(IM)Possibilidade de acordo de colaboração premiada com base na Lei 12.850/2013 quando inexistente crime de ORCRIM é possível?

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Olá pessoal, tudo certo?

Falaremos hoje sobre um tema interessantíssimo e com extrema probabilidade de cair nas próximas provas.

Atenção! Tratando-se sobre Colaboração Premiada à luz do delineamento firmado na Lei 12.850/2013, não preciso nem falar que se trata de um dos tópicos que mais despenca em provas quando o assunto é a Lei de Organização Criminosa. Somado ao fato de o precedente de fundo do presente texto NÃO ter sido veiculado em informativo de jurisprudência e, diante da constância com que temos nos deparado de questões exigindo conhecimento de julgados além de informativos em certames de carreiras jurídicas, tem quase certeza de que isso aparecerá nas próximas provas.

Feito o alerta, já compreendemos a relevância do tema. Agora, vamos enfrentá-lo.

A Lei n. 12.850/2013 dispõe sobre a investigação criminal e os meios de obtenção da prova nos procedimentos sobre organizações criminosas (as quais, nos termos do art. 1.º, § 1.º, da Lei n. 12.850/2013, constituem-se pela “associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional“).

No caso concreto, de acordo com as apurações iniciais, verificou-se a potencial participação de ao menos 7 (sete) pessoas naturais com atribuições específicas no esquema, supostamente para a prática de infrações penais cujas penas máximas são superiores a 4 (quatro) anos. Portanto, havia os pressupostos para que eventualmente pudesse ser caracterizada, validamente, organização criminosa.

Entretanto, houve realização de acordo de colaboração premiada com um dos coautores, ainda que não tenha se verificada a imputação do crime de Organização Criminosa, tipificado no art. 2º, da Lei 12.850/2013.

Dessa maneira, a defesa sustentou pela ilegalidade de todas as provas, direta ou indiretamente relacionadas à colaboração premiada estabelecida a partir do art. 4º da Lei 12.850/2013, justamente por não ter havido imputação específica do crime de organização criminosa.

Essa alegação foi aceita pelo STJ?

A resposta é NEGATIVA, porém é importantíssimo compreendermos as razões (na minha ótica, acertadas). Vejamos.

Em primeiro lugar, cumpre anotar que o próprio Supremo Tribunal Federal ostenta diversos precedentes em que imputações realizadas pelo Ministério Público foram devidamente aceitas (recebidas) (Inq 4011, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 12/06/2018, DJe 18/12/2018; Inq 3982, Rel. Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 07/03/2017, DJe 02/06/2017), bem como firmadas decisões de caráter condenatório (AP 694, Rel. Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 02/05/2017, DJe 30/08/2017), lastreados em elementos probatórios oriundos de colaborações premiadas em que NÃO HOUVE A IMPUTAÇÃO ESPECÍFICA ou condenação pelo crime de “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”, previsto no art. 2.º da Lei n. 12.850/2013.

Em semelhante linha de raciocínio, é importante salientar que o eminente professor André Luíz Callegari anota que “o argumento de que só os crimes praticados por organização criminosa são capazes de gerar o benefício da colaboração não pode prosperar, pois, muitas vezes, não há uma estrutura propriamente de organização (ou estrutura empresarial) e nem por isso os associados à prática delitiva cometem delitos que não mereceriam um acordo com o Estado” (grifos nossos)[1].

Outro argumento interessante fincado na peça defensiva é no sentido de que grande parte das evidências atingidas e referenciadas no processo em questão teriam sido alicerçadas a partir de colaboração premiada pactuada em relação a crimes diversos da imputação em questão, sugerindo-se, pois, um desvio de finalidade.

Também não prospera tal argumento. Aliás, como ratificado pelo Superior Tribunal de Justiça, é uníssona a compreensão da Suprema Corte de que “os
elementos de informação trazidos pelo colaborador a respeito de crimes que não sejam
conexos ao objeto da investigação primária devem receber o mesmo tratamento conferido à descoberta fortuita ou ao encontro fortuito de provas[2].

Dessa maneira, mais uma vez, a constatação a que chegou o STJ é de que o acordo de colaboração premiada arrimado no art. 4º da Lei 12.850/2013 não está condicionado à efetiva investigação ou imputação do crime de Organização Criminosa, sendo possível e válida sua realização, pactuação e homologação também em relação a crimes outros perpetrados em concurso de agentes[3].

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

[1] CALLEGARI, André Luís. Colaboração Premiada: aspectos teóricos e práticos. Série IDP: Linha Pesquisa Acadêmica. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 16.

[2] STF, Pet 8090-AgR, Relator Ministro Edson Fachin, Relator p/ o acórdão Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 08/09/2020, DJe 10/12/2020.

[3] HC n. 582.678/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 21/6/2022.

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