Como se sabe, na última quinta-feira, dia 30 de março de 2023, o Plenário do Supremo Tribunal “formou maioria para declarar que o dispositivo do Código de Processo Penal (CPP) que concede o direito a prisão especial a pessoas com diploma de ensino superior, até decisão penal definitiva, não é compatível com a Constituição Federal (não foi recepcionado)”[1].
Embora a sessão virtual tivesse seu encerramento o dia seguinte, a formação de maioria já possibilita a discussão dos reflexos da decisão no processo penal militar.
A discussão sobre o tema, necessário consignar, ocorreu no bojo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 334, ajuizada pelo Procurador-Geral da República em que se questionou a prisão especial, até decisão condenatória definitiva, para os portadores de diploma de nível superior, prevista no Código de Processo Penal comum, especificamente no inciso VII do artigo 295.
Alegou-se na exordial que o dispositivo violava “a conformação constitucional e os objetivos fundamentais da República, o princípio da dignidade humana e o da isonomia”, observando que o “‘privilégio’ da prisão especial, instituído em 1937, no governo provisório de Getúlio Vargas, ‘originou-se em contexto antidemocrático, durante período de supressão de garantias fundamentais e manutenção de privilégios sem respaldo na igualdade substancial entre cidadãos’. Leis posteriores alteraram os critérios, mas ‘não foram capazes de retirar a mácula de inconstitucionalidade’ da distinção para portadores de diploma de ensino superior”[2].
É preciso lembrar, entretanto, que o dispositivo do Código de Processo Penal comum é espelhado pelo Código de Processo Penal Militar, especficamente na alínea “h” do seu art. 242 que dispõe que serão “recolhidos a quartel ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão, antes de condenação irrecorrível”, entre outros, “os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional”.
Em adição, o art. 234, § 1º, também do Código de Processo Penal Militar dispõe que o “emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do prêso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242”, ou seja, a reboque, o detentor de diploma d enível superior não poderia ser algemado em uma eventual situação de necessidade, cenário que, naturalmente, não subsiste mais diante do verbete da Súmula Vinculante n. 11, do Supremo Tribunal Federal, que racionaliza a utilização desse equipamento de proteção individual no Brasil.
Embora o cenário de edição dos dispositivos tenha sido diferente, proquanto o Código de Processo Penal Militar remonta o ano de 1969, não abrangido pelo mencionado “Governo Provisório”, os argumentos que levaram à inconstitucionalidade do dispositivo da lei processual penal comum devem levar ao mesmo destino aquele previsto na lei processual penal castrense, porquanto o cenário constitucional apresentado, evidentemente, não preserva a persecução penal militar.
À guisa de exemplo, no voto do Ministro Relator da ADPF 334, a do Código de Processo Penal comum atacada “dispensa um tratamento diferenciado, mais benéfico, ao preso especial. ‘Apenas o fato de a cela em separado não estar superlotada já acarreta melhores condições de recolhimento aos beneficiários desse direito, quando comparadas aos espaços atribuídos à população carcerária no geral – que consiste em um problema gravíssimo em nosso país, podendo extrapolar em até quatro vezes o número de vagas disponíveis’”[3].
Ainda nas palavras do Relator, “a Constituição Federal, o CPP e a Lei de Execuções Penais (LEP) legitimam o tratamento diferenciado na forma de recolhimento de determinados presos em razão de circunstâncias específicas. É o caso da diferenciação em razão da natureza do delito, da idade e do sexo da pessoa condenada e a segregação de presos provisórios de presos definitivos de acordo com a natureza da infração penal imputada”[4]. Nesses “casos, a medida visa evitar, por exemplo, violências decorrentes da convivência de homens e mulheres na mesma prisão, a influência de presos definitivos contra pessoas ainda presumidamente inocentes e, ainda, proteção a crianças e adolescentes que tenham cometido atos infracionais. ‘Em todas essas hipóteses, busca-se conferir maior proteção à integridade física e moral de presos que, por suas características excepcionais, estão em situação mais vulnerável’”[5].
Ora, em que pese a condição de presídios destinados aos militares serem, sabidamente, bem melhores que aquelas encontradas nos estabelecimentos penais comuns, o tratamento diferenciado inconstitucional em uma seara – a do processo penal comum – não pode significar comportamento constitucional em outra – a do processo penal militar –, sob o mesmo pressuposto lógico.
Não havendo ratio inaugural de distinção, a consequência, assim, deve ser a mesma no processo penal militar.
[1] Cf. STF. Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=504930&tip=UN. Acesso em 31.03. 2023.
[2] Cf. STF. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287517. Acesso em 24.08.2020.
[3] Cf. STF. Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=504930&tip=UN. Acesso em 31.03. 2023.
[4] Cf. STF. Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=504930&tip=UN. Acesso em 31.03. 2023.
[5] Cf. STF. Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=504930&tip=UN. Acesso em 31.03. 2023.
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