Olá pessoal, tudo certo?
Precisamos falar de forma um pouco mais aprofundada sobre aspectos importantes operacionalizados pela Lei 12.694/2012, a qual trouxe a previsão, em âmbito federal, do julgamento colegiado em 1º grau de jurisdição em crimes envolvendo organizações criminosas.
Vale destacar que essa lei foi pioneira na conceituação de organização criminosa no âmbito interno, apesar de não ter tipificado tal comportamento como delito. De acordo com sua redação originária, organização criminosa seria a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.
Entretanto, como se sabe, esse conceito não é mais atual. Isso porque, menos de um ano depois de sua vigência, a Lei 12.850/2013 adotou outro conceito, bem como tipificou organização criminosa como delito autônomo. A partir de então, temos que ORCRIM é a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Apesar de parcela minoritária da doutrina sustentar a coexistência desses dois conceitos, prevalece a ideia de que a Lei 12.850/2013 revogou a Lei 12.694/2012 especificamente no que tange ao conceito de organização criminosa, devendo ser ele o único utilizado, para fins de segurança jurídica.
Feito esse registro, retomemos à ideia do julgamento colegiado em 1º grau. Desde 2012, portanto, temos verdadeiros “acórdãos de 1º grau”! Essa técnica de julgamento poderá ser utilizada tanto em relação ao crime de organização criminosa, como também no “crime organizado por extensão”, ou seja, nos delitos praticados pelos grupos organizados em si.
Essa Lei 12.694/2012 é a primeira lei federal a tratar sobre esse tema. Todavia, é necessário destacar a Lei 6.806/2007 do Estado de Alagoas, que criou um juízo colegiado para o julgamento de crimes praticados por organização criminosa, atendendo inclusive a Recomendação 03/2006 do CNJ. Essa lei foi parar no STF, quando do julgamento da ADI 4.414, o qual apontou algumas diretrizes sobre a compatibilidade ou não desse juízo colegiado ao ordenamento jurídico pátrio, já que até o presente momento não houve apreciação da constitucionalidade ou não da lei federal.
E o que o STF entendeu?
Diante da inércia (à época) da União em legislar sobre a matéria, poderiam sim os Estados legislar sobre a matéria, já que se trataria de matéria vinculada ao PROCEDIMENTO (e não ao processo), havendo, pois, autorização constitucional para tanto. A única ressalva que o STF fez foi o fato de que essa lei se valia do conceito da Convenção de Palermo para o crime de organização criminosa e isso violaria o princípio da legalidade no que se refere a garantia da chamada lex populli.
Esse problema foi superado com a Lei 12.694/2012. Muita coisa pode ser falada sobre essa lei, mas uma das dúvidas que podem suscitar controvérsias e pegadinhas de prova é se esse julgamento colegiado de 1º grau se assemelha à figura do “Juiz sem Rosto”?
A resposta é negativa, porém precisamos explorar mais. Na década de 90, a Colômbia vivenciava um cenário constante de terrorismo provocado pelo narcotráfico, sendo frequente assassinatos de juízes, testemunhas e investigadores que não “jogassem o jogo” imposto pela criminalidade. Tentando gerar uma “proteção” aos julgadores, fora criada essa figura, cujas marcas principais é a não revelação da identidade civil do julgador, seu nome, seu rosto e até mesmo sua formação técnica. Como apontava Luiz Flávio Gomes, “do juiz sem rosto nada se sabe, salvo que dizem que é juiz”.
Nos anos 2000, a Corte Constitucional colombiana reputo a figura do juiz sem rosto com inconstitucional, violadora do devido processo legal, publicidade e do direito ao confronto na produção de provas. Em sentido similar, a Corte IDH, no caso Castillo Petruzii e outros vx. Peru analisando um julgamento realizado por magistrados e membros do MP “MASCARADOS” afirmou que, em razão da impossibilidade de identificar o magistrado, não era possível assegurar que fosse o julgador investido da jurisdição para julgar.
O que a Lei 12.694/12 fez não foi reproduzir o juiz sem rosto, afinal isso seria inconstitucional e inconvencional. Apesar de haver um julgamento colegiado em 1º grau, os juízes são identificáveis, a decisão não é apócrifa e é possível arguir exceções de impedimento ou suspeição.
Assim, apesar de algum desconforto doutrinário, prevalece com alguma tranquilidade da constitucionalidade do Juízo Colegiado de 1º Grau nos crimes organizados.
Espero que tenham gostado!
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.