupos sociais considerados vulneráveis.
Quanto aos agentes de Segurança Pública, precisa-se de uma polícia bem treinada, capacitada e equipada para enfrentar a criminalidade organizada. Assim, deve-se propiciar um debate sobre a possibilidade da unificação das polícias e a reestruturação do ensino policial, com a adoção de um sistema de cursos de pós-graduação, novas técnicas de investigação, prevenção e etc.
A crise deve ser combatida com inteligência e perspicácia dos órgãos da persecução criminal e não com a acomodação ou a simples retórica das autoridades públicas, assim, além da restruturação dos órgãos de polícia, deve-se discutir cada vez mais a adoção da intervenção mínima do Direito Penal para pequenos delitos, evitando-se, destarte, o encarceramento em massa. Também deve ser realizada uma revisão da atual política criminal de combate às drogas no Brasil (esta superlota os presídios e comanda facções criminosas).
Por fim, urge ainda a necessidade da agilização na aplicação do jus puniendi estatal e a responsabilização criminal dos autores de crimes violentos, bem como, um combate mais eficaz à corrupção no sistema carcerário com o fito de evitar a entrada de celulares, drogas, armas e etc.
BIBLIOGRAFIA:
SAPORI, Luís Flávio. Segurança Pública no Brasil – Desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
VASCONCELLOS, Fernanda Bestetti de; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Quais são as perspectivas para a segurança pública no Brasil para 2016. Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/01/quais-sao-as-perspectivas-para-a-seguranca-publica-no-brasil-em-2016-4947643.html. Acessado em: 20 de março de 2017.
José Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.
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