O Supremo Tribunal Federal deu mais um passo em direção à descriminalização do porte de droga para uso próprio, crime previsto no art. 28 da Lei de Drogas.
Em decisão de julho de 2020, a ministra Cármen Lúcia entendeu que o Delegado de Polícia somente pode lavrar termo circunstanciado na ausência do Juiz de Direito.
A medida visa afastar o usuário de drogas das Delegacias de Polícia e evitar que ele seja indevidamente detido.
O Plenário do Guardião da Constituição decidiu que o Delegado de Polícia pode lavrar Termo Circunstanciado e requisitar exames e perícias em caso de flagrante de posse de entorpecentes para consumo próprio, desde que ausente um Juiz de Direito.
Por maioria de votos, o colegiado julgou improcedente a ADI 3807, ajuizada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol-Brasil) contra dispositivos da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).
A associação argumentava, entre outros pontos, que a Lei de Drogas conferia aos juízes poderes inquisitivos, com violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, em confronto com as atribuições das Polícias Federal e Civil.
A ministra Carmem Lúcia ressaltou ainda que, ao contrário do que alegado pela Adepol, o artigo não atribuiu ao Juiz atribuições de polícia judiciária, pois a lavratura de Termo Circunstanciado não configura ato de investigação, mas peça informativa, com descrição detalhada do fato e as declarações do condutor do flagrante, testemunhas e do autor do fato.
Os ministros do STF Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes acompanharam a relatora, com a ressalva de que, do ponto de vista constitucional, a lavratura do termo circunstanciado pelo Juiz de Direito não é medida preferencial em relação à atuação do Delegado de Polícia , mas, na prática, medida excepcional.
Como sempre vencido em seus votos, o Min. Marco Aurélio entendeu pela procedência do pedido e pela inconstitucionalidade da norma. Para o Ministro, a lavratura do termo circunstanciado compreende atividade investigatória privativa do Delegado de Polícia , e delegá-la ao Juiz ou outra agente do Estado, viola a repartição de competências e atribuições, prevista na Constituição Federal.
Na minha humilde opinião, não há ilegalidade na detenção do usuário de drogas pelo crime previsto no art. 28 da Lei de Drogas, uma vez que não houve a descriminalização, mas sim despenalização, nas palavras do próprio Guardião da Constituição Federal, ou seja, temos um crime no ordenamento, porém não são aplicadas penas privativas de liberdade ao dependente.
Em uma época de pandemia, em que a quase totalidade de audiências no país são realizadas por vídeo conferência, fica difícil imaginar a logística para se cumprir o que a Min Carmen Lucia estabeleceu.
À Polícia Militar cabe como atribuições o patrulhamento ostensivo e a investigação de crimes militares. Nesse sentido, como o efetivo de tal corporação é maior, por consequência a os policiais militares realizam muito mais prisões de usuários do que as demais corporações .
Assim, pelo entendimento da Min Carmem Lúcia, os militares deveriam se dirigir aos fóruns, com o usuário detido em flagrante, para lavratura do termo circunstanciado pelo Juiz de Direito.
Entendo que Autoridade Judiciária no caso seria o Juiz de Direito, e não os Analistas, Técnicos, Agentes de Segurança ou Oficiais de Justiça, que trabalham junto aos Tribunais. Pelas penas cominadas no art 28 da Lei de Drogas, o Juiz de Direito responsável pela lavratura do TCO seria o que exerce a judicatura junho ao Juizado Especial Criminal.
De toda sorte, o usuário ficará detido até que a droga seja apreendida, e levada para a Polícia Científica realize o exame preliminar de constatação de substância entorpecente. Quer dizer na prática só muda o local em que será lavrado o TCO, pois a sequência de atos para sua confecção é a mesma.
Após a elaboração do laudo preliminar, daí sim o termo circunstanciado poderia ser lavrado.
Lembrando que mesmo que o usuário de drogas se recuse a assinar o termo de compromisso de comparecimento, ele será liberado, uma vez que possui liberdade provisória obrigatória, conforme reza o art. 48 da Lei de Drogas.
Falando em tal dispositivo, já que o usuário está no fórum para que se dê a lavratura do TCO, cumprindo também o que dispõe o art 76 da Lei 9099/95, ele poderia já ser submetido à audiência preliminar para fins de transação penal.
Se levarmos em conta o tempo gasto com todo procedimento, da abordagem do usuário até o fim da audiência preliminar, ele poderá passar horas e horas na sede do Poder Judiciário, muito mais tempo do que numa Delegacia de Polícia.
Totalmente inviável o cumprimento, na prática, da decisão do STF no tocante à lavratura do TCO pelo Juiz de Direito.
Pela decisão ainda, entende-se que o Delegado de Polícia lavrará o TCO quando não houver expediente forense ou o Plantão do Judiciário não atender toda a demanda da Comarca (ou da Cidades satélites, no caso do DF).
Pior é o cenário que pode ser desenhado, se o Juiz de Direito entender que a situação flagrancial não é do crime de porte de droga para uso próprio, mas sim tráfico.
Como na há a incidência do art. 307 do CPP, o o detido e testemunhas deverão ser levados para a Delegacia de Polícia, para que situação flagrancial seja analisada pelo Delegado de Polícia, que pode ter um entendimento completamente diferente do Juiz de Direito.
Vale lembrar que a presidência do inquérito policial e o indiciamento são atos privativos do Delegado de Polícia.
Há um cenário ainda pior, não previsto pela decisão do Guardião da CF, em que equipe da Polícia Judiciária pode estar monitorado ponto de tráfico de drogas, e ao deter usuários e o traficantes em situações flagranciais, os primeiros deverão servir como testemunhas do auto de prisão em flagrante por conta da prática do crime do art. 33 da Lei de Drogas. Pela decisão do STF, os usuários devem ser levados para o Fórum, para lavratura do TCO, para depois serem levados à presença do Delegado de Polícia, para funcionarem como testemunhas do Auto de prisão em flagrante do traficante. Na prática, toda a sequência exposta pode durar um tempo considerável, o que acaba por contrariar o princípio da Celeridade, previsto na Lei dos Juizados Especiais, um dos feixes que o STF usou para tentar retirar o estigma de criminoso do usuário de drogas.
Questão formulada pelo Professor –
O Juiz de Direito é a Autoridade responsável, em regra, pela lavratura do termo circunstanciado de ocorrência, pelo crime previsto no art. 28 da Lei de Drogas.
Gabarito – Correto.
Comentários: A assertiva está de acordo com que o STF decidiu na ADI 3807 em que cabe ao Juiz de Direito à presidência do procedimento em questão, devendo o Delegado de Polícia lavrar o TCO apenas em situação excepcional, quando da ausência da Autoridade Judicial.