(mais um) Novo capítulo sobre o imbróglio do art. 112, I, do código penal brasileiro!

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Olá pessoal, tudo certo?

No início de agosto desse ano de 2022, publicamos aqui no blog do Gran o texto “A partir de quando se inicia a contagem do prazo prescricional da pretensão punitiva penal?” (vide a íntegra em https://blog.grancursosonline.com.br/a-partir-de-quando-se-inicia-a-contagem-do-prazo-prescricional-da-pretensao-punitiva-penal/), ocasião em que teci considerações importantes sobre uma das mais acaloradas e importantes controvérsias no âmbito do direito penal.

Referia-me ao marco inicial da contagem da prescrição da pretensão executória, em face da péssima redação extraída do art. 112, I do Código Penal:

Art. 112 – No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: I – DO DIA EM QUE TRANSITA EM JULGADO A SENTENÇA CONDENATÓRIA, PARA A ACUSAÇÃO, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;

Sinalizamos, registrando todas as particularidades das posições, que o tema era pacífico em um determinado sentido para o Superior Tribunal de Justiça, ao passo que no Supremo Tribunal Federal a temática ainda pendia de definição. Vejamos, resumidamente, a situação então vislumbrada:

STJ STF
O tema é pacífico e favorável à tese por mim defendida, ou seja, PREVALECE A LEGALIDADE ESTRITA EM MATÉRIA PENAL. Segundo as Turmas Criminais (5ª e 6ª Turmas), entendimento diverso encontra-se “em desacordo com o entendimento desta Corte de que o prazo da prescrição da pretensão executória conta-se a partir do trânsito em julgado para a acusação, nos termos do art. 112, I, do Código Penal (vide STJ, 6ª Turma, AgRg no HC 555.043/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/05/2020, HC 341.048/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 10/06/2016 e HC 349.881/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/05/2016, DJe 10/06/2016). O Supremo Tribunal Federal não anui integralmente a essa orientação. Há uma certa instabilidade na compreensão da mencionada Corte. É que em um momento, o Supremo acompanha o STJ e assevera que “a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal se sedimentou no sentido de que o prazo prescricional da pretensão executória começa a fluir da data do trânsito em julgado para a acusação (vide HC 113715, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/04/2013).

Já em outro momento, o STF muda seu entendimento e aponta a exigência do trânsito em julgado para ambas as partes com requisito para o início da contagem da prescrição, pois “o princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade, tal como interpretado pelo STF, deve repercutir no marco inicial da contagem da prescrição da pretensão executória, originariamente regulado pelo art. 112, I do Código Penal. Como consequência das premissas estabelecidas, o início da contagem do prazo de prescrição somente se dá quando a pretensão executória pode ser exercida (vide STF, 1ª Turma, RE 696533/SC, Rel. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 6/2/2018 e HC 107710 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 09/06/2015).

Contudo, eu havia sinalizado que esse imbróglio somente seria superado de vez quando o Supremo Tribunal Federal analisasse a temática em sede de Repercussão Geral, já devidamente reconhecida e com parecer da Procuradoria Geral da República apresentado, no ARE 848.107.

“Bacana, Pedro. Então quer dizer o houve avanço nesse caso?”.

Calma! Ainda não. Entretanto, tivemos sim novidade relevantíssima.

De forma (relativamente) inesperada, o Superior Tribunal de Justiça, através da sua 3ª Seção, anunciou a superação do seu entendimento outrora pacificado.

Conforme constatou a Corte[1], recentemente, o Pleno do STF fixou a orientação de que “a prescrição da pretensão executória, no que pressupõe quadro a revelar a possibilidade de execução da pena, tem como marco inicial o trânsito em julgado, para ambas as partes, da condenação“. Logo, “enquanto não proclamada a inadmissão de recurso de natureza excepcional, tem-se o curso da prescrição da pretensão punitiva, e não a da pretensão executória[2], ainda que reste pendente o julgamento definitivo do tema em sede de repercussão geral, como indicado anteriormente – ARE 848.107/DF (Tema n. 788)[3].

Nesse sentir, a 3ª Seção do STJ entendeu que necessário realizar um alinhamento com os julgados mais recentes do Supremo Tribunal Federal, a fim de uniformizar as soluções e evitar os desnecessários prolongamentos dos processos em âmbito recursal, com o destino final já conhecido (entendimento do STF).

Prevaleceu, pois, a adoção pela 3ª Seção da compreensão já sufragada recentemente, inclusive, pela 6ª Turma da Corte. À ocasião, firmou que “embora haja, no STF, reconhecimento de repercussão geral no STF – ARE 848.107/DF (Tema n. 788) -, pendente de julgamento, “[o] Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AI 794971-AgR/RJ (Rel. para acórdão Ministro MARCO AURÉLIO, DJe 25/06/2021), definiu que o dies a quo para a contagem da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes. Assim, por já ter havido manifestação do Plenário da Suprema Corte sobre a controvérsia e em razão desse entendimento estar sendo adotado pelos Ministros de ambas as turmas do STF, essa orientação deve passar a ser aplicada nos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que não há mais divergência interna naquela Corte
sobre o assunto”[4].

IMPORTANTE: Doravante, essa deve ser a orientação a ser adotada em provas de concurso público. Todavia, não obstante se tratar de remotíssima possibilidade, caso o Supremo Tribunal Federal venha a adotar solução diversa quando do julgamento da repercussão geral, teremos que fazer uma nova atualização. Além de não ser provável, o fato é que – até eventual nova modificação de entendimento – devemos considerar que o início do prazo da prescrição da pretensão executória somente se inicia a partir do trânsito em julgado para AMBAS AS PARTES, ao contrário da literal redação do art. 112, I do Código Penal Brasileiro.

É isso! Espero que tenham gostado e, sobretudo, entendido.

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

[1] AgRg no REsp 1.983.259-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado 26/10/2022, DJe 03/11/2022.

[2] AI 794.971/RJ-AgR, rel. do ac. Min. Marco Aurélio, DJe de 28/06/21 e ARE 1.301.223 AgR-ED, Relato Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 29/04/2022.

[3] No mesmo sentido e também no Supremo Tribunal Federal, vide HC 185956, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 08/06/21, 1ª Turma; RE 1391446, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 04/08/22; RE 1383697, Rel. Min.
Edson Fachin, DJe01/06/22 RCL 52755, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 06.05.22.

[4] AgRg no RHC n. 163.758/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022 e AgRg no REsp n. 2.000.360/PR Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 15/8/2022.

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