Fala pessoal, tudo certo?
Hoje vamos falar sobre um tema bastante interessante e que, com absoluta certeza, voltará a ser cobrado em provas de concurso, podendo – aliás – ser explorado não apenas na área processual criminal, como também na prova de direito constitucional.
Sabe-se que a união estável é uma forma de entidade familiar que, para seu reconhecimento, exige a presença de quatro requisitos, conforme estabelece o art. 1723 do Código Civil. Assim, a relação de companheirismo precisa ser (i) duradoura, (ii) contínua, (iii) pública e (iv) com objetivo de constituir família.
Com o passar dos tempos, a doutrina veio sustentando a necessidade de fazer uma leitura desse instituto condizendo com a dignidade da pessoa humana, inclusive viabilizando o reconhecimento dessa entidade familiar entre pessoas homoafetivas. Nesse caminhar, aliás, o amadurecimento constitucional foi externalizado pelo Supremo Tribunal Federal, expressando a equivalência jurídica entre o casamento e a união estável. À ocasião, a Corte reconheceu a inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico, aplicando-se a união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva[1].
Feito tal registro, é importante analisar um (potencial) impacto no âmbito do processo penal. É que o legislador estabelece, em situações de substituição processual e legitimação para propositura de queixa-crime ou representação, em caso de morte ou ausência da vítima, a legitimidade do “CADI” (cônjuge, ascendente, descendente e irmãos). Vejamos o Código de Processo Penal:
Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. § 1o No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao CÔNJUGE, ASCENDENTE, DESCENDENTE OU IRMÃO. | Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao CÔNJUGE, ASCENDENTE, DESCENDENTE OU IRMÃO. |
Diante do (novo) entendimento constitucional evidenciado pela doutrina e pelo Supremo Tribunal Federal, é possível apontar – não obstante a ausência de previsão na norma processual penal – o(a) companheiro(a) como também legitimado nas situações delineadas nos dispositivos supraindicado?
De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Corte Especial, a resposta é POSITIVA. Aliás, essa possibilidade abarcará não apenas as relações de companheirismo heteroafetiva, como também as homoafetivas.
No caso concreto, o STJ entendeu que a companheira, em união estável homoafetiva reconhecida, goza do mesmo status de cônjuge para o processo penal, possuindo legitimidade para ajuizar a ação penal privada. Em um crime de ação penal privada (ex. Calúnia), em havendo morte da vítima, a titularidade será do CADI, conforme previsão do art. 24, § 1o, do CPP (No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão).
Pedro, mas no referido rol NÃO HÁ MENÇÃO AO COMPANHEIRO(A)!
De fato, mas o CPP é bem antigo, lembra? Precisa de uma filtragem e interpretação constitucional. Justamente por isso, o STJ veio a reconhecer a possibilidade de o(a) companheiro(a) – em relações hetero ou homoafetivas – gozar do mesmo status do cônjuge.
Nesse mesmo sentido, caminha parcela da doutrina especializada. Vejamos:
“Cônjuge: a lei processual penal admite analogia (art. 3º, CPP), razão pela qual entendemos ser possível estender a legitimidade ativa para a companheira (ou companheiro), quando
comprovada a união estável ou desde que esta não seja questionada pelo querelado. A proteção dos interesses da família pode justificar essa iniciativa da pessoa que viva com a outra há muitos anos. Não teria sentido, em se tratando de mera legitimação
ativa, excluir a companheira (ou companheiro)[2].
Anota isso, porque já caiu e vai continuar caindo em provas!
Espero que tenham entendido e, sobretudo, gostado!
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] RE 646721, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO.
[2] Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 12. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 155.
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