Direito da Sociedade: desjuridificação no Brasil: direitos para os sobrecidadãos e deveres para subcidadãos

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Olá, queridas e queridos colegas.

No artigo anterior, começamos a falar sobre direito, inclusão e cidadania e terminamos com a seguinte pergunta: seria a noção de cidadania no Brasil apenas uma “bela fachada”? Ou seja, a fase de concretização das normas constitucionais referentes aos direitos fundamentais se realizou no Brasil, possibilitando uma efetiva inclusão social?

Para responder essa questão, utilizaremos os conceitos de subintegração e sobreintegração nos países periféricos, desenvolvidos por Marcelo Neves, em contraposição ao primado da diferenciação funcional da teoria dos sistemas de Luhmann.

Segundo Neves, teríamos duas espécies de excluídos do sistema jurídico no Brasil: os subintegrados ou subcidadãos, que, embora não tenham condições reais de exercer os direitos fundamentais, estão submetidos aos deveres e às responsabilidades impostos pelo aparelho coercitivo estatal. Dito de outra forma, para os subintegrados apenas se aplicam os dispositivos constitucionais restritivos de liberdade. Os subcidadãos não têm acesso aos benefícios do sistema, ou seja, o bônus, mas arcam com o seu ônus. Portanto, não podem ser considerados excluídos do sistema.

Na sobreintegração, ocorre o inverso, pois os grupos privilegiados possuem acesso apenas aos benefícios do sistema, mas, com apoio da burocracia estatal, desenvolvem ações bloqueantes da reprodução do direito punitivo. Em síntese, “a garantia da impunidade é um dos traços mais marcantes da sobrecidadania (Neves, 1994, p. 261). A existência tanto da sobrecidadania quanto da subcidadania implode a constituição, que não atua como mecanismo de autonomia operacional do Direito, gerando o problema da desjuridificação.

Em um contexto de desjuridificação, não é possível a generalização congruente de expectativas normativas, implicando não em um pluralismo jurídico (no sentindo romântico do pós-modernismo jurídico), mas sim na própria falta de autonomia do sistema jurídico e, como consequência, a negação da própria cidadania. Dito de outra forma, a modernidade periférica se caracteriza pela falta de identidade/autonomia do Direito, não tornando possível a construção e ampliação da cidadania.

Nesse contexto, a cidadania passa a ser apenas um discurso simbólico, que serve para encobrir os problemas estruturais de subintegração e de sobreintegração da sociedade, servindo muito mais para a manutenção do status quo do que para a verdadeira realização da cidadania.

E o que podemos fazer diante dessa dura realidade? Entendemos que a conquista da cidadania no Brasil só será possível por meio de um espaço público de legalidade que possibilite a integração jurídica e igualitária de toda a população na sociedade.

Esse tipo de visão crítica do nosso sistema jurídico torna-se cada vez mais necessário, sobretudo nos momentos de maior instabilidade econômica-política-jurídica-institucional. Creio que nunca foi tão evidente a existência de sobrecidadãos, ao passo em que o alargamento das diferenças sociais aumenta a massa de subcidadãos, implodindo por completo a ideia da cidadania no Brasil, que começa a perder, inclusive, sua força simbólica.

Mas sigamos com foco, força e fé em dias melhores, acreditando na possibilidade de transformar.

REFERÊNCIA:

Neves, Marcelo. “Entre subintegração e sobreintegração: a cidadania inexistente”. In: Dados, vol 37, 1994.

Até breve,

Chiara Ramos

Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Clássica), em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Membra da Comissão de Igualdade Racial da OAB-PE. Instrutora da ESA e da EAGU. Professora do Gran Cursos Online. Ocupou o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. Foi Editora-chefe da Revista da AGU. Lecionou na Graduação e na Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Áreas de interesse: Direito Administrativo, Direito Constitucional, Ciência Política, Teoria Geral do Direito, Filosofia e Sociologia do Direito. 

 

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