Olá pessoal, tudo certo?
Hoje falaremos um pouco mais sobre aspectos relacionados ao Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), inserido no Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime).
Lembremos que o ANPP é mais um instrumento da chamada Jurisdição do Consenso ou Negociada e, em síntese, representa um negócio jurídico pactuado entre o Ministério Público e o investigado, via de regra na fase investigatória (pré-processual), submetido posteriormente à homologação judicial e admitido apenas para algumas infrações penais.
No pacto, o investigado assume a obrigação de observar e cumprir certas condições por fixado período de tempo e, uma vez cumprindo todas as suas obrigações e deveres, haverá o reconhecimento da extinção da punibilidade, sem qualquer mácula ou reconhecimento de culpa.
Vale perceber, porém, que o investigado que acorda e cumpre o referido acordo seria potencialmente um imputado em ação penal. Essa noção é justamente relevante para compreendermos a importância e a abrangência do questionamento título do texto.
Trabalhemos com uma situação hipotética. Imagine que João, Maria e Antônio estejam sendo investigados por um mesmo fato delitivo (supostamente) cometido em concurso de agentes.
Entretanto, apenas Maria realiza Acordo de Não Persecução Penal, nos termos do art. 28-A do CPP[1], tendo sido proposta denúncia em desfavor de João e Antônio.
Nesse caso, é correto dizer que, tendo o representante do Ministério Público arrolado Maria como testemunha de acusação, ela poderá ser ouvida em tal qualidade no curso do processo em tela?
Cuidado como isso será perguntado na prova. NÃO HÁ VEDAÇÃO para que Maria seja ouvida no curso da instrução, porém ela o será na condição de informante, ou seja, não estaremos diante de, tecnicamente, uma testemunha.
É essa a orientação firmada pelo STJ. Segundo a Corte, “a despeito de um corréu não ter sido denunciado, por ter feito Acordo de Não Persecução Penal, inexiste impedimento para sua oitiva como informante, MAS NÃO COMO TESTEMUNHA” (AgRg no RHC n. 144.641/PR, 5ª Turma, julgado em 28/11/2022).
Importante registrar ainda que essa orientação não é propriamente uma surpresa porque, além de acertada em minha visão, denota coerência da Corte. Isso porque em entendimentos antigos, o STJ tem impossibilitado que correus que firmem suspensão condicional do processo sejam ouvidos como testemunha em relação aos demais imputados. Vejamos:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO (ARTIGO 171 DO CÓDIGO PENAL). ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE OITIVA DE CORRÉU COMO TESTEMUNHA. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. 1. Ao magistrado é facultado o indeferimento, de forma fundamentada, do requerimento de produção de provas que julgar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes, devendo a sua imprescindibilidade ser devidamente justificada pela parte. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF. 2. No caso dos autos, a defesa pretendeu a oitiva de corréu que aceitou a proposta de suspensão condicional do processo como testemunha, o que foi indeferido pela togada responsável pelo feito. 3. O CORRÉU, por não ter o dever de falar a verdade e por não prestar compromisso, NÃO PODE SERVIR COMO TESTEMUNHA, O QUE AFASTA O CONSTRANGIMENTO ILEGAL DE QUE ESTARIA SENDO VÍTIMA A RECORRENTE. Doutrina. Precedentes. 4. Recurso improvido (RHC n. 40.257/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 24/9/2013, DJe de 2/10/2013).
Consoante temos comentado em nossas aulas, a partir de 2023 há cada vez mais uma tendência do examinador explorar orientações jurisprudenciais dos Tribunais Superiores acerca do tema do Acordo de Não Persecução. A grande maioria das abordagens, desde 2020 (início da vigência do art. 28-A do CPP), vem sendo da literalidade do novo dispositivo. Contudo, diante do grande número de temas vinculados ao instituto já analisados e apreciados pelas Cortes, há imensa probabilidade de essas orientações serem objeto de questionamento. Ou seja, dominar a jurisprudência publicada ou não em informativos sobre esse tema revela-se de rigor, para os candidatos em certames de carreiras jurídicas.
Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (…)