Olá pessoal, tudo certo?
Hoje falaremos sobre um importantíssimo tema e que, pelo que temos estudado, a grande maioria dos livros e materiais encontram-se desatualizados, o que pode contribuir para erros de questões por parte de candidatos. Refiro-me à (im)possibilidade de decretação de prisão preventiva diante da definição de regime inicial semiaberto no âmbito da condenação criminal.
Imaginemos que Antônio esteja sendo processado e venha a ser condenado em 1ª instância, determinando o juízo o regime inicial semiaberto. Contudo, considerando que as razões que justificaram a prisão cautelar durante a instrução permanecem, o juízo determina que Antônio NÃO PODE RECORRER em liberdade! E isso ainda que NÃO haja recurso do Ministério Público!
Essa conduta do juízo está correta?
Há, basicamente, duas posições sobre esse tema. A primeira, historicamente majoritária no âmbito do Supremo Tribunal Federal, milita no sentido de equívoco da solução de decretação da preventiva após a condenação, no contexto mencionado. Isso porque, diante da ausência de impugnação recursal acusatória, a pior situação passível de ser vivenciada do ponto de vista jurídico por Antônio é exatamente o cumprimento da pena em regime inicial semiaberto.
Ora, a prisão cautelar preventiva é experimentada de forma similar ao regime fechado. Dessa maneira, na situação apresentada, o exercício do direito recursal (apresentação de apelação) por Antônio culminaria em implicar situação mais grave e recrudescida do que se se quedasse inerte, dando início ao cumprimento em regime semiaberto. Assim, permitindo-se que o réu aguardasse o julgamento preso cautelarmente (em tratamento semelhante ao regime fechado), mesmo tendo sido condenado a regime aberto ou semiaberto, seria mais benéfico para ele renunciar ao direito de recorrer e iniciar imediatamente o cumprimento da pena no regime estipulado do que exercer seu direito de impugnar a decisão perante o 2ª instância. Não há qualquer sentido razoável nessa constatação.
Ademais, teríamos evidente violação ao postulado da homogeneidade. Por ele, o Juiz não pode impor ao acusado um encarceramento mais intenso (e grave) do que aquele que lhe seria aplicado em caso de real condenação, sob pena de tornar o processo penal mais punitivo do que a própria sanção penal! A violação ao referido postulado reflete uma (cada vez mais frequente) inversão prática da lógica do in dubio pro reo e da excepcionalidade das medidas cautelares encarceradoras (a partir do binômio necessidade adequação)[1].
Dito de outra forma, permitir a possibilidade de prisão cautelar (regime fechado) durante a pendência de recurso exclusivamente da defesa manejado em face de condenação à regime semiaberto funcionaria como espécie de “coação psicológica” para que o acusado DEIXASSE DE RECORRER, já que a situação IMEDIATA (regime semiaberto) seria mais vantajosa do que a prisão cautelar, violando a razoabilidade e proporcionalidade.
Como anotado anteriormente, essa sempre foi a orientação predominante do Supremo Tribunal Federal. Conforme estabelecido em
alguns precedentes a manutenção da PRISÃO PROVISÓRIA É INCOMPATÍVEL COM A FIXAÇÃO DE REGIME DE INÍCIO DE CUMPRIMENTO DE PENA MENOS SEVERO QUE O FECHADO[2].
Feito o registro, imprescindível se faz compreender que essa orientação não vige entre os Ministros do Superior Tribunal de Justiça. Ao contrário, a Corte aponta pela possibilidade de decretação da prisão preventiva em casos tais, desde que sejam tomados e observados alguns cuidados e adaptações.
Contudo, para afastar o argumento de violação da homogeneidade e proporcionalidade, a Corte propõe um GIRO HERMENÊUTICO e exige a adoção de providência sem arrimo legal!
Segundo o STJ, o recorrente poderá ficar preso cautelarmente enquanto pendente seu recurso, desde que haja o preenchimento dos requisitos legais, mas essa prisão cautelar deverá seguir as regras e ditames do regime prisional imposto na sentença condenatória. No nosso exemplo, Antônio deverá ficar recluso cautelarmente COMO SE ESTIVESSE CUMPRINDO PENA NO REGIME SEMIABERTO!
Para a Corte, não há “ilegalidade na ordenação da prisão preventiva quando demonstrado, com base em fatores concretos, que a segregação se mostra necessária a bem da ordem pública, dado seu histórico criminal. (…) Indevida a aplicação de cautelares diversas quando a segregação se encontra justificada na periculosidade do agente, bem demonstrada pela recalcitrância delitiva, evitando-se a reprodução de fatos criminosos de igual natureza. Não há incompatibilidade na fixação do modo semiaberto de cumprimento da pena e o instituto da prisão preventiva, BASTANDO A ADEQUAÇÃO DA CONSTRIÇÃO AO MODO DE EXECUÇÃO ESTABELECIDO”[3]. É uníssona a compreensão das Turmas Criminais nesse sentido, conforme se verifica do esquema abaixo indicado:
5ª Turma do STJ | 6ª Turma do STJ |
Não há incompatibilidade na fixação do modo semiaberto de cumprimento da pena e o instituto da prisão preventiva, bastando a adequação da constrição ao modo de execução estabelecido (STJ, AgRg no RHC 110.762, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 26.05.2020). | A jurisprudência dominante na Terceira Seção desta Corte Superior é no sentido de que a prisão provisória é compatível com o regime semiaberto, sendo necessária apenas a adequação da prisão cautelar com o regime carcerário fixado na sentença (STJ, AgRg no HC 597.111, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª Turma, julgado em 22.09.2020). |
Então quer dizer que há divergência entre o STF e STJ sobre esse tema, Pedro?
CUIDADO! Na verdade, HAVIA divergência, porém não mais isso ocorre de forma tranquila.
Não se pode afirmar categoricamente HOJE que o Supremo Tribunal Federal uniformizou seu entendimento para se alinhar definitivamente ao STJ. Entretanto, a partir de algumas das últimas manifestações de suas Turmas, essa parece ser uma tendência. Vejamos o seguinte precedente da 1ª Turma (vale registrar que a Ministra Carmen Lucia, no voto condutor do caso abaixo transcrito, mencionou ainda uma série de decisões de sua lavra em sentido semelhante[4]):
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. DESCABIMENTO DE IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DETERMINAÇÃO DE CUMPRIMENTO DA PRISÃO PREVENTIVA EM ESTABELECIMENTO ADEQUADO AO REGIME SEMIABERTO FIXADO NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO (HC 208981 AgR, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 21/02/2022).
Em casos excepcionais, também a 2ª Turma da Corte tem admitido semelhante orientação, desde que seja realizado o conjunto de adequações para compatibilizar ao regime em questão e não conferir tratamento materialmente prejudicial ao imputado. Assim, “desde que respeitada a proporcionalidade, admite-se a manutenção da prisão preventiva quando fixado o regime semiaberto na sentença condenatória, como em situações de reiteração delitiva ou, por exemplo, violência de gênero”[5].
Complementarmente, evidencie-se não haver óbice à progressão de regime no âmbito da prisão cautelar somente em razão de eventual incompatibilidade posterior com a preventiva. Sobre o tema, destaque-se que instaurada execução provisória, em razão da manutenção da prisão preventiva, houve progressão de regime para o semiaberto, inclusive com a colocação da paciente em prisão domiciliar. Não há óbice à prisão preventiva porque o regime semiaberto foi superveniente, justamente para compatibilizar o cumprimento da pena com a situação individual da paciente. Eventual ilegalidade ocorreria se comprovado que o cumprimento da pena se dá em condições mais gravosas do que o devido, o que não é o caso[6].
É necessário aguardar uma consolidação desse tema, definitivamente, pelo pleno do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, não mais se parece correto afirmar categoricamente que há evidenciada divergência entre as soluções aplicadas pelo STF e pelo STJ sobre essa controvérsia.
Espero que tenham gostado e sobretudo entendido!
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] (…) 3. Embora o juiz singular tenha fundamentado concretamente a necessidade da custódia cautelar para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (artigo 313, III, do Código de Processo Penal), o paciente está sendo acusado da suposta prática do crime de ameaça – cuja reprimenda cominada em abstrato é de detenção, de 1 a 6 meses, ou multa -, bem como de ter cometido vias de fato – cuja pena abstratamente prevista é de prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa -, de maneira que se mostra ilegal a prisão cautelar, à luz do princípio da homogeneidade entre cautela e pena, máxime quando a segregação do paciente perdura há mais de 8 meses.(…). (HC 282.842/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/03/2014, DJe 10/04/2014).
[2] HC 138122, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 09/05/2017.
[3] RHC 76.484/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 09/05/2017, DJe 17/05/2017.
[4] HC n. 197.226/SP, DJe 9.2.2021, com trânsito em julgado em 18.2.2021, HC n. 197.024/SC, DJe 26.1.2021, com trânsito em julgado em 9.2.2021, e HC n. 191.635/SC, DJe 22.10.2020, com trânsito em julgado em 28.10.2020.
[5] STF, AgRg no HC 205.179, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, julgado em 08.09.2021.
[6] STF, AgRg no RHC 194.666, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, julgado em 24.02.2021.
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