Por: Elyesley Silva
Tema pujante na jurisprudência dos tribunais brasileiros é a questão referente à nomeação de candidatos aprovados em concursos públicos. Dada a lacuna legislativa sobre a matéria, é o Poder Judiciário quem tem “legislado” (digo isso sem qualquer teor crítico ou pejorativo, mas apenas com lamento pela inversão de papéis republicanos) para garantir o legítimo direito daqueles que se esforçam braviamente para alcançar um posto de trabalho efetivo no serviço público.
Até pouco tempo, era pacífico na jurisprudência o entendimento de que a Administração Pública, ao realizar concursos públicos, poderia nomear candidatos em número inferior às vagas ofertadas, ou até mesmo não nomear nenhum candidato. Uma vez encerrado o prazo de vigência do concurso, instantaneamente poderia se abrir novo concurso visando a preencher as mesmas vagas que não foram preenchidas no certame anterior. Aos candidatos aprovados que se sentissem lesados por serem “passados para trás” não havia possibilidade de exigirem administrativa ou judicialmente seu ingresso no serviço público, pois a aprovação em concurso público gerava tão somente “expectativa de direito à nomeação”.
À época, a jurisprudência do STF e do STJ era pacífica no sentido de que o candidato aprovado em concurso público, mesmo dentro do número de vagas, teria mera expectativa de direito à nomeação, podendo a Administração, motivadamente, optar por não nomear nenhum candidato aprovado.
Todavia, com a crescente realização de concursos públicos em todo o país, mormente de 2004 aos dias atuais, a jurisprudência não poderia permanecer a mesma, posto que a conduta de não nomear nenhum candidato ou nomear em número inferior às vagas notoriamente vai de encontro aos princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança gerada nos administrados.
Assim, esses mesmos Tribunais passaram a adotar posicionamento distinto: o candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação. Fica, portanto, a Administração Pública vinculada às normas do edital e obrigada a preencher as vagas previstas para o certame dentro do prazo de validade do concurso.
Nesse contexto, por outro lado, poderia-se concluir que candidatos aprovados fora do número de vagas previstas em edital têm mera expectativa de direito à nomeação. Entretanto, nem sempre é assim. Há ocasiões em que candidatos, ainda que aprovados para integrar somente cadastro de reserva, terão direito subjetivo à nomeação.
A primeira situação a ser apreciada ocorre quando há candidato aprovado em concurso público e a Administração Pública, ao invés de nomeá-lo, contrata ou mantém contratados funcionários terceirizados, temporários, requisitados, servidores comissionados ou contratação de terceiros precariamente (p. ex., por convênio) exercendo exatamente a mesma função ou cargo para o qual foi realizado o concurso público. Nessa situação, a jurisprudência dos tribunais não é vacilante quanto a garantir direito à nomeação a candidatos que se encontrem nessa situação.
Note que não se está declarando que a Administração Pública esteja obrigada a nomear candidato aprovado fora do número de vagas previstas, simplesmente pela existência ou surgimento de nova vaga, seja por nova lei, seja decorrente de vacância. O que se está afirmando é que, caso haja cargos vagos e as atribuições respectivas estejam desempenhadas por terceiros contratados precariamente, haverá direito à nomeação para os candidatos aprovados, mesmo fora do número de vagas, em concurso público com prazo de validade em vigência.
Situação diversa ocorre quando o edital dispõe expressamente que serão providas as vagas oferecidas e outras que vierem a existir durante a validade do concurso. Nesse contexto, os candidatos aprovados fora do número de vagas oferecidas – mas dentro do número das vagas posteriormente surgidas ou criadas – têm direito líquido e certo à nomeação no cargo público. Foi exatamente esse o entendimento adotado pelo STJ em concurso público destinado ao preenchimento de sete vagas, bem como daquelas que viessem a existir durante o período em que tivesse validade o certame. Após a realização do concurso, foram convocados os cem candidatos aprovados para o curso de formação. Durante a validade do concurso, foram nomeados os sete mais bem classificados, mais 84 aprovados que não passaram dentro das vagas, restando nove candidatos na lista de espera. Após as mencionadas nomeações, o órgão deixou de nomear os candidatos remanescentes ao argumento de que não havia vagas. Menos de seis meses após o fim da validade do concurso, o órgão lançou novo concurso para preenchimento de trinta vagas. Por não considerar crível a versão de que não havia vagas, visto que, seis meses depois, sem nenhum fato extraordinário, o órgão lançou novo certame, o Tribunal entendeu que não houve motivação idônea para preterição dos nove candidatos remanescentes, razão pela qual assiste direito aos candidatos do cadastro de reserva.
Também foi apreciado pelo Tribunal da Cidadania o caso de uma candidata que foi aprovada na primeira colocação em concurso público que não previa número de vagas, mas tão somente cadastro de reserva. Transcorrido todo o prazo de validade do certame, e não tendo sido nomeada, a candidata intentou ação judicial invocando direito líquido e certo à nomeação. O Tribunal de Justiça local denegou a segurança, asseverando que não lhe assistiria o direito à nomeação, uma vez que a candidata não teria sido preterida na ordem de classificação e a Administração não estaria adotando mecanismos precários de preenchimento da vaga existente. Não obstante, em sede de recurso o STJ entendeu que, se a Administração abriu concurso público, é por que pelo menos uma vaga efetivamente existiria. Caso contrário, seria ilógica a abertura de novo concurso público. Logo, a candidata aprovada na primeira colocação tem direito subjetivo a ser nomeada para esta vaga.
Por tudo quanto exposto, fica claro que há uma tendência de abertura jurisprudencial no tocante às hipóteses em que candidatos aprovados em concurso público, mesmo que para formar cadastro de reserva, têm direito líquido e certo à nomeação. Em que pese possamos comemorar essa tendência, não podemos nos esquecer que o melhor cenário seria aquele em que tais direitos estivessem garantidos diretamente por lei formal, privilegiando a segregação de funções estatais, tão desejada num país como o Brasil, que adota a forma republicana de governo.
Na esfera federal, não há lei que discipline a realização de concursos públicos.
STF: AI 373.054/SP, Rel.ª Min.ª ELLEN GRACIE, DJ 27.09.2002; RE-AgR 421.938/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 02.06.2006. STJ: RMS 11.986/ES, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ 10.02.2003; RMS 15.203/PE, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ 17.02.2003; MS 9909/DF, Rel.ª Min.ª LAURITA VAZ, DJ 30.03.2005.
STF, RE 598.099/MS, Rel. Min. GILMAR MENDES, julg.: 10.8.2011. Precedente: RE 227480/RJ, Rel. Min. MENEZES DIREITO, rel.ª p/ o acórdão Min.ª CÁRMEN LÚCIA, DJe 16.09.2008. Alguns precedentes no STJ: RMS 27508/DF, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 18.05.2009. No mesmo sentido: REsp 1.220.684/AM, Rel. Min. CASTRO MEIRA, julg.: 03.02.2011.
Precedentes no STJ: RMS 37.700-RO, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Julg.: 04.04.2013; MS 13.823/DF, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 12.05.2010; RMS 31.847/RS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Julg.: 22.11.2011; RMS 29.227/RJ, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe 03.08.2009; RMS 18.990/MG, Rel.ª Min.ª LAURITA VAZ, DJ 25.09.2006; RMS 16.489/PR, Rel. Min. OG FERNANDES, DJ 10.11.2008. Na mesma linha, precedentes do STF: AI-AgR 440.895/SE, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 20.10.2006; AI 820.065 AgR/GO, Rel. Min. ROSA WEBER, Julg.: 21/08/2012; RMS 29.915/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 26.09.2012.
RMS 27.389-PB, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Julg.: 14.08.2012. Precedentes do STF: RE 598.099-MS, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 03.10.2011; RE 581.113-SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 31.05.2011; Precedentes do STJ: RMS 34.789-PB, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe 25.10.2011; AgRg no RMS 34.975-DF, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 16.11.2011.
AgRg no RMS 33.426/RS, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJe 30.08.2011.