O nome é raro e a história é única. Aragonê nasceu em Brasília, meses depois de os pais chegarem da Paraíba em busca de uma vida melhor. A família veio com pressa e fome, disposta a morar na casa de paredes finas instalada no lote minúsculo de um programa habitacional do governo. A certa altura, o quarto dividido entre os irmãos ficou tão estreito que precisou passar por reforma, o menino fazendo as vezes de ajudante de pedreiro, carregando cimento para lá e para cá, com as orelhas queimando ao sol. Foi o que lhe rendeu o apelido de “orelha seca”, aprendido não no dicionário, mas no concreto.
O bairro? Estigmatizado por um repórter policial da época como “Caldeirão do Diabo”, veio a receber o vizinho Sol Nascente, hoje a segunda maior favela da América Latina. Dentro de casa, pobreza não era metáfora; era conta de luz vencida, tênis remendado, ônibus como regra, café com farinha nos dias em que o dinheiro faltava… O pacote de biscoitos comprado a 19 centavos numa promoção casual virou lembrança agridoce de tantos recreios sem lanche.
Nosso protagonista sempre estudou em escola pública, do primeiro rabisco ao fim do ensino médio. As salas cheias da periferia foram o seu primeiro território. Mais tarde, veio a seletiva para o Elefante Branco, também da rede pública, porém referência na Capital. No terceiro ano, quando precisou trabalhar de dia, pediu transferência para uma escola em Taguatinga, e a rotina passou a ser a sala de aula simples à noite, o balcão de despachante pela manhã e a humildade diária de perguntar o que era um “croqui”.

Um dos poucos registros da infância de Aragonê.
O garoto conseguia algum dinheiro vendendo din-dim, picolé, docinhos e camisetas de Fórmula 1 nas quadras de uma região nobre do DF. Mirrado e sempre de mochila nas costas, descobriu o poder da empatia quando, ao ser zombado por causa das marcas nas camisetas, pessoas mais solidárias compraram seus produtos, por piedade ou, quem sabe, respeito.
A marmita trazia mais que comida: vinha carregada de vergonha, exposta pelo cheiro. Naquele tempo, houve lotação pirata com o pai, com direito a kombi arrancando antes de o garoto terminar de embarcar, a roda esfolando a canela… E houve a conta mínima de água, de R$ 7,41, valor que ele, já funcionário da Caesb, testemunhou tantos pais de família não conseguirem pagar.
Em compensação, era bom aluno. Ser nerd de escola pública tem lá seu script: notas altas, broncas por “perturbar” a turma ao terminar a prova cedo demais, bullying por ser pobre, magrelo e estudioso. Somente em dia de prova tinha “amigos”, que buscavam as carteiras mais próximas, sabe-se bem por quê…
O universo dos concursos públicos se abriu cedo para ele. O primeiro foi para a vaga na escola de elite. Ficou em 51º lugar sem nem saber direito o que era o tal do Elefante Branco. Escolheu pela sonoridade do nome, que evocava a imagem de algo imponente. Depois, vieram os concursos de recenseador do IBGE — dois dias que acenderam a chama do “é possível” —, de atendente da Caesb, de técnico do STJ e de analista do STF. A escada estava em construção, cada degrau custando tempo, suor e esperança.

Como ele próprio diz, “estuda que até a foto muda”.
Foi numa visita ao local de trabalho da irmã, recém-aprovada no STJ, que o sonho se tornou promessa: “Um dia eu trabalho aqui”, prometeu, e voltou para casa com dívida emocional. Sem dinheiro para os cursinhos mais caros e famosos, estudou em um na Ceilândia. O resultado foi a aprovação em 76º para o cargo de técnico. Só então ousou sonhar com a faculdade de Direito, particular, paga com salário contado. Quando a coisa apertava, fazia só três matérias no semestre; quando sobrava um pouco mais de dinheiro, engatava cinco pela manhã, cinco à noite e duas no sábado.
A escalada continuou. Foi de técnico a analista, de analista a assessor de ministro, e então o sonho inicial começou a parecer modesto demais. Com as barreiras rompidas, os questionamentos chegavam sem pedir licença: “Por que não defensor? Que tal tentar para promotor? E juiz?”
Naturalmente, houve intercorrências. Em especial, a falta de tempo para conciliar todas as responsabilidades. O único turno viável para seguir na preparação como concurseiro era a madrugada, especificamente da meia-noite às duas. (troquei de lugar o estudo na madrugada).
De eliminação por causa de chave esquecida no bolso a edital que retirou seu nome da lista de aprovados, passando pelas inevitáveis reprovações em uma ou outra fase do certame. Tudo parte da evolução do concurseiro. Os pais incentivavam sempre. O pai perguntava a cada etapa vencida: “Acabou?”. Da mãe chegou a ouvir o que jamais conseguiu esquecer: “A gente saiu da Paraíba com fome. Já pensou voltar com você juiz?”
Demorou um pouco mais que o esperado. Veio a oral da Defensoria, com a “teoria do corpo neutro” explicada graças à metáfora de engavetamento no trânsito soprada pelo examinador. Na da Promotoria, a sabatina durou 1 hora e 15 minutos. Na da Magistratura, ficou mais de 2 horas sob o olhar do irmão, policial judicial, sentado na primeira fileira…
Foi aí que tudo, enfim, mudou, inclusive a resposta à pergunta de sempre do pai. “Acabou”, disse, emocionado ao pensar na conta de água atrasada, na marmita no ônibus, nos anos em que café com farinha foi refeição.
Aragonê tomou posse como Juiz Substituto do TJDFT em 13 de julho de 2012, Dia do Rock e, no seu caso, do “medo bom”. No curso dos anos, descobriu que justiça, beleza e verdade (Platão explica) nem sempre caminham juntas, que julgar gente é mais difícil que citar lei, que em audiências de custódia a dor muda de nome a cada cinco minutos e que cabelo embranquece rápido.
Como professor, achou que poderia “dar o golpe no online”. A ideia era gravar algumas aulas, apenas para ter o que mostrar aos filhos, e sumir. Logo entendeu, porém, que o estúdio de gravação tem o poder de levar a inspiração do menino da Ceilândia até quem estuda através do celular. Não demorou para começar a ouvir nas ruas, nas entregas dos motoboys, nos mercados e padarias: “Professor, você mudou minha vida”.

Cerimônia de posse do 39º Concurso Público para Juiz Substituto do TJDFT. Encontre Wally (professor Aragonê).
Se alguém perguntar o que o serviço público lhe rendeu, ele não dirá “estabilidade”. Dirá “previsibilidade”. Dirá “pediatra no próprio tribunal em vez de convênio negado”. Dirá “supermercado sem precisar devolver item no caixa”. Dirá “um dia com os filhos curtindo o mar”, o mesmo que ele só conheceu aos 20 anos. E repetirá uma tese antiga, de que aprovação deveria vir como convite de casamento: “Aragonê e família…”. Porque, onde há escola pública e café com farinha, ninguém atravessa sozinho.
Juiz de competência múltipla, gosta de mercado — antes, até esse gosto era luxo —, de cachorro-quente, de carro e de consertar o que dá. Na sala de aula, começa do começo: “Leia a Constituição antes de me ouvir”. Para quem estacionou nos 70%, a dica é olhar no espelho, dominar o básico e estudar com método, não com sorte.

Nos estúdios do Gran “a long time ago”, como ele mesmo fala. Ano que vem, fará 10 anos de casa, onde coleciona milhares e milhares de vidas impactadas.
A história do mestre Aragonê não tem milagre: tem método, constância e escola pública. É o menino da camiseta da Fórmula 1, da marmita no ônibus lotado, do biscoito de 19 centavos. Aquele que jurou trabalhar num tribunal e cumpriu a promessa.
O primeiro sonho era ser técnico judiciário. Depois, a meta passou a ser a Magistratura, alcançada após 16 anos de jornada.
Mas isso foi só a largada.
Hoje juiz, professor, autor e filantropo, Aragonê, por meio do Instituto Sai Pobreza, ajuda crianças a terem material escolar digno, inclusive nas mesmas escolas onde ele próprio estudou. E, com orgulho, o Gran se soma a essa corrente: o que é vendido na Lojinha Social — camisetas, livros, canecas (porque concurseiro ama café) — é revertido para o Instituto.
Nem sempre sabemos o tamanho do que podemos. Descobrimos tentando, insistindo, recomeçando. Aragonê tentou e conseguiu. Ao fazê-lo, abriu caminho para que outros tantos não caminhem sozinhos. Há muitos “Aragonês” por aí — talvez não com esse nome (rs), mas com a mesma fome de futuro.

Na “formatura” da 4ª série (atual 5º ano). Essa e a outra em que cursou o ensino fundamental (5ª a 8ª série) recebem 200 kits cada do Instituto Sai Pobreza.

O Instituto faz um lindo trabalho de levar material de qualidade para crianças carentes em escolas públicas. Além dos instrumentos necessários para estudar, chega também esperança de um futuro melhor.
Gabriel Granjeiro – CEO e sócio-fundador do Gran, maior Edtech do Brasil em número de alunos, com mais de 800 mil discentes ativos pagantes. Reitor e professor da Gran Faculdade. Acompanha o universo dos concursos desde a adolescência e ingressou profissionalmente nele aos 14 anos. Desde 2016, escreve artigos semanais para o blog do Gran, que já somam milhões de leitores.
Formou-se entre os melhores alunos em Administração e Marketing pela New York University Stern School of Business. Foi incluído na lista Forbes Under 30 (2021), eleito Empreendedor do Ano pela Ernst & Young (2024) e reconhecido pela MIT Technology Review como Innovator Under 35 no Brasil e na América Latina. Autor de quatro livros best-seller na Amazon Kindle.
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