Olá pessoal, tudo certo?
Quem acompanha nossas aulas de processo penal sabe que uma peculiar preocupação em manter os nossos alunos atualizados com os temas de maior probabilidade de cobrança em provas de certames públicos, mas também de trazer e trabalhar assuntos modernos e que possuam chances de surpreender a maioria dos candidatos.
Nesse caminhar, já há algum tempo, tenho trabalhado em nossos encontros de processo penal sobre a figura do fishing expedition, tema essa que, inclusive, já apareceu em provas orais, discursivas e também objetivas!
Ou seja, se você não sabe ou não domina com segurança esse tema, é mais do que urgente que acompanhe as próximas linhas.
Trata-se de prática deplorável, repleta de carga preconceituosa e recheada de inconstitucionalidades. Porém, arbitrariedades toleradas, com algum grau significativo de conveniência, por parte de alguns “exemplares de cidadãos de bem”. No processo penal, a figura da FISHING EXPEDITION é percebida a partir de uma investigação criminal especulativa, sem objeto certo ou determinado. Lança-se a rede das medidas especiais de investigação para colher “alguma coisa”.
Seria uma atuação pautada na seguinte ideia: “tenho convicção de que se procurarmos ferrenhamente dentro daquela comunidade, encontraremos algum ilícito. Não sei o que é, onde está, com quem está e como foi parar lá. Mas se procurar, algo de podre e ilícito encontraremos”. Essa é uma frase que traduz o espírito dessa prática não rara no Brasil.
Segundo Philipe Benoni Melo e Silva, trata-se de situação em que são lançadas as redes da investigação com a esperança de “pescar” qualquer prova, para subsidiar uma futura acusação. Ou seja, é uma investigação prévia, realizada de maneira muito ampla e genérica para buscar evidências sobre a prática de futuros crimes. Como consequência, não pode ser aceita no ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de malferimento das balizas de um processo penal democrático de índole Constitucional.
De acordo com o escólio do professor Alexandre de Morais da Rosa, “Fishing Expedition ou Pescaria Probatória é a procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem
‘causa provável’, alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém. É a prática relativamente comum de se aproveitar dos espaços de exercício de poder para subverter a lógica das garantias constitucionais, vasculhando-se a intimidade, a vida privada, enfim, violando-se direitos fundamentais, para além dos limites legais. O termo se refere à incerteza própria das expedições de pesca, em que não se sabe, antecipadamente, se haverá peixe, nem os espécimes que podem ser fisgados, muito menos a quantidade” (grifos nosso)[1].
O mais claro exemplar da prática da “expedição aleatória da pescaria probatória” é, sem dúvidas, os Mandados de Busca e Apreensão GENÉRICOS ou coletivos. Ora, a referida medida cautelar ostenta restrição de direito fundamentação (regulada no art. 240 do CPP) e deve ser observada a partir dos estritos requisitos vigentes.
Ela deve ser CERTA E DETERMINADA, individualizando ao máximo o local em que se pretende realizar a diligência. O Supremo Tribunal Federal é profícuo em precedentes que apontam para a IMPOSSIBILIDADE de mandados genéricos, exigindo-se a individualização da localidade em que será efetuada a busca e apreensão, mormente por envolver flexibilização da inviolabilidade domiciliar (HC 106.566[2]). O contrário teria o condão de violar a previsão do art. 243, I e II do CPP.
A fishing expedition existe e NÃO deve ser tolerada também em relação às interceptações telefônicas, conforme previsão extraída diretamente da Lei 9296/96, e tampouco em relação às buscas e apreensão. Aliás, recentemente, o próprio Superior Tribunal de Justiça anotou que admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, EM VERDADEIRA PESCARIA PROBATÓRIA (FISHING EXPEDITION). Vejamos uma situação hipotética. Imagine-se que, no decorrer de uma investigação pela prática dos crimes de furto e receptação, a autoridade policial represente pela concessão de mandado de busca e apreensão, a fim de recuperar um celular subtraído, cujo localizador (GPS) aponte estar em determinada moradia. Deferida a ordem para a procura do aparelho, a polícia, por ocasião do cumprimento da diligência, aproveita a oportunidade para levar cães farejadores com o objetivo de verificar a possível existência de drogas no local, as quais acabam sendo encontradas. Conquanto seja perfeitamente lícito o ingresso em domicílio, é ilegal a apreensão das drogas, por não haver sido precedida de justa causa quanto à sua existência e por não decorrer de mero encontro fortuito – esse admissível – mas sim de manifesto desvio de finalidade no cumprimento do ato, o qual, no primeiro caso, se limitava a autorizar o ingresso para a recuperação do celular subtraído; no segundo, apenas para efetuar a prisão do roubador e recuperar a motocicleta subtraída[3].
Excelente tema para cair na sua prova!
Espero que tenham compreendido e gostado.
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] ROSA, Alexandre Morais da, Guia do Processo Penal Estratégico: de acordo com a Teoria dos Jogos, 1ª ed., Santa Catarina: Emais, 2021, p. 389-390
[2] Habeas corpus. 2. Inviolabilidade de domicílio (art. 5º, IX, CF). Busca e apreensão em estabelecimento empresarial. Estabelecimentos empresariais estão sujeitos à proteção contra o ingresso não consentido. 3. Não verificação das hipóteses que dispensam o consentimento. 4. Mandado de busca e apreensão perfeitamente delimitado. Diligência estendida para endereço ulterior sem nova autorização judicial. Ilicitude do resultado da diligência. 5. Ordem concedida, para determinar a inutilização das provas. (HC 106566, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 16/12/2014).
[3] HC 663.055-MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022